“Os
actuais centros urbanos, onde antes pululava vida e a população
idosa partilhava o espaço com os seus descendentes, são actualmente
locais descaracterizados, apenas com vida diurna. O turismo, os
hotéis e pensões preparadas para receber os turistas trazem
dinamismo, gente jovem, mas que vão e vêm. A população residente,
com idade avançada e sem os vizinhos que entretanto desapareceram,
sentem-se alcantilados, esmorecidos e sem capacidade de resistir. O
ambiente é outro, foi veloz a aparecer, não lhes deu tempo a
adaptar e não puderam ou não quiseram sair. É a metáfora das
invasoras.”
MARIA
AMÉLIA MARTINS-LOUÇÃO
A
metáfora das invasoras
MARIA AMÉLIA
MARTINS-LOUÇÃO 21/05/2016 - PÚBLICO
O
desaparecimento da identidade dos bairros pode ser tanto ou mais
grave como a alteração dos ecossistemas.
Os dias 21 e 22 Maio
foram escolhidos para celebrar a diversidade. A diversidade cultural
para o diálogo e desenvolvimento, proposto pela UNESCO e a
diversidade biológica proposto pelas Nações Unidas,
respectivamente. Embora diferentes, ambos possuem os mesmos
objectivos: conhecer melhor as diferenças e preservá-las,
cimentando as condições para a sua manutenção. Tanto do ponto de
vista antropológico como biológico uma das grandes ameaças à
estabilidade desta diversidade é o aparecimento de neófitos que
tenham a capacidade de se afirmar e dominar. Sempre que surge algo
original, diferente, belo e inovador na sua abordagem, encontra
rapidamente terreno fértil para se instalar na sociedade.
Em biologia, este é
o paradigma das plantas invasoras. Possuem vantagens morfológicas e
funcionais, estratégias inovadoras de reprodução, plasticidade do
ciclo de vida e maior capacidade de resistir a situações de stress,
que resultam da sua elevada plasticidade genética. No actual
contexto do Mediterrâneo, descrito e reconhecido como área de
elevada riqueza em diversidade de espécies, a introdução de
invasoras representa um dos factores mais relevantes de perturbação
e alteração dos serviços do ecossistema. E o problema é que elas
surgem porque o homem as importa, ou importou. Foram sobretudo
introduzidas para fins ornamentais ou de exploração do ponto de
vista económico ou para solucionar (que ilusão!?) problemas
ambientais. Depois da revisão da Convenção para a Diversidade
Biológica em 2011, o Parlamento Europeu reconheceu, em 2012, a
necessidade de se tomarem medidas mais incisivas para impedir a
contínua perda de biodiversidade. Para isso convidou os estados
membros a instituir uma política comum relativa à prevenção,
monitorização, erradicação e gestão destas espécies, bem como
aos sistemas de alerta precoce neste domínio. Estas medidas
salientam a necessidade de estratégias ambiciosas e inventários
actualizados. Neste ponto de vista, Portugal pode orgulhar-se de
possuir um trabalho pioneiro de mais de uma década, iniciado e
desenvolvido pelo grupo do Centro de Ecologia Funcional da
Universidade de Coimbra em parceria com a Escola Superior Agrária da
mesma cidade. Para além da actividade científica, têm vindo a
desenvolver um trabalho de divulgação, de educação ambiental de
abrangência nacional. Mas a erradicação e a sua gestão está
muito aquém do que poderia ser recomendado e desejado.
Paralelamente, o
Parlamento Europeu realçou a conservação da biodiversidade como
desafio colectivo instando ao compromisso de, pelo menos 40%, todos
os habitats e espécies se encontrarem num estado de conservação
favorável, até 2020. Com a profusão de invasoras aliada a uma
profunda descaracterização da paisagem, Portugal terá dificuldade
em cumprir estas metas. A este desafio está ainda aliada a
necessidade de, até 2020, 75% da flora nativa estar efectivamente
conservada em bancos de sementes. Esta meta foi igualmente
estabelecida nos acordos internacionais e aprovada em 2011, ao abrigo
da ratificação da Convenção para a Diversidade Biológica. O
Banco de Sementes da Universidade de Lisboa, sediado no Museu
Nacional de História Natural e da Ciência, deu, até 2014, uma
contribuição significativa para o cumprimento desta meta. Até essa
altura, 57% das espécies protegidas pela Directiva Habitats do
continente, foram preparadas para uma conservação de longo prazo.
Mas este investimento parou. Os recursos humanos, preparados e
formados ao longo de quase uma década, foram dispensados. E, apesar
da colecção se manter guardada, não tem aumentado, o que deixa
novamente Portugal numa situação delicada, pela ameaça do
incumprimento das metas europeias determinadas pela estratégia
global de conservação de plantas. Estas são espécies ameaçadas,
restritas a algumas regiões, mas com características genéticas que
podem vir a ser usadas em prol do desenvolvimento de novos fármacos,
novas cultivares. Encontram-se por vezes em locais inacessíveis,
algumas nem vistosas são e, perante o paradigma actual, são
geralmente tratadas como insignificantes e irrelevantes, porque não
servem interesses imediatos.
Os actuais centros
urbanos, onde antes pululava vida e a população idosa partilhava o
espaço com os seus descendentes, são actualmente locais
descaracterizados, apenas com vida diurna. O turismo, os hotéis e
pensões preparadas para receber os turistas trazem dinamismo, gente
jovem, mas que vão e vêm. A população residente, com idade
avançada e sem os vizinhos que entretanto desapareceram, sentem-se
alcantilados, esmorecidos e sem capacidade de resistir. O ambiente é
outro, foi veloz a aparecer, não lhes deu tempo a adaptar e não
puderam ou não quiseram sair. É a metáfora das invasoras.
Seria, porém,
injusto não referenciar programas específicos que têm estado a
desenvolver-se para entrosar as diferentes comunidades e as
iniciativas à volta deste dia para aprofundar a compreensão sobre
os valores da diversidade cultural. Mas, para além deste esforço, é
necessário integrar a história, a cultura e as tradições locais,
para salvaguardar a identidade original. O desaparecimento da
identidade dos bairros pode ser tanto ou mais grave como a alteração
dos ecossistemas.
Bióloga, Professora
Catedrática da Universidade de Lisboa
Sem comentários:
Enviar um comentário