Provedor
de Justiça critica referendo que afastou a calçada de Campolide
Há
um ano, os moradores votaram pelo fim da calçada. Agora, o provedor
de Justiça considera que não teve “valor jurídico”
Liliana Borges /
6-5-2016 / PÚBLICO
O provedor de
Justiça, José de Faria Costa, pede à Junta de Freguesia de
Campolide, em Lisboa, que não atribua “qualquer valor jurídico”
à consulta popular realizada no ano passado, que levou à
substituição do pavimento de algumas zonas pedonais da freguesia. À
data, em Março de 2015, os moradores foram convidados a escolher
entre a reposição da calçada portuguesa “tradicional, à
semelhança do que já existe” e “outro tipo de pavimento
contínuo, mais moderno e seguro”. A maioria foi clara: 61,5% dos
moradores optou por um piso alternativo à tradicional calçada
portuguesa. Agora, em resposta a uma queixa apresentada pelo Fórum
Cidadania Lx, o provedor de Justiça considera que a junta de
freguesia não cumpriu o processo com a legalidade que lhe era
devida.
Numa recomendação
enviada à junta de freguesia, José de Faria Costa começa, desde
logo, por criticar o enunciado parcial das perguntas. O provedor de
Justiça estende-se em críticas e pede ainda à autarquia de
Campolide que “se abstenha de iniciativas com características
semelhantes”, onde, no entender do provedor, simula “um referendo
popular local, mas sem observância das prescrições legalmente
aplicáveis”.
O problema parece
residir no nome que é dado ao processo. “Consulta popular” e
“referendo”, duas alternativas que, escreve José de Faria e
Costa, não foram cumpridas. “Foram atropeladas formalidades
essenciais”, pode ler-se no documento assinado pelo provedor.
Uma das repreensões
é a de que numa “participação popular os sujeitos habilitados a
participar no procedimento não se confinam aos eleitores recenseados
na freguesia”, sendo “aberta a todos os cidadãos interessados
(...) que possam vir a ser afectados por aquelas decisões”. Além
disso, José de Faria Costa aponta os “termos formais em que se
desenvolveu a iniciativa”, sublinhando “que os poderes públicos
não dispõem de liberdade para configurar consultas à população
como se não estivessem subordinados ao princípio da legalidade”.
E avisa: “Contra este princípio de nada vale invocar a autonomia
local ou a descentralização democrática [, um dos argumentos
utilizados pela Junta de Freguesia de Campolide.]”
Ao PÚBLICO André
Couto, presidente da Junta de Campolide, conta que já se reuniu com
o provedor de Justiça e aponta uma divergência na interpretação
das questões jurídicas da consulta popular. Ainda assim, e apesar
de respeitar a opinião da provedoria, o presidente da junta garante
que irá continuar a consultar a população. Para isso, a junta está
a estudar soluções alternativas para que os futuros processos de
partilha de decisão não interfiram com aspectos apontados por José
de Faria Costa.
“As autarquias são
verdadeiramente autónomas e têm amplo grau de autonomia
administrativa e financeira”, argumenta André Couto. “Para mim,
é mais simples estar sentado na minha secretária, tomar eu a
decisão, pegar numa caneta e assinar um despacho”, nota o
presidente da autarquia. “O meu mandato é de quatro anos, mas o
que eu faço no chão de Campolide vai durar uns 40 ou 50 anos”,
afirma. Por isso, para André Couto, “a sociedade só ganha em ser
ouvida”. “É importante num tempo de crise de democracia que se
estimule a participação democrática”, justifica.
O autarca socialista
sublinhou ainda que a consulta nunca teve um carácter vinculativo e
que nunca foi intenção substituir integralmente o pavimento, mas
“criar uma faixa de piso seguro em zonas com as taxas mais elevadas
de sinistralidade pedonal” e reforça que é isso que está a ser
feito.
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