Sem utilização desde a Expo’98, Torre Galp vê a sua
estabilidade ser avaliada
Kátia Catulo
Texto
20 Fevereiro, 2019
Oito décadas passadas sobre a construção e um par delas
sobre a última vez que teve uso, a antiga Torre da Galp, no Parque das Nações,
poderá vir a ganhar nova vida. Que até poderá passar pela transformação do topo
num miradouro. Mas, antes que isso possa acontecer, terão de ser conhecidos os
resultados da avaliação que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) mandou fazer à
estabilidade e às condições de segurança da estrutura, bem como os custos de
uma eventual requalificação. “Estão a ser feitos alguns estudos, porque existem
algumas dúvidas sobre questões de estabilidade da torre”, admite João Paulo
Saraiva, vice-presidente da autarquia, salientando também estarem ainda por
resolver algumas questões burocráticas relativas à transferência para a câmara
da posse do equipamento. Sem que ambas as situações estejam resolvidas,
considera, anunciar a criação do miradouro é algo “prematuro”.
Tal proposta, nascida de uma recomendação do CDS-PP aprovada
esta terça-feira (20 de Fevereiro) na Assembleia Municipal de Lisboa (AML),
poderá ser um dos cenários postos em prática pela Câmara Municipal de Lisboa
(CML), depois de avaliadas condições estruturais da torre e custos associados à
sua requalificação. Mas, por agora, o vice-presidente da CML prefere não se
comprometer. A autarquia da capital assumiu a posse definitiva da estrutura, em
Agosto de 2018, na sequência da aprovação do decreto-lei em que se definiam os
termos da extinção da empresa Parque Expo, efectivada no final do ano anterior.
Uma assunção de responsabilidades ocorrida quase seis anos após a transferência
para o município, em Dezembro de 2012, da gestão urbana do recinto da exposição
internacional dedicada aos oceanos.
“Parece-me prematuro que estejamos aqui, de forma tão cabal
e definitiva, a votar uma proposta sem que esses estudos e essa análise sejam
feitos previamente”, afirmou João Paulo Saraiva, depois de referir que a câmara
pediu a realização de uma avaliação às condições de estabilidade e segurança da
torre. Lembrando que o processo de passagem da tutela da estrutura para a CML
“ainda não está efectivado na sua plenitude”, o autarca sublinhou a importância
de se realizar a avaliação das necessidades de intervenção na torre “para que
ela possa ser minimamente estável”. “Depois disso é que estávamos a pensar que
uso dar, em face destes mesmos custos, após serem devidamente orçamentados”,
explicou. Uma preocupação para a qual já antes alertara o deputado municipal
comunista Fernando Correia, que sugeriu que a avaliação seja feita pelo
Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC).
Erguida em 1939, integrada na então nova Refinaria de Cabo
Ruivo, a infra-estrutura começou por se chamar Torre TCC, abreviatura de
Thermofor Catalytic Cracking, processo através do qual se procedia ali ao
processamento do petróleo em bruto e sua transformação em derivados, como
gasolina, gasóleo e outros. Ao longo do século passado, evidenciando-se através
da ininterrupta chama saído do topo – que se assumia como o mais evidente ícone
do gigante complexo industrial situado naquela parte de Lisboa -, passou a ser
conhecida, primeiro, como Chaminé Sacor e, finalmente, com Torre Galp. Laborou
até 1995, altura em que a refinaria foi desactivada e desmantelada, cumprindo
os propósitos anunciados três anos, quando se decidiu a organização da Expo’98
e a construção do recinto onde teria lugar. Durante o certame, e após
intervenção reabilitadora dos arquitectos Manuel Graça Dias e Egas José Vieira,
a sua base funcionou como Porta do Mar, uma das entradas do recinto e o topo
como ponto de observação panorâmica, destinado a convidados especiais. Para
tal, foi instalado um elevador.
Após o fecho das portas da exposição internacional – na
vigência da qual a parte inferior da torre também acolheu diversos serviços, em
espaços criados para o efeito pelo projecto de requalificação -, a 30 de
Setembro de 1998, prevaleceu a indefinição sobre o que fazer com aquele
equipamento. Isto apesar de em redor, o território do agora baptizado Parque
das Nações rapidamente se consolidar como parte do tecido urbano da capital,
com a construção de urbanizações com habitação, serviços e comércio. A
administração do espaço público mantinha-se a cargo da Parque Expo, criada em
1993 para organizar o certame, mas a empresa pública nunca demonstrou vontade
de aproveitar a velha infra-estrutura que havia decidido preservar. Ou nunca a
verbalizou. Até porque parecia cada vez mais evidente que, finda a expo e a
missão de implementação e desenvolvimento do projecto urbano na área de
intervenção, a sua existência não mais se justificava. O que se viria a
confirmar com a decisão do Governo, em 2011, de a extinguir, como parte das
medidas de racionalização financeira impostas pelo clima económica do momento –
embora o processo apenas se tenha iniciado em 2014 e concluído quatro anos depois.
Ao longo dos últimos
anos, e perante a constatação da falta de uso da infra-estrutura e da sua
progressiva degradação, foram-se ouvindo pedidos para que se lhe encontrasse
uma solução regeneradora. Afinal, aquele é não apenas um dos ícones do acontecimento
que justificou a integral reinvenção daquela parcela de cidade, há duas
décadas, como da realidade que lhe antecedeu durante a maior parte do século
passado. Uma das vozes reclamando nesse sentido era a do ex-presidente da Junta
de Freguesia do Parque das Nações, José Moreno, que, em declarações a O Corvo,
em Março de 2016, pedia a transferência da tutela da Torre Galp para a
autarquia por si liderada. “Se a câmara quiser, nós estamos disponíveis para
assumir a gestão da torre, através de um contrato de comodato”, dizia, na
altura, o autarca da freguesia surgida em 2013, na sequência da reforma
administrativa da cidade de Lisboa – constituída com parcelas do território não
apenas da freguesia dos Olivais, como das de Moscavide e Sacavém, no concelho
de Loures.
“Temos ali um
problema não só de segurança, bem como da própria imagem do espaço público, que
importa preservar”, dizia José Moreno, criticando o impasse sobre o que fazer
com o equipamento. A falta de utilização, fosse comercial ou institucional,
salientava então o primeiro presidente daquela junta, estaria a contribuir de
forma decisiva para o acentuar da degradação e da má imagem do monumento
industrial. “Em tempos, chegaram a existir lojas na parte inferior da
estrutura. Mas agora aquilo está vazio, o elevador que fazia a ligação ao piso
intermédio está parado, o que não impede as pessoas de subirem até lá cima e,
muitas vezes, fazerem aquilo que não devem”, queixa-se o autarca, salientado o
facto de haver quem ali realizasse necessidades fisiológicas, depositasse lixo
e fizesse barulho durante a noite, incomodando os residentes nos prédios
fronteiros. Até já teria havido quem lá tivesse colocado vasos com plantas para
a produção de substâncias usadas na produção de estupefacientes.
Um quadro que levava
a junta a pedir à Câmara de Lisboa uma intervenção reabilitadora naquele
equipamento ou, em alternativa, a delegar tal competência na freguesia. Até
porque, referia na altura José Moreno, a junta era com frequência abordada por
quem tinha a intenção de conferir à Torre Galp uma utilidade que não apenas a
de marco na paisagem. Entre os pretendentes a dar novo uso à zona inferior da
torre contavam-se um ateliê de jovens designers ou até um grande grupo
editorial que ali pretendia instalar uma das suas livrarias. Teria havido
também um projecto de um grupo de estudantes do IADE (Instituto de Arte, Design
e Empresa) para uma intervenção plástica no topo, mimetizando a chama do
“flare” que outrora ardia em permanência, mas necessitava de um patrocínio que
suportasse os custos de funcionamento. Outra das propostas, da Associação de
Turismo de Lisboa (ATL), ia no sentido de se aproveitar o elevador ali
instalado aquando da Expo’98 como forma de garantir o acesso à parte superior
da torre e assim franquear a todos as vistas panorâmicas obtidas desde lá em
cima. Certo é que nada foi feito.
Agora, que o
equipamento está finalmente nas mãos da Câmara de Lisboa, algumas dessas ideias
são recuperadas pela recomendação aprovada pela assembleia municipal. Documento
que, em primeiro lugar, solicita à autarquia que avalie a possibilidade de
criação um miradouro no topo da torre, procedendo às obras de adaptação e
conservação necessárias para o efeito. Pede-se ainda que se estude a
instalação, nos espaços existentes na base, estruturas de apoio (bilheteira,
cafetaria, instalações sanitárias, entre outros) e promova na zona de entrada
uma exposição retratando sumariamente o passado da estrutura. A recomendação
solicita ainda à câmara que o novo miradouro venha a ser integrado nos roteiros
turísticos, “criando uma âncora na zona sul desta freguesia e ligado ao
projecto do Centro Interpretativo do Parque das Nações”.
Nos considerandos da
recomendação apresentada pelo CDS-PP, e salientando o longo período que a torre
tem estado sem acesso público, recorda-se que a última vez que tal terá
acontecido foi a 1 de Outubro de 2016, quando a Associação Cidade Imaginada
Parque das Nações (ACIPN), organizou em parceria com a Parque Expo uma visita
destinado aos seus associados e à comunicação social. Na referida visita, na
qual O Corvo esteve presente, os participantes “puderam observar que a Torre se
apresentava segura, apenas com algumas marcas de ferrugem que necessitavam de
manutenção, embora o elevador se apresentasse desligado e vandalizado”, refere
o texto da recomendação.
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