O artista António Marinho e Pinto
Raras vezes a democracia produziu um exemplar com tanta
falta de pudor e tanto excesso de lata como Marinho e Pinto.
MANUEL CARVALHO
3 de Fevereiro de 2019, 7:32
Não é difícil nutrir uma leve simpatia por António Marinho e
Pinto. As suas bengaladas verbais, a irascibilidade, a aura de enfant terrible
e um certo estilo dandy dão-lhe um ar oitocentista, quase queirosiano, que fica
bem nesta era da política de plástico. Foram, aliás, estas qualidades em falar
para elites que o elegeram para bastonário da Ordem dos Advogados e foi a sua
prosápia em dizer o que o povo quer que o levou ao Parlamento Europeu. O
problema, porém, é que se o ar durão e a mística de cruzado servem para ganhar
uma eleição, é suposto que a reeleição exija mais do que passeios pela Europa
fria, um partido caudilhista ou uma propensão para a incoerência que desconhece
a palavra de honra. Marinho e Pinto não pensa assim.
Apesar de estar “cansado” com Bruxelas e Estrasburgo, apesar
de se julgar no final do “prazo de validade” há já um ano, apesar de o generoso
salário de deputado lhe causar urticária moral, apesar de o Parlamento Europeu
não “ter utilidade”, Marinho e Pinto decidiu devotar-se ao sacrifício e vai-se
recandidatar. Ele “não queria”, note-se. Mas tem de prestar contas e, coisa
transcendental, tem de obedecer à vontade do partido que, recorde-se, criou
para espelhar o seu ego.
Raras vezes a democracia produziu um exemplar com tanta
falta de pudor e tanto excesso de lata como Marinho e Pinto. Comparado com ele,
qualquer deputado videirinho, dedicado a assinar presenças, a votar de cruz nas
comissões ou a fazer declarações inócuas parece uma estrela. Porque, pelo
menos, a condição dessa espécie é passar despercebido. Marinho e Pinto não. Com
ele, tudo se faz com ruído. A campanha para a eleição, a saída do partido que o
elegeu, a criação de um partido feito à medida para o reeleger, tudo obedece ao
estrondo e à incoerência ou à falta de memória, de exemplo e de um mínimo rubor
na face.
Talvez o ora recandidato acredite que os eleitores que o
desprezaram nas legislativas (o seu PDR teve 1,14% dos votos) aceitem com
piedade a única sincera proposta política que tem para lhes apresentar: o
generoso salário de Bruxelas que tanto nojo lhe causou. Ele, que se diz “pobre”
e tem “uma filha no estrangeiro”, precisa. Saber se merece, ou se o país
merece, é outra coisa. Talvez, por isso, o teste das europeias seja para ele o
fim do circo. Os portugueses serão crentes, mas não hão-de ser tão parvos como
Marinho e Pinto supõe.
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