Há sinais contraditórios sobre o suposto regresso do tráfico
de droga e da insegurança ao antigo Casal Ventoso
Sofia Cristino
4 Fevereiro, 2019
O bairro do Casal Ventoso foi demolido há 20 anos, para dar
condições mais dignas às famílias que lá viviam, mas também para eliminar um
problema de décadas de tráfico de droga. Os moradores foram realojados em
habitações municipais na Quinta do Cabrinha, na Quinta do Loureiro e na Avenida
de Ceuta Sul. Apesar do problema nunca ter sido erradicado, o medo de entrar
naqueles bairros diminuiu. No último ano, porém, há quem diga que alguns dos
antigos problemas ressurgiram. O que se poderá dever à falta de policiamento. A
Câmara de Lisboa aprovou, por isso, uma moção, apresentada pelo CDS, na qual se
pede o aumento da polícia de proximidade. O presidente da Junta de Freguesia de
Alkantara não vê, porém, motivos para alarme, e considera que “um trabalho
contínuo” é mais importante que o reforço do policiamento. “Quando há exageros
nas avaliações da situação destes bairros criam-se estigmas. As pessoas não têm
de ter rótulos por morarem em casas sociais”, diz.
O antigo bairro do Casal Ventoso desapareceu há duas
décadas. As famílias que lá viviam foram realojadas nos bairros da Quinta do
Loureiro, da Quinta do Cabrinha e da Avenida de Ceuta Sul, respectivamente nas
freguesias de Campo de Ourique, Alcântara e Estrela. Vinte anos volvidos,
existem planos de requalificação profunda para o bairro municipal da Quinta do
Cabrinha, o tráfico de droga e a criminalidade de outrora diminuíram e os
bairros sociais acabaram por representar uma grande transformação naquela zona
da capital. Recentemente, porém, alguns dos antigos problemas ressurgiram. O
fecho da esquadra da Polícia de Segurança Pública (PSP) da Quinta do Loureiro e
a diminuição das funções do posto daquela força na Quinta do Cabrinha poderão
estar na origem da diminuição da percepção de segurança. A Câmara Municipal de
Lisboa (CML) aprovou, por isso, na reunião de vereação do passado dia 30 de
Janeiro, uma moção pedindo o reforço do policiamento em dois dos bairros,
Loureiro e Cabrinha. Apresentada pelo CDS-PP, e apoiada por PS, PSD e PCP,
apenas teve um voto contra, o do vereador do Bloco de Esquerda, Manuel Grilo,
titular da pasta dos Direitos Sociais.
“Percebemos, por observação no local, mas também através de
queixas recebidas por Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS)
a trabalharem nestes bairros, que a saída do posto da Polícia de Segurança
Pública (PSP) intensificou o tráfico de droga. Não queremos que o fenómeno se
alastre e, por isso, defendemos todas as medidas preventivas para que os
moradores não sintam que há impunidade da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e
que ali se pode praticar esses actos ilícitos à vontade”, diz Nuno Rocha
Correia, vereador do CDS, autor da moção. Os vereadores centristas na Câmara de
Lisboa receiam que os bairros municipais da Quinta da Cabrinha e da Quinta do
Loureiro se tornem “num novo Casal Ventoso” e pedem, por isso, “uma actuação
rápida” da autarquia no aumento destas forças de segurança. “Os delinquentes
apropriaram-se daquelas zonas para fazerem um supermercado de droga a céu
aberto e não podemos compactuar com isso. Temos de os expulsar de lá,
corrigindo-os através da aplicação da lei, de forma a já não conseguirmos dar
conta do problema”, pede Nuno Rocha Correia.
Na reunião camarária, Manuel Grilo (BE), vereador dos
Direitos Sociais, justificou o seu sentido de voto negativo, por considerar que
estes bairros municipais precisam de soluções de fundo. “Entendemos que
garantir a segurança é fundamental, mas vamos votar contra porque é a única
resposta que o CDS tem aos problemas destes bairros, que exigem uma resposta
integrada, que consideramos muito necessária”, disse. A segurança, salientou
ainda, “é um direito que deve, naturalmente, ser assegurado”. Mas não deve ser
a única resposta. “É importante que exista policiamento de proximidade e um
financiamento público robusto nestes bairros, que responda às exigências dos
moradores, tanto em termos de edificados como em projectos sociais. Em
resultado do diagnóstico sobre consumos de substâncias psicoactivas na cidade
de Lisboa, esta zona foi indicada pela Administração Regional de Saúde e Vale
do Tejo como uma das zonas em que é necessário intervir”, sublinhou. “Só será
possível combater o isolamento social destes bairros quando existir segurança e
garantia de todos os direitos fundamentais dos moradores”, acrescenta.
A vereadora da
Habitação, Paula Marques, manifestou a intenção de fazer uma declaração de voto
sobre a moção apresentada pelo CDS-PP. Em declarações a O Corvo, fonte do
gabinete da vereadora da Habitação, diz que, “entre outros aspectos, esta
declaração pretende salientar que a Câmara de Lisboa está a acompanhar estes
territórios e tem mantido contactos com os moradores, sobre estas matérias e
sobre as intervenções previstas no edificado no âmbito dos programas de
requalificação já lançados pelo município”. “A autarquia está, também, atenta
às questões de criminalidade, para as quais tem alertado as autoridades
devidas”, garante.
Quando O Corvo esteve no Bairro do Loureiro, no passado dia
3 de Outubro, numa iniciativa que assinalava os vinte anos do realojamento, os
habitantes queixavam-se da falta de policiamento e da insegurança provocada
pelo aparecimento de grupos ligados ao negócio e consumo de estupefacientes.
Apesar dos dados apresentados, e das preocupações manifestadas agora em reunião
de Câmara, o presidente de Junta de Freguesia de Alcântara, Davide Amado (PS),
relativiza a gravidade dos problemas descritos – sem deixar de admitir a sua
existência.
“Há sempre mais
incidências na Avenida de Ceuta Sul e na Quinta do Cabrinha, mas há uns meses
esteve bem pior. Há tráfico de droga, mas não ao ponto de recearmos voltar ao
que foi o Casal Ventoso. O policiamento é sempre bom, mas, se não se fizer um
trabalho contínuo e integrado, não acho que o reforço policial vem resolver
alguma coisa”, considera o autarca socialista. Davide Amado diz que tem
acompanhado os problemas do bairro social da Quinta do Loureiro e que há várias
associações a trabalhar no desenvolvimento e integração social dos moradores.
“Há uma série de problemas que não foram totalmente resolvidos, mas esse
trabalho é constante. O problema da droga só se resolve com uma intervenção
imaterial, só conseguimos trabalhar para os habitantes terem melhor qualidade
de vida, quando eles querem ser os próprios guardiões desses padrões de
qualidade”, explica.
O autarca recorda ainda que o bairro da Quinta do Cabrinha
está a ser requalificado, desde o passado mês de Maio, quando a autarquia
anunciou uma intervenção de 1,7 milhões de euros naquele aglomerado
habitacional. “Estão a fazer uma requalificação profunda. A Câmara de Lisboa
está a substituir todas as portas, as janelas, para passarem a ter vidros
duplos. Estamos também a tentar resolver o problema dos elevadores, que estão
parados, mas não é fácil porque estão sempre a avariá-los”, diz. A reabilitação
do bairro localizado junto à Avenida de Ceuta contempla ainda a revisão e
reparação de instalações eléctricas e da rede de águas pluviais e a instalação
de painéis fotovoltaicos. “Este é um trabalho muito importante, e ajudará
certamente na melhoria da qualidade do bairro. Quando há exageros nas
avaliações da situação destes bairros criam-se estigmas. As pessoas não têm de
ter rótulos por morarem em casas sociais”, reforça.
A instituição de
solidariedade social Projecto Alkantara desenvolve várias iniciativas nos
bairros da Quinta do Loureiro e da Quinta da Cabrinha, com o intuito de
aumentar o sentido de pertença das comunidades que lá vivem. O presidente do
Alkantara, Filipe Santos, também não se revê nos dados apresentados pelo CDS,
embora não descure a importância do problema. “Penso que os habitantes estão a
sentir a falta da esquadra. Só a sua presença já tinha um poder dissuasor. Há
muito tempo que a polícia também não faz rusgas, o ano passado ainda
apareciam”, conta. A insegurança, porém, mantém-se nos mesmos níveis. “Dizer-se
que isto se poder tornar, novamente, no Casal Ventoso, é um bocadinho
exagerado. Há quarenta anos, não se conseguia passar na rua principal do
bairro. Está muito diferente”, garante.
Sem comentários:
Enviar um comentário