Nova
mesquita de Lisboa desaloja moradores e comerciantes
O
proprietário dos imóveis garante que irá resistir e critica a
posição da Câmara de Lisboa
António
Barroso recuperou os prédios que agora irão ser demolidos, tendo
cumprido uma série de recomendações para manter a traça dos
edifícios
Liliana
Borges / 18-5-2016 / PÚBLICO
Com 63 anos, António
Barroso e a sua esposa vêem-se pela segunda vez obrigados a mudar de
casa. Depois de o prédio onde habitavam na Rua Heróis do Quionga
ter sido classificado como estando em risco por falta de condições
de segurança, há sete anos adquiriram dois edifícios,
recuperaram-nos e agora estes irão passar para as mãos da Câmara
de Lisboa, no próximo dia 23, para serem demolidos e dar lugar a uma
nova mesquita em Lisboa. Consternado, António não se conforma e
avança para os tribunais.
O plano da Praça da
Mouraria que prevê a construção de uma nova mesquita em Lisboa
implica a demolição de dois edifícios. O projecto justifica a
necessidade de uma nova mesquita argumentando que ä única existente
na zona da Mouraria está instalada num prédio destinado à
habitação, no Beco de São Marçal, “com condições muito
reduzidas face às necessidades”. No entanto, o proprietário
contraria esta informação. “Existem duas mesquitas: uma no Beco
de São Marçal, que não é num prédio de habitação como a câmara
afirma. Trata-se de um edifício único, próprio para a mesquita.
Além disso, existe outra na Rua do Terreirinho, no número 86, essa
sim, num prédio onde moram pessoas.”
“Nunca poderei
concordar com esta decisão”, sublinha o proprietário dos imóveis,
que assegura não ser contra a construção de uma nova mesquita. “O
que não compreendo é porque é que não avançam com as obras num
dos tantos prédios abandonados e vazios que a Câmara de Lisboa
tem”, lamenta.
Numa carta dirigida
à câmara municipal, António Barroso explica que “foi com um
enorme esforço físico e financeiro” que recuperaram os dois
edifícios. Ao PÚBLICO, adianta que quando avançou com a
recuperação dos imóveis, entre 2006 e 2009, foi obrigado a
respeitar uma série de restrições impostas pelo gabinete da
Mouraria. Conta que foi obrigado a proteger e a manter os azulejos do
século XVIII de um dos seus edifícios e que não pôde utilizar
alumínios e soalho flutuante para respeitar o plaCâmara toma posse
administrativa dos imóveis na segunda-feira no original do prédio,
“o que veio encarecer a recuperação”.
No total, o
proprietário estima ter feito um investimento superior a 350 mil
euros e não compreende como é que se decide demolir um edifício
com um património que deveria ser protegido. No projecto, a câmara
argumenta que os edifícios “não apresentam especial interesse
arquitectónico”, apesar de o proprietário contrapor ter sido
obrigado a respeitar os traços arquitectónicos originais e de “até
a cor das janelas ter sido escolhida pelo gabinete da Mouraria”.
António Barroso
garante que os cerca de 531,9 mil euros da indemnização que a CML
lhe oferece não chegarão para a compra de um andar na zona para
morar, além de que isso lhe fará perder não só os rendimentos que
aufere com as rendas dos dois espaços comerciais que arrenda como
dos três apartamentos que aluga a turistas. O dono dos imóveis
calculou o valor patrimonial dos prédios e dos rendimentos mensais
que aufere — que correspondem a cerca de seis mil euros — e somou
a estas parcelas a perda de negócio. O que o leva a exigir à câmara
cerca de dois milhões de euros. Maria Luísa, sua esposa, partilha
também a preocupação de quem “não tem forças para começar
novamente do zero”.
Mahomed Afzal
Valimade, de 58 anos, natural de Moçambique, é um dos inquilinos de
António Barroso. É no número 151A que o encontramos, atrás da
secretária de onde gere a sua agência de viagens. Começou a ouvir
falar das obras da nova mesquita naquela rua como um boato. A
confirmação final chegou nas últimas semanas. “Eu não concordo,
mas para contestar tenho de arranjar um perito não sei onde, um
avaliador”, um esforço que não consegue suportar, aponta. Mas o
seu silêncio não é sinónimo de tranquilidade, garante. Afzal
Valimade diz que nem tem dormido bem durante as últimas noites. Há
quatro décadas em Portugal, está “preocupado” com a falta de
alternativas ao espaço onde está, tentando procurar algo compatível
com a indemnização de 10,2 mil euros que a CML lhe propõe.
Por tudo isto,
António Barroso irá avançar com uma acção administrativa para
impugnar o acto de “declaração de utilidade pública de
expropriação com carácter de urgência” da autarquia junto do
Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, invocando o incumprimento
de “alguns requisitos legais”. Ao ser aceite a acção, tudo o
resto fica sem efeito, explica a advogada de António Barroso, Tânia
Mendes. Além disso, será também apresentada uma providência
cautelar, esclarece.
Se não resultar, o
próximo passo será procurar uma resposta junto dos tribunais
judiciais.
Contactada pelo
PÚBLICO, a Câmara de Lisboa escusou-se a comentar o caso, alegando
não ter sido ainda notificada das acções judiciais interpostas
pelo proprietário.
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