Posse
administrativa de prédios a demolir para se fazer mesquita aconteceu
mesmo
POR O CORVO • 24
MAIO, 2016 •
http://ocorvo.pt/2016/05/24/posse-administrativa-de-predios-a-demolir-para-se-fazer-mesquita-aconteceu-mesmo/
Um par de minutos
antes da hora marcada, pelas 16h desta segunda-feira (23 de maio),
António Barroso fazia ouvir a sua indignação. “É inacreditável
a forma como a Câmara Municipal de Lisboa está a lidar com este
processo. Recuso-me a assistir a isto”, disse à funcionária da
autarquia que se preparava para ler a declaração de posse
administrativa dos seus três imóveis, antes de fechar a porta e
entrar no número 151 da Rua do Benformoso, onde reside. O que se
temia há algum tempo cumpriu-se ontem. A Câmara de Lisboa (CML) é
formalmente dona dos imóveis que até aqui detidos por António
Barroso, que vai demolir para construir a nova mesquita da comunidade
do Bangladesh.
Tentando conter o
mais que podia as emoções, o expropriado recusou-se a presenciar o
acto formal, liderado por uma representante da Direcção Municipal
de Gestão Patrimonial da CML, devidamente acompanhado por dois
agentes da polícia municipal, que o notificou a ele e aos seus
inquilinos da posse administrativa. A cada um deles foi entregue
cópia de uma declaração em que se diz que, “apesar da caducidade
imediata dos contratos de arrendamento, a CML autoriza os
arrendatários comerciais a permanecer nos espaços até à
notificação para a sua libertação de pessoas e bens, com uma
antecedência não inferior a 20 dias, caso, entretanto, não venha a
ocorrer a expropriação amigável, situação em que a entrega
ocorrerá mais cedo”.
A funcionária do
município foi notificando os inquilinos de António Barroso – como
Afzal Mohammed, dono de uma agência de viagens situada no 151-A ou
um empresário bangladeshi dono de um restaurante situado no 149 –
das contingências legais a que agora estariam sujeitos, ante o
aparato suscitado pela presença de alguns jornalistas, entre eles
uma equipa de reportagem da RTP, e dos polícias. O que causava o
espanto dos transeuntes e automobilistas que passavam na estreita
artéria comercial paralela à Rua da Palma, e que faz a ligação
entre o Intendente e o Martim Moniz. Tânia Mendes, a advogada do
senhorio agora expropriado, ouviu e recebeu uma cópia da declaração.
Depois de Afzal
Mohammed assinar, à porta da minúscula sala onde funciona a sua
agência de viagens, o documento dando conta que tomara conhecimento
da notificação – no último ponto da qual se lê: “declara-se,
ainda, que a CML autoriza o recebimento das rendas dos espaços
comerciais pelos actuais senhorios, até à data da sua libertação”
-, a funcionária municipal e os agentes policiais que a acompanhavam
entraram no restaurante ao lado. A notificação do dono do
estabelecimento foi feita ali mesmo, na sala onde vários clientes,
todos eles homens, ainda almoçavam. Situação que causava algum
espanto aos comensais, até porque um dos polícias manteve a pose
rígida de vigilância, no interior, junto à porta de entrada.
Depois de cumprida
tal formalidade, e após ter colocado uma faixa de plástico negra
pendendo da varanda do primeiro andar, António Barroso desceu e,
mais uma vez, disse aos jornalistas o quão revoltado se encontra.
“Isto que acabaram de assistir é uma intervenção que nunca
deveria existir num país com leis. É daquelas coisas que nunca
imaginei assistir, honestamente. Há muita coisa neste processo que
não faz sentido, isto não se faz. No meio disto tudo, alguém há
de ter bom senso”, dizia o desconsolado senhorio, queixando-se da
alegada “falta de diálogo” da CML para resolver esta situação
de outra forma. “Sempre estive disposto a negociar”, afirmou,
depois de ter qualificado de “ridícula” a indemnização de 531
mil euros que a autarquia lhe quer dar pela expropriação das suas
parcelas. António pede cerca de dois milhões de euros.
O até agora dono
dos prédios diz-se disposto a resistir. “Têm que me tirar daqui à
força, que eu não saio”, diz, prometendo resistir “todas as
formas, até ao fim”. António Barroso relembrou ontem que investiu
“muito dinheiro” na reabilitação daqueles edifícios, quando os
adquiriu há cerca de uma década, quando ainda não se suspeitava
ainda da dinâmica que viria a ser gerada pelo processo de
reabilitação urbana da zona, promovido pela CML, nos últimos anos.
“A Mouraria está em alta, está na moda, as pessoas querem vir
morar para aqui. Por isso, estes imóveis valem muito mais do que
eles me querem pagar. Além disso, a câmara fez tantas exigências
de preservação patrimonial, não meteu aqui um tostão e, agora,
vai deitar por terra o que eu reconstruí?”, questionava.
Ao seu lado, a
advogada Tânia Mendes reconhecia que o “acto formal” ontem
decorrido é um passo mais a caminho da aparente inevitabilidade do
despejo do seu cliente e dos inquilinos. “A partir destes momento,
o Sr. Barroso, apesar de ter ainda as propriedades em seu nome, não
as pode vender, ceder ou arrendar. Tudo isto abre o caminho para que
seja feita a tomada coerciva dos imóveis, que pode acontecer a
qualquer momento”, admitiu. A advogada relembra que foi interposta
uma providência cautelar para tentar suspender o processo
expropriativo – a qual ainda não foi avaliada pelo tribunal – e
uma acção junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, para
requerer a nulidade do processo administrativo de utilidade pública,
que demorará muito mais tempo. E não afasta a possibilidade do
recurso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Texto: Samuel
Alemão
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