Isto
é um governo ou uma agência de emprego?
PEDRO SOUSA CARVALHO
27/05/2016 – 07:29
Não
é a administração pública. É a decadência pública. PSD, CDS e
PS transformaram a Cresap numa agência de emprego
Isto já começa a
ser embaraçoso. Espantoso. Para não dizer vergonhoso. Quem tem
razão é Manuela Ferreira Leite: “A Cresap é uma fantochada.”
Dia sim, dia não, o Governo anuncia a anulação de um concurso
público feito pelo anterior Governo para cargos de chefia na
administração pública. No dia "sim" manda embora um
dirigente que lá foi posto pelo Governo anterior, e no dia "não"
mete lá um boy do PS. Manuela Ferreira Leite tem razão: "A
Cresap é uma fantochada.” E os dirigentes públicos, que nem
fantoches, entram nos organismos e nas repartições públicas com um
cartão de militante numa mão e saem quando muda o Governo com as
duas a abanarem.
Esta terça-feira
foi dia "sim". Vieira da Silva correu com a direcção do
Instituto de Segurança Social (ISS) que estava a ser assegurada por
Ana Clara Birrento desde Julho do ano passado. Birrento e a sua
equipa tinham participado num concurso da Cresap e foram escolhidos
pelo anterior Governo para um mandato de cinco anos. Nem sequer
completaram um.
O ministério de
Vieira da Silva justifica o afastamento dos dirigentes com a
“necessidade de imprimir nova orientação à gestão”, argumento
esse aliás que tem sido repetido até há exaustão nos últimos
meses para afastar dezenas de outros dirigentes públicos dos lugares
de chefia. Que novas orientações são essas que Ana Clara Birrento
e a sua equipa são incapazes de cumprir? O Ministério da Segurança
Social explica em comunicado as novas orientações: “Mais coesão,
menos desigualdade, reduzir a pobreza, bem como promover a
natalidade.” É fácil depreender daqui que Ana Clara Birrento e a
sua equipa são defensoras de orientação diversa, ou seja, de menos
coesão, maior desigualdade, mais pobreza para todos e de uma
política de travão à natalidade sabe-se lá com que métodos
contraceptivos. Tanto disparate junto.
Não é de hoje e
não é de agora esta espécie de saneamento na administração
pública. Em Dezembro, o ministério de Vieira da Silva, que mais
parece uma agência de trabalho temporário, anunciou a demissão do
conselho directivo do IEFP, que era liderado por Jorge Gaspar e por
dois vogais. De caminho, fez também cessar as comissões de serviço
dos delegados e subdelegados regionais e de dois dirigentes dos
serviços centrais do instituto. Nesta brincadeira, mais de 80
dirigentes intermédios e regionais foram afastados. A justificação
foi a de sempre: “A necessidade de imprimir uma nova orientação
estratégica aos serviços.”
Tanto o Governo
imprime que mais parece uma máquina fotocopiadora. Em meados de
Abril, também para “imprimir uma nova orientação à gestão dos
serviços”, Mafalda Lopes dos Santos acabou por ser afastada do
INA. Em Março, o Governo decidiu igualmente exonerar a equipa de
gestão do Programa de Desenvolvimento Rural 2020, responsável por
gerir os fundos comunitários na área da agricultura e, mais tarde,
também correu com o responsável do Compete. O caricato, no caso do
Compete, é que Vinhas da Silva soube do seu afastamento pelos
jornais e recusou abandonar o cargo. Chegámos ao ponto decadente e
degradante de durante uns dias terem coabitado nos escritórios do
Compete dois presidentes, cada um no seu gabinete.
Isto não é a
administração pública. Isto é a decadência pública. A Cresap
foi criada pelo Governo anterior e tinha um propósito nobre de
despartidarizar a máquina do Estado, criando concurso público para
evitar que o Estado fosse inundado pelos boys dos partidos. Todos são
livres de concorrer e a Cresap analisa os currículos, faz
entrevistas e escolhe três candidatos para uma shortlist em função
do mérito. Cabe à tutela escolher um de entre os três. O que
acabava por acontecer é que a possibilidade de escolher um em três
não tirava completamente da equação o perigo de continuar a haver
escolhas em função da cor partidária. No ano passado, ainda com o
anterior Governo de coligação de direita, houve 14 concursos para
directores regionais da Segurança Social, e dos escolhidos 11 tinham
ligações ao PSD e os restantes três ao CDS. É obra.
E não foi só isso
que desvirtuou a Cresap e a transformou numa fantochada. A direita
usou e abusou dos regimes de substituição (que permitia aos
escolhidos ganhar experiência para depois participarem nos concursos
oficiais), banalizou os chamados "vetos de gaveta" (quando
nenhum dos três escolhidos pela Cresap agradavam ou convinham) e não
poucas vezes fez concursos à medida com exigências e especificações
que à partida sabia que só seriam cumpridas por aqueles que eles
queriam que lá fossem parar.
Na altura, na
oposição, os socialistas chegaram a fazer uma proposta no
Parlamento para mudar as regras de forma a obrigar os governos a
escolher o candidato indicado pela Cresap com a melhor nota,
eliminando a possibilidade de escolha de um entre os três candidatos
mais bem classificados. O melhor ganhava. Nesse caso, o cartão de
militante deixaria de servir como factor de desempate. O PS defendia
que só assim é que se evitaria que os concursos da Cresap se
transformassem “num modelo de nomeação política, dissimulado de
concurso público”.
Assim que chegaram
ao Governo, o que fizeram? Esqueceram-se da proposta que fizeram
quando estavam na oposição — porque agora é a vez de eles
dissimularem — e fizeram uma outra mais pífia de reduzir de três
para dois o número de candidatos seleccionados pela Cresap para
escolha do ministro. Correram com muitos dos dirigentes que tinham
sido escolhidos pelo anterior Governo para mandatos de cinco anos.
Substituíram dirigentes e chefias de topo, do Inatel à Santa Casa
da Misericórdia. Colocaram centenas de chefes com ligações ao PS
em regime de substituição. Anularam concursos que estavam em curso
e que não convinham, como o do Instituto de Informática.
Isto não é
escolher dirigentes com base no mérito como manda a lei. Isto é
transformar a administração pública numa agência de emprego para
amigos, conhecidos, companheiros de partidos e outros que tais.
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