OPINIÃO
Relação
de Lisboa ressuscita delito de opinião
FRANCISCO TEIXEIRA
DA MOTA 20/05/2016 - 00:10
Manuel
Alegre não é um traidor à Pátria.
Se até ao passado
dia 12 de Maio, estivesse com um grupo de amigos em que um deles
defendia que o Salazar foi um assassino e o culpado de todo o nosso
atraso, e um outro o considerasse como o salvador da Pátria e o
obreiro da pacificação da família portuguesa após a hecatombe que
foi a 1.ª República, e quisesse saber quem tinha razão, não tinha
forma de o fazer.
Mas a partir desse
dia, véspera do 13 de Maio, a solução para o seu problema está
muito facilitada. Agora já se sabe a que porta se há-de bater para
acabar com tais dúvidas, sempre incómodas: dirija-se ao Tribunal da
Relação de Lisboa, ou melhor, aos juízes desembargadores Antero
Luís e João Abrunhosa.
Nesse fatídico –
ou luminoso – dia, os referidos juízes desembargadores produziram
um notável – ou sinistro – acórdão em que condenaram o
tenente-coronel piloto-aviador João José Brandão Ferreira numa
pena de multa de €1.800 acrescida de uma indemnização de € 25
000 a pagar a Manuel Alegre por aquele ter escrito num blogue que o
militante socialista era um traidor à Pátria, referindo diversos
factos que fundamentavam a sua opinião. Para este militar saudosista
do antigo regime – um fascista para muitos e um português de gema
para outros – o que estava em causa era a actuação do cidadão
Manuel Alegre como membro da Frente Patriótica da Libertação
Nacional aos microfones da “Rádio Voz da Liberdade” em Argel. Aí
teria dado apoio aos movimentos/partidos políticos que combatiam a
presença portuguesa no nosso Ultramar ou nas terras deles, de armas
na mão, acolhendo e dando a voz a membros destacados desses
movimentos/partidos, incitando à deserção das tropas portuguesas e
ao não cumprimento do dever militar, regozijando-se com
eventuais/pretensos sucessos do inimigo, difundindo notícias
mentirosas, tentando abalar o moral dos combatentes portugueses e
apoiando atos de sabotagem contra o esforço de guerra português.
Tudo factos que no
essencial, para um cidadão comum, pareceriam ser absolutamente
razoáveis e lógicos para caracterizar o trabalho de Manuel
Alegre/Rádio Voz de Argel. Ou será que Manuel Alegre era contra a
guerra colonial e, ao mesmo tempo, desejava e se regozijava que as
tropas portuguesas tivessem os maiores êxitos? Ou desejava e
regozijava-se com as derrotas dos guerrilheiros/terroristas do MPLA
ou do PAIGC? Ou será que Manuel Alegre alguma vez condenou as bombas
colocadas pelas Brigadas Revolucionárias de Isabel do Carmo e Carlos
Antunes na sua actividade de sabotagem de retaguarda contra
objectivos militares portugueses, para favorecer a luta dos
movimentos de libertação das colónias?
Isabel do Carmo, por
exemplo, numa entrevista ao jornal i de 17 de Setembro de 2013, à
pergunta: Sente-se injustiçada no rótulo de bombista?, respondeu
naturalmente: A história de eu ser bombista veio sempre da direita
ou da extrema-direita. Não me afecta nada.
Mas, Manuel Alegre,
na altura em que foram publicados os textos em causa no blogue do
tenente-coronel Brandão Ferreira – de direita ou extrema-direita
–, era candidato à Presidência da República e, assim, sentiu-se
profundamente ofendido e desconsiderado e queixou-se criminalmente
contra o militar.
Realizado o
julgamento, em que foram ouvidas testemunhas de esquerda e de
direita, cada uma defendendo a sua dama, o tribunal de 1.ª
instância, absolveu – e bem – Brandão Ferreira por considerar
que se estava no domínio da liberdade de opinião e que as acusações
de traição à Pátria que fizera, resultavam do seu convencimento
que a intervenção de Manuel Alegre quando em Argel, enquanto membro
da Frente Patriótica de Libertação Nacional e ao microfone da
Rádio de Argel e na do programa “Voz da Liberdade”, alinhava
numa guerra psicológica contra Portugal, os interesses portugueses,
as populações portuguesas das ex-colónias e as tropas portuguesas
que nas mesmas se encontravam a combater.
Recorreu Manuel
Alegre e encontrou na Relação de Lisboa quem considerasse que o
tenente-coronel Brandão Ferreira não poderia ter tal convencimento
se se tivesse informado e, pura e simplesmente, apagaram essa
convicção do processo. Parece que, afinal, Brandão Ferreira, tinha
de ter uma visão de esquerda da história de Portugal e Manuel
Alegre, afinal, era de direita!
E os mencionados
desembargadores, lamentavelmente, dando um enorme valor à pretensa
honra do socialista e desprezando a liberdade de expressão do
reaccionário, condenaram o militar, já que imputar a uma figura
pública, candidato a Presidente da República, o crime de traição
à Pátria é ofensivo da honra e consideração do visado, atingindo
a sua dignidade pessoal e o núcleo essencial das suas qualidades
morais e éticas.
Mas, para além do
absurdo da decisão e da fundamentação, o mais espantoso deste
processo é o facto de nele constar, 15 meses antes, uma outra
decisão do mesmo Tribunal da Relação mas da autoria de outros dois
juízes desembargadores, confirmando a absolvição do Tenente
Coronel Brandão Ferreira decretada pela 1.ª instância. Difícil de
perceber? Muito.
Tribunal
da Relação condena ex-militar que acusou Manuel Alegre de traição
à pátria
20/5/2016,
OBSERVADOR
João Pedro Pincha
Absolvido em
primeira instância, Brandão Ferreira terá de ressarcir o histórico
socialista pelas críticas que lhe teceu em vários artigos. Decisão
suscita críticas por limitar a liberdade de opinião.
O Tribunal da
Relação de Lisboa condenou o ex-tenente-coronel João José Brandão
Ferreira a pagar 25 mil euros de indemnização a Manuel Alegre por
ter acusado o socialista de traição à pátria. Esta decisão é
contrária à que o tribunal de primeira instância tinha tomado,
apesar de este já assumir que Brandão Ferreira tinha “plena
consciência do caráter ofensivo” do que escreveu num blogue e em
artigos de opinião num jornal.
Entre 2010 e 2011,
Brandão Ferreira escreveu diversos artigos muito críticos de Manuel
Alegre, então candidato à Presidência da República, n’O Diabo e
no blogue O Novo Adamastor. Entre outras coisas, o ex-militar acusava
Alegre de incitar “à deserção das tropas portuguesas e ao não
cumprimento do dever militar” durante a Guerra Colonial, de apoiar
e promover “atos de sabotagem contra o esforço de guerra
português” e de, em suma, ter cometido atos de traição à
pátria. “O cidadão MA [Manuel Alegre] quando foi para Argel não
se limitou a combater o regime, consubstanciado nos órgãos do
Estado, mas a ajudar objetivamente as forças políticas que nos
emboscavam as tropas”, escreveu Brandão Ferreira no blogue
pessoal.
No jornal O Diabo, o
militar defendeu ainda que o avô de Alegre fora um “guitarrista e
charanguista da boémia coimbrã” e um “membro da choça
carbonária da sua terra natal”.
Para os dois juízes
desembargadores que assinam este acórdão da Relação, “imputar a
uma figura pública, candidato a Presidente da República, o crime de
traição à pátria é ofensivo da honra e consideração”, pelo
que condenaram Brandão Ferreira a pagar 25 mil euros de indemnização
a Manuel Alegre e outros 1.800 de multa.
Em primeira
instância, a juíza considerou que Brandão Ferreira se limitara a
exprimir uma opinião pessoal e que, portanto, estava protegido pelo
direito constitucional da liberdade de expressão. A mesma
interpretação tem o advogado Francisco Teixeira da Mota, que esta
sexta-feira assina um artigo de opinião no Público no qual acusa o
Tribunal da Relação de Lisboa de ressuscitar o “delito de
opinião”. “Os mencionados desembargadores, lamentavelmente,
dando um enorme valor à pretensa honra do socialista e desprezando a
liberdade de expressão do reacionário, condenaram o militar”,
escreve Teixeira da Mota.
“O direito à
honra e o direito à liberdade de expressão têm igual dignidade
constitucional, não podendo, por isso, o direito à liberdade de
expressão “esmagar” ou anular tout court o direito à honra e
reputação”, argumentam os juízes da Relação. Ao Público, o
advogado de Brandão Ferreira anunciou a intenção de recorrer desta
decisão para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
2 comentários:
Este País está entregue a uma "linda" escumalha!
Também já abordei o assunto aqui:
http://historiamaximus.blogspot.pt/2016/05/sera-manuel-alegre-realmente-um.html
História recente de Portugal é coisa ignorada. Há quem confunda a n/ Guerra Colonial com a do Vietnam. Porquê? Vergonha?
Li a defesa do advogado na 1ª Instância e estou plenamente de acordo. Sou da geração duma Guerra que poderia ter sido evitada, tivessem os políticos sabido tratar das coisas.
Sou militar. As FA's deviam servir apenas para dar espaço de manobra aos políticos.
O Manuel Alegre não teve tomates para estar contra dentro de Portugal. Isso é pessoal. Mas o papel que desempenhou em Argel é repugnante. Às suas ideias (que é livre de as ter) sacrificou vidas de militares portugueses em África. Nenhum dos que combateram nessa época podem chamar ao M. Alegre "compatriota". E o mesmo M.Alegre não pode negar a história: se é homem, se tem a tal dignidade que reclama, tem que assumir os seus actos.
Não se trata de quem disse o quê. Mas da verdade histórica. Não podemos andar ao sabor da maré e termos pesos e medidas diferentes conforme os casos.
Há muitas maneiras de se estar contra, sem pôr em risco a vida de compatriotas.
O caso não se prendeu nunca com a Presidência da República, mas com os antecedentes, no mínimo mt duvidosos, do potencial Comandante Supremo das Forças Armadas. Qualquer militar, ao saber desse passado, não confiaria num comandante com esse perfil.
Nota: estou a usar o computador duma amiga.
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