sexta-feira, 13 de maio de 2016

A Manhattan flutuante / ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO



OPINIÃO
A Manhattan flutuante
ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO 03/03/2016 - PÚBLICO

Vamos ter garantida, mesmo em frente a Alfama, a dominadora e esmagadora omnipresença de uma verdadeira Manhattan.

Há alguns anos atrás, a possível construção da Manhattan de Cacilhas, preocupava aqueles que se indignavam com a possibilidade de ver crescer na Margem Sul, mesmo em frente ao Centro Histórico, uma selva de torres que iriam dominar e esmagar o horizonte de Lisboa.

No entanto, com o completar em breve do Terminal de Cruzeiros vamos ter garantida, mesmo em frente a Alfama, a dominadora e esmagadora omnipresença de uma verdadeira Manhattan, constituída por colossos flutuantes em volume e altura, com uma capacidade gigantesca e renovada de despejar avalanches de turistas, confirmadoras da transformação de Lisboa numa Monocultura e da sua redução a uma Monofuncionalidade.

Veneza tornou-se no exemplo extremo de como uma Turistificação maciça pode destruir toda a autenticidade e identidade de uma cidade.

Assim, a população residente de Veneza foi reduzida a 59.000 habitantes. No entanto, recebe num dia de Verão 130.000 turistas. Veneza recebe anualmente entre 14 a 15 milhões de habitantes.

Todo o edificado do centro histórico foi transformado em residência secundária de aposentados milionários ou está ao serviço da residência turística, seja em hotéis ou residência temporárias.

É quase impossível de encontrar uma loja de comércio local.

Veneza luta há anos contra os navios de cruzeiros de alta tonelagem, e, depois de uma breve vitória em Novembro de 2014, onde parecia que os mesmos iriam ser banidos do Centro, com o desenvolvimento de um porto alternativo, a nomeação de um novo presidente da Câmara anulou esta aparente vitória.

Enquanto Fernando Medina afirma que o centro histórico está a ser recuperado e Manuel Salgado se declara impotente, depois de ter entregue a cidade aos especuladores, todos os dias recebemos notícias confirmadoras de que o mesmo processo se está a desenrolar em Lisboa.

A sede do Diário de Notícias, a da antiga Rádio Renascença, o edifício do Brás e Brás, o Palácio Costa Cabral, etc., etc., numa interminável lista crescente.

Vem agora a CML declarar oficialmente a intenção de implementar o seu programa de Lojas com História acrescentando ao seu conselho consultivo, um grupo de trabalho a fim de analisar, com rigor, caso a caso, os processos.

Ora atenção a esta formulação: O grupo de trabalho será chamado a emitir um “parecer prévio não vinculativo” quando estiverem previstas “operações urbanísticas que tenham impacto directo sobre as lojas distinguidas”. Um parecer, portanto, Não Vinculativo.

Isto mereceu comentários e moções na Assembleia Municipal, assim como as perguntas das Juntas de Freguesia sobre o efeito da Turistificação e Gentrificação para as populações locais, e as perguntas do Público ao Vereador Manuel Salgado sobre o prometido relatório sobre os efeitos dos excessos de Turismo sobre a cidade, ficaram sem resposta.

Aguarda-se e espera-se agora do Conselho Consultivo e do Grupo de Trabalho do programa Lojas com História (ou é isto a mesma coisa?) um rigor e uma exigência confrontadora, uma consciência portanto, do perigo de neutralização por integração que a sua missão implica.

Estes grupos de notáveis e conhecedores têm portanto uma grande responsabilidade.

Especialmente, na tradição de um País que não ousa exigir ou confrontar, habituado a uma dependência sistemática, e aqui, também “flutuante”.

A frase que ficou nestes dias foi a proferida em síntese por António Coimbra de Matos: “Somos um País de Medrosos”.


Historiador de Arquitectura

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