Cinema
Ódeon tem luz verde do Estado para ser convertido em centro
comercial
POR O CORVO • 30
MAIO, 2016
Uma espera de anos
e um esforço de mobilização que redundaram numa desilusão.
Afinal, quase todo o interior do antigo cinema Ódeon, junto aos
Restauradores, deverá mesmo ser demolido para dar lugar a um
empreendimento imobiliário, que terá como elemento central um
centro comercial. Estará assim aberta a porta para a destruição do
tecto em madeira tropical, considerado único no país, desta sala
inaugurada em 1927.
A Direcção Geral
do Património Cultural (DGPC) acha que o essencial é manter a
fachada do edifício e que, lá dentro, “dado o avançado estado de
degradação”, já não será possível preservar mais que o
frontão da boca de cena. Por isso, dá luz verde para que se avance
para a reconstrução do imóvel, que já não será assim
classificado como imóvel de interesse público, como havia sido
avaliado entre 2004 e 2009.
A informação foi
divulgada, este fim-de-semana, pelo blogue do grupo cívico Movimento
Fórum Cidadania Lisboa, que publicou a resposta do Ministério da
Cultura ao seu apelo, feito a 22 de Abril, para que desencadeasse “os
procedimentos urgentes de resgate” da histórica sala de
espectáculos, “invertendo, assim, o rastro de indiferença e de
ignorância”.
Algo que não terá
surtido efeito. “Face à impossibilidade de manutenção do
interior do edifício, dado o seu avançado estado de degradação,
consideramos que o resgatar para a cidade de pelo menos a sua imagem
exterior e de alguma memória interior é já uma mais-valia a
considerar”, considerou a DGPC, segundo a informação transmitida
pela chefe de gabinete do ministro da Cultura.
Na mesma informação
escrita, reproduzida pelo blogue do Cidadania Lisboa, é explicado
que, a 13 de Abril passado, havia dado entrada nos serviços da DGPC
um novo Pedido Informação Prévia (PIP) – instrumento apresentado
pelos promotores imobiliários sempre que desejam avançar com um
novo projecto – para o antigo Ódeon, por o anterior, de 2010, ter
entretanto caducado. O que significa que existe, de facto, vontade
dos proprietários em prosseguir com o empreendimento.
Após analisarem o
PIP, os técnicos da direcção-geral emitiram novo despacho de
aprovação do projecto imobiliário, condicionado “à preservação
das caixilharias/carpintarias dos vãos exteriores do piso térreo
nos dois arruamentos (que poderão ser integradas juntamente com as
novas caixilharias propostas)”, “à implementação de uma
solução com menor expressão nas divisórias entre frações nas
varandas existentes nos pisos 1 e 2”, bem como “à execução da
caixilharia das novas trapeiras em ferro ou madeira”.
Esta decisão, que a
DGPC já terá transmitido aos serviços de urbanismo da Câmara
Municipal de Lisboa, é fundamentada pelos “antecedentes”
processuais – concretamente a “aprovação condicionada, em 27 de
Julho de 2010, de uma proposta de alteração do uso, de sala de
espetáculos para uma utilização mista com ampliação” -, mas
sobretudo devido “ao profundo estado de degradação do imóvel”.
Além disso, os
responsáveis baseiam ainda a sua decisão no facto de considerarem
que estará “garantida a salvaguarda das principais características
do edifício, nomeadamente a leitura urbana da imagem do antigo
cineteatro” e “no interior, a preservação do frontão da boca
de cena (incluindo os seus elementos decorativos e o arranque dos
balcões)”. Para os serviços da DGPC, é satisfatório que, no
exterior, sejam mantidos não apenas a volumetria como os elementos
arquitetónicos e decorativos (corpo de varandas, cantarias,
caixilharias e vitrais).
Desta forma,
reconhece-se a quase inevitabilidade de transformar em centro
comercial – com parque de estacionamento subterrâneo – um
edifício histórico, inaugurado em 1927 e cujo processo de
classificação como imóvel de interesse público chegou a ser
aberto, em 2004, pelo antigo Instituto Português do Património
Arquitectónico (IPPAR), mas foi arquivado cinco anos depois, pela
entidade que lhe sucedeu, o Instituto de Gestão do Património
Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR).
O cinema Ódeon
encerrou em meados da década de 90, quando já funcionava apenas
como sala de projecção de filmes pornográficos. O primeiro PIP foi
aprovado pela Câmara de Lisboa em 2011. Em 2014, chegou a ser
discutida, na Assembleia da República, embora sem qualquer conclusão
tangível, uma petição solicitando ao Estado Português a
preservação desta sala, onde foram estreados em Portugal filmes,
hoje considerados clássicos absolutos, de nomes como Erich von
Stroeheim, Fritz Lang, Tod Browning, Serguei Eisenstein, George Cukor
ou Frank Capra.
Texto: Samuel
Alemão
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