COMENTÁRIO
Até
ao próximo susto
TERESA DE SOUSA
23/05/2016 / PÚBLICO
1.Se o candidato da
extrema-direita tivesse vencido as eleições presidenciais na
Áustria, as capitais europeias e as instituições da União não
saberiam o que fazer. Com a vitória do seu adversário Verde, mesmo
que por uma unha negra, vão limitar-se a respirar de alívio e
esquecer o que aconteceu até ao próximo susto. As razões do avanço
da extrema-direita são por demais conhecidas e o seu caminho em
direcção ao poder não é exclusivo da Áustria. Na Finlândia, na
Holanda ou na Dinamarca, forças populistas com idêntico programa já
integraram ou apoiaram governos. Partidos da mesma natureza vão
somando sucessos em muitos países europeus. As bandeiras são as
mesmas: contra os imigrantes e os refugiados, e ainda mais se forem
muçulmanos; contra a integração europeia; contra a globalização.
A sua evolução também tem aspectos comuns. Tentam deixar para trás
velhos líderes ainda demasiado conotados com o nacionalismo
agressivo da primeira metade do seculo XX, substituindo-os caras mais
jovens e mais simpáticas, que mais facilmente lhes permitem integrar
o sistema político, como qualquer outro partido. Hofer preenche os
requisitos, embora a leitura do programa do partido que ele próprio
escreveu em 2011 faça tocar todas as campainhas, quando defende “um
povo alemão, na mesma comunidade de cultura”.
2.Não vale a pena
fixarmo-nos apenas na sua pequeníssima derrota, porque ela não
consegue encobrir um problema mais grave, comum a muitos países
europeus: o enfraquecimento crescente (ou a implosão) dos partidos
democráticos de centro-direita e de centro-esquerda. Hofer perdeu
por décimas. Os dois partidos da “grande coligação” que
governa em Viena, os sociais-democratas e os conservadores, viram os
seus candidatos reduzidos à expressão mais simples, com cerca de
11% cada um na primeira volta. Haverá eleições legislativas o mais
tardar em 2018. Se fossem hoje, seriam ganhas pelo partido de Hofer,
o que seria apenas uma meia surpresa. No passado recente, os dois
partidos do sistema não hesitaram em aceitar o apoio da
extrema-direita no governo ou no Parlamento. Acresce que ambos
carregam uma longa história muito pouco edificante, desde que
governam a Áustria a partir da II Guerra, garantindo a partilha
equitativa de empregos públicos entre os seus militantes. A Guerra
Fria permitiu muita coisa em nome da ameaça soviética. A Áustria
vivia numa neutralidade forçada, imposta pelos equilíbrios de poder
negociados depois da derrota de Hitler. Apenas aderiu à União
Europeia, com a Suécia e a Finlândia, em 1995. Foi e é, com crise
ou sem crise, um país próspero. Hoje, mais talvez do que a
incerteza económica, os eleitores estão fartos não apenas dos
imigrantes e refugiados, mas de uma elite que não dá atenção aos
seus problemas, que se perpetua no poder e que defende uma Europa na
qual já não acreditam.
3. Viena já tem
também uma história em matéria da compatibilidade das suas
escolhas políticas com a União Europeia. Foi durante a presidência
portuguesa da União, em 2000, que pela primeira vez os quinze
líderes europeus se confrontaram com a entrada do mesmo partido de
Hofer, nessa altura liderado por Joerg Haider, num governo liderado
pelo partido conservador. Foi um choque inesperado que levou o
Conselho Europeu a decretar sanções diplomáticas contra Viena,
muito por pressão da França, sujeitando a Áustria a uma espécie
de quarentena. O castigo não durou muito nem tive grande resultado.
Nessa altura, já tinha havido o caso sombrio de Kurt Waldheim, que
chegou a ser secretário-geral da ONU e que foi eleito Presidente
pelos austríacos em 1985, quando o seu passado militar ao lado do
exército nazi começava a ser revelado. Durante o seu mandato, não
conseguiu visitar uma única capital europeia, onde a sua presença
não era naturalmente bem-vinda.
4.Hoje, a força do
partido de Norbert Hofer é mais um sinal vermelho, mesmo que muito
carregado, dos riscos que as democracias europeias estão a correr,
ao ignorarem as consequências políticas da forma como estão a
gerir as múltiplas crises que a Europa atravessa. Curiosamente,
Viena foi um dos países que melhor reagiu à onda de refugiados que
passaram as suas fronteiras, para ficar ou para seguir para a
Alemanha. É um dos países que mais concessões de asilo já deu e
está disposta a dar. O problema, dizem alguns analistas austríacos,
não apenas a rejeição dessas políticas, mas também o facto de o
Governo, com a aproximação das eleições, ter mudado radicalmente
de posição, erguendo fronteiras e endurecendo a lei do asilo, para
torná-la menos apelativa. O resultado está à vista. A única
diferença é que, desta vez, não haveria sanções, mas penas
alguma gesticulação de Bruxelas. A Hungria de Órban já provou que
é grande a tolerância europeia quanto aos seus princípios
fundadores. Alguém acredita que a Europa pode sobreviver à doença
do nacionalismo?
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