Projecto
do BE sobre proibição de glifosato chumbado no Parlamento
MARIA JOÃO LOPES e
NICOLAU FERREIRA 18/05/2016 - PÚBLICO
Uso
do herbicida está a ser discutido também a nível europeu, onde uma
votação em comité da Comissão Europeia vai determinar o
prolongamento, ou não, da venda do glifosato. A controvérsia está
instalada.
O projecto de lei do
Bloco de Esquerda (BE) que pretendia proibir a aplicação de
produtos contendo glifosato em zonas urbanas, de lazer e vias de
comunicação foi nesta quarta-feira chumbado no Parlamento, com os
votos contra da direita e dos comunistas. A favor da medida votaram o
BE, o PS, o PEV e o PAN. Enquanto isso, o prolongamento da
comercialização do herbicida a nível europeu vai continuar hoje a
ser debatido em Bruxelas.
Em Lisboa, a
discussão parlamentar durou duas horas. Os deputados dos vários
partidos trocaram acusações sobre a validade, ou não, dos
diferentes estudos científicos que têm vindo a ser apresentados
sobre os eventuais efeitos nocivos do herbicida na saúde humana. O
ministro da Agricultura, Luís Capoulas Santos, esteve presente no
debate e colocou-se, globalmente, ao lado das medidas defendidas
pelos bloquistas. Em alguns aspectos, disse, até se poderia ir mais
longe e sublinhou que o Governo está a preparar legislação para
proibir a aplicação do glifosato, por exemplo, em áreas próximas
de hospitais, escolas, entre outros locais. Mesmo que haja, para o
executivo, alguns pontos com os quais possa não concordar
totalmente, o ministro referiu que o Governo apoia o projecto do BE e
que este até “deveria ser melhorado”.
Em resposta aos
deputados, o ministro mostrou ainda abertura em relação à
realização de um eventual estudo epidemiológico sobre os efeitos
do glifosato na saúde humana e afirmou que o executivo tem em fase
avançada um programa dirigido à agricultura biológica que, dentro
de dois meses, poderá estar em condições de apresentar.
Já o PCP preferiu
avançar com um projecto de resolução que recomenda ao Governo a
criação de uma comissão multidisciplinar permanente para, entre
outros objectivos, reunir informação científica disponível sobre
o glifosato, propor medidas quanto à proibição ou não do
herbicida e procurar alternativas ao seu uso – proposta que o BE
disse apoiar.
No final, porém, já
fora do hemiciclo, o BE, pela voz de Jorge Costa, não deixou de
expressar a sua desilusão com a votação do PCP. Durante o debate,
os bloquistas insistiram sempre que, neste caso, devia ser usado o
princípio da precaução. Ou, nas palavras da deputada Heloísa
Apolónia, do PEV, “caso os dados científicos não permitam a
avaliação completa do risco, pode impedir-se a distribuição ou
retirar do mercado produtos susceptíveis” de serem perigosos. Mas
os grupos parlamentares digladiaram-se em torno de questões como a
validade ou não dos estudos científicos, os custos da proibição
do glifosato, as alternativas que existem. E o projecto de lei acabou
chumbado.
No entanto, o uso
comercial do glifosato não está garantido. Uma reunião de dois
dias da secção de fitofarmacêutica do Comité sobre Plantas,
Animais, Alimentos de Consumo Humano e Animal da Comissão Europeia,
que termina esta quinta-feira, vai decidir se há um prolongamento da
comercialização deste químico. A autorização do uso do herbicida
na União Europeia (UE) termina a 30 de Junho. A Comissão Europeia
tinha preparado um documento provisório que, a ser aprovado pelos
Estados-membros, prolongaria a venda desta substância química por
mais nove anos.
Mas o debate público
que tem havido pode pôr em causa o prolongamento. Em Abril, o
herbicida esteve em debate no Parlamento Europeu. Os eurodeputados
votaram para que a extensão da comercialização do glifosato fosse
apenas de sete anos, além de apoiarem o fim do seu uso em espaços
públicos, como os parques, e pedirem uma avaliação independente de
todas as publicações e provas científicas que a Agência Europeia
de Segurança Alimentar usou para fazer uma avaliação sobre os
riscos do herbicida.
Capoula Santos
voltou nesta quarta-feira a referir que a posição de Portugal na
votação no comité europeu é a de abstenção. Apenas França
garantiu que vai votar contra a comercialização. Itália também
poderá votar contra e é provável que a Alemanha se abstenha. A
França, a Itália e a Alemanha representam 40,9% dos 508 milhões de
cidadãos da UE. Como é necessária uma maioria qualificada para a
aprovação passar – o que implica que 55% dos 28 Estados-membros
estejam a favor do prolongamento da comercialização, e que esses
votos representem 65% da população da UE –, o cenário não
parece favorável para as empresas que vendem o herbicida, como a
gigante Monsanto.
O glifosato é um
herbicida generalista usado para tratar ervas daninhas quer em meio
urbano quer na agricultura. O químico é absorvido pelas folhas e
impede o crescimento das plantas. Nos últimos anos, houve um aumento
do seu uso em culturas agrícolas geneticamente modificadas
resistentes ao herbicida.
Em 2015, um
relatório da Agência Internacional para a Investigação do Cancro,
que faz parte da Organização Mundial da Saúde (OMS), concluiu que
há “provas limitadas” de que o glifosato é carcinogénico. Mas
um novo relatório desta segunda-feira de um comité conjunto da
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO) e da OMS concluiu que “é pouco provável que o
glifosato tenha um risco carcinogénico”.
Segundo a OMS, os
dois relatórios não se contradizem. Ou seja, a substância pode ter
a capacidade de causar cancro, mas as quantidades a que os humanos
estão sujeitos não apresentam risco. No entanto, estas conclusões
não satisfazem nem o Parlamento português nem o europeu, que querem
mais estudos sobre esta substância controversa.
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