O
Jardim do Arco do Cego é o novo Bairro Alto dos estudantes
Vão
atrás da cerveja a 50 cêntimos, dos giros e das giras ou do
convívio ao fim da tarde. São mais universitários, mas há também
adolescentes. Câmara estuda redesenho da zona
22 DE MAIO DE 2016
02:05
Rute Coelho / DN
online
Cinco da tarde, a
clássica hora do chá em Inglaterra, é em Lisboa a hora da cerveja
no renovado Jardim do Arco do Cego. Com os dias já mais soalheiros,
os grupos juntam-se na relva às dezenas, uns de copo de plástico na
mão, outros a jogar raquetas ou apenas a ver se há giros ou giras
no horizonte. São estudantes universitários, na maioria, mas há
também, e cada vez mais, miúdos do secundário e até algumas
famílias com as crianças ou a passear os cães.
Na fronteira com
Avenida Duque de Ávila, o jardim, mesmo no centro da cidade e
inaugurado em 2005 num local onde antes era um terminal para
elétricos e depois para autocarros, mudou o bairro e deu-lhe outra
vida. Onde antes havia carros e filas, agora há passeios largos,
novos restaurantes, alguns de chef, cafés ou pastelarias. E
habitantes que aproveitam a via pedonal/ciclável que liga o Arco do
Cego a Monsanto.
A Câmara de Lisboa
está a estudar alterações ao Jardim do Arco do Cego - ou apenas o
Arco, como muitos já se referem ao local em contraponto com o
Bairro, de Bairro Alto -, nomeadamente o redesenho do espaço e até
a introdução de novos equipamentos, como sanitários públicos. "Um
dos aspetos que ficaram presentes desde o início era que teria de
ser redesenhado o espaço público, de forma a encontrar um espaço
de convívio onde quem frequenta durante o dia estes estabelecimentos
pudesse permanecer de forma menos conflituosa com os moradores",
afirmou à Lusa o vice-presidente da câmara, Duarte Cordeiro. A
convivência com os moradores não tem sido pacífica, as queixas
contra o lixo, o tráfico de droga, as garrafas partidas e o barulho
têm chegado à autarquia.
O Quiosque do Bairro
é um dos vários cafés em redor onde os jovens se vão abastecer de
cerveja a 50 cêntimos o copo. Tem esplanada até às 02.00. O
gerente Hugo Álvares conta como há um ano foi pedir o licenciamento
para um evento noturno e ouviu que "já havia 250 queixas de
moradores por tráfico de droga, lixo e etc., e que eu devia era
reduzir o horário para melhorar o ambiente". Garante que não
tem que ver com as horas mas com a ida para o local de grupos mais
duvidosos que só a polícia poderia controlar. Miúdos adolescentes
a enrolar cigarros de haxixe e a falar alto. Parecem saídos de um
videoclip de uma banda de rap americano: as miúdas de calções
curtos e os rapazes com óculos escuros e os bonés do avesso na
cabeça. "Eu vendo a cerveja a 50 cêntimos ao balcão e a 75 na
esplanada. Mas a partir das 21.00 já aumento para um euro e 1,75
euros", conta Nuno que organiza festas ou eventos com música
que fazem do espaço "um novo Bairro Alto".
Para ser perfeito só
falta música
Há de tudo nesta
espécie de novo Bairro. Há até quem nem estude em Lisboa mas venha
de propósito ter com as amigas ao Jardim do Arco do Cego. Assim
acontece com Vanessa, 22 anos, e Mariana, 23, estudantes de
Fisioterapia em Alcoitão e de Engenharia Geológica na Faculdade de
Ciências e Tecnologia da Costa de Caparica (Almada). Encontrámo-las
sentadas na relva, de copos de plástico na mão e bolachas de arroz
integral à vista.
Muito urbanas, com
as duas amigas de nome Margarida, uma de 22 e outra de 23 anos,
universitárias de Lisboa, uma do ISEL e outra do Instituto Superior
Técnico (vizinho do jardim), futuras engenheiras de eletrotecnia.
"Gosto muito de vir para aqui, ao pé da FCT na Costa não se
passa nada", diz Mariana, entre risos. "Temos bom ambiente
e cerveja barata. Para estar perfeito só falta uma musiquinha",
acrescenta Vanessa. Sobre as queixas que os moradores da zona têm
feito, do lixo acumulado, das ganzas , das garrafas partidas e do
barulho, concordam apenas com um aspeto: "A acumulação do lixo
é um problema." "Ah! E falta um WC público."
Vestido com o traje
universitário completo, Francisco Garcês, estudante do 2.º ano de
Gestão de Marketing no ISCTE, joga raquetas com um amigo no coração
do jardim enquanto equilibra, na outra mão, um copo de cerveja.
Lisboeta, Francisco
mora em Alvalade, estudou nas escolas da zona e há anos que
frequenta o jardim com "os pais e os tios". Notou mudanças
no espaço. "Vem pessoal bastante mais jovem, até com 14 e 15
anos." Para Francisco "o problema maior é o lixo que se
acumula". Nunca notou que o consumo de drogas fosse muito
evidente. Para ele e muitos outros é apenas um lugar para
descontrair.
Cerveja
barata e charro de graça
22 DE MAIO DE 2016
00:01
João Céu e Silva /
DNonline
Bom dia. No meu
bairro, o Arco do Cego, acontece de tudo. É como se Lisboa coubesse
por inteira naquele pequeno bairro da capital. Até tínhamos uma
estação de elétricos, das que se conhecem noutras grandes cidades
europeias, com muros de tijolo que não deixavam ver exatamente o que
se passava lá dentro e criavam curiosidade em todos os moradores que
viviam à volta. Depois, quando os elétricos deixaram de andar pelos
trilhos metálicos, aproveitaram o espaço - meia dúzia de campos de
futebol - para fazer um terminal rodoviário. Era ver as centenas de
autocarros que chegavam de todo o país e ali desembarcavam milhares
de passageiros! Para os mais inspirados, a estação do Arco do Cego
dava para escrever um romance. O Joaquim que vinha do Porto para um
novo emprego, a Fernanda que deixava Santarém, o Zé e a Guida que
vinham estudar...
Bem, isto é
história. Acharam que havia muitos autocarros a parar por ali e
deitou-se abaixo toda uma arquitetura industrial que os franceses
pagariam a preço de ouro para ter em algum lugar de Paris. Sobrou um
telheiro que é "parque provisório" há uma década e
fez-se um jardim sem graça, onde os donos dos cães do bairro vão
passear os seus animais, que dizem irá ser um espaço científico
para o Técnico. Ora o tempo foi passando e a única coisa que o
bairro ganhou foi uma obra de arte com atores humanos. Assim como uma
performance dos anos 1980 em tempo real. Em que as centenas de
estudantes do Técnico se reúnem logo ao início da tarde a fazer
gazeta para conviver, obrigando quem passa a caminhar na rua porque
os passeios estão bloqueados. Também é um bom palco para assistir
à parvoíce das praxes, mas isso não é o pior. Antes o hábito dos
futuros engenheiros a urinar nos tijolos que restam depois de
comprarem as jolas em promoção. A única vantagem para os moradores
é poupar nos charros. Basta escolher um spot e inspirar.
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