Parlamento
vai apertar regras a deputados que acumulam com advocacia
SOFIA RODRIGUES e
MARIA LOPES 18/05/2016 - PÚBLICO
Maioria
dos partidos está de acordo em proibir deputados de intervirem em
processos judiciais a favor ou contra o Estado, seja como advogados
individuais ou integrados em escritórios.
Os deputados que
acumulam funções com as de advogado numa sociedade vão passar a
ter regras mais apertadas nos processos em que há envolvimento do
Estado. Essa é, no geral, uma das propostas feitas por PS, PSD, BE e
PCP para reforçar a transparência dos cargos políticos e altos
cargos públicos. Até agora, as incompatibilidades dos deputados só
abrangiam os casos em que estes trabalhavam como advogados a título
individual, o que permitia aos parlamentares que trabalham em
escritórios de advocacia escapar pela malha larga da lei. O CDS-PP e
o PS são omissos quanto às sociedades comerciais, mas proíbem
qualquer envolvimento em processos a favor ou contra o Estado, ou
mesmo a prestação de consultadoria ou assessoria a entidades
públicas.
Com algumas
diferenças na formulação legislativa, os partidos parecem
convergir na necessidade de separar de forma mais vincada as funções
de deputado e as de advogado ou de outras profissões na relação
dos parlamentares com o Estado. Actualmente, os deputados-advogados
com sociedades em nome individual já não podem participar em
processos contra o Estado. Agora, as propostas de todos os partidos
querem alargar esse impedimento a todos os casos em que uma das
partes seja o Estado. É ainda partilhada por todos os partidos a
intenção de proibir, no âmbito do trabalho nesses escritórios, a
prestação de serviços de consultadoria ou assessoria.
Todas as propostas
prevêem também o alargamento da incompatibilidade à pessoa com
quem o deputado vive em união de facto, e não só ao cônjuge.
Actualmente quase duas dezenas e meia de deputados assumem manter em
simultâneo actividade de advogado fora do Parlamento.
Luís Marques
Guedes, deputado coordenador do PSD na comissão da transparência,
lembra que o actual quadro legal remonta aos anos 80, quando
predominava o exercício da advocacia em escritórios individuais.
Hoje dominam as sociedades de advogados e é por aí que os partidos
querem legislar. Marques Guedes não quer centrar a questão na
advocacia, até porque há outras situações de conflito de
interesses, como é o caso de ateliers de arquitectura ou de
engenharia que apresentam projectos às autarquias e que acabam por
ser analisados por departamentos em que trabalham pessoas dessas
empresas. De qualquer forma, o PSD está disponível para afinar as
propostas em comissão. “Espero que se faça essa discussão na
comissão de forma desapaixonada. Isto não é contra os advogados
nem contra os engenheiros”, diz o ex-ministro dos Assuntos
Parlamentares.
No caso do projecto
do CDS-PP, o texto especifica que a participação em processos não
pode existir, seja “a favor ou contra o Estado”. “Nós
consideramos que quem fiscaliza e tem controlo sobre o Estado não
deve trabalhar para o Estado, contra ou a favor”, justifica o
centrista Telmo Correia.
A proposta do PCP
vai mais longe na restrição e alarga-a aos negócios, impedindo que
um deputado possa celebrar contratos com o Estado ou empresas
públicas, mesmo através de associações ou fundações. O deputado
fica impedido da prática de “actos económicos, comerciais ou
profissionais”, directamente ou por intermédio de “entidade em
que detenha participação relevante” (mais de 10% do capital), nos
quais intervenha o Estado. Jorge Machado, do PCP, diz que a intenção
“não é penalizar advogados nem engenheiros”, mas admite que é
na classe dos primeiros que se encontra “o grosso dos problemas”.
À luz das propostas
que foram entregues na comissão da transparência, os partidos
parecem estar de acordo em restringir as funções que os deputados
podem acumular. Ficam assim proibidos de exercer ao mesmo tempo as
funções de deputado e as de, por exemplo, presidente,
vice-presidente ou vereador, a tempo inteiro ou meio tempo, em
câmaras municipais. Os partidos também querem, em uníssono,
alargar a incompatibilidade de funções a membros de entidades
administrativas independentes, como as entidades reguladoras. O PS
especifica ainda que os deputados não podem trabalhar, em
simultâneo, na função pública. E, tal como o BE, propõe que não
possam integrar gabinetes ministeriais.
Em cima da mesa da
comissão está também o regime de incompatibilidades para o
deputado ou titular de cargo político e alto cargo público que
deixa essas funções. Neste ponto, há uma clivagem entre a direita
e a esquerda. O PCP e o BE proíbem a passagem para empresas,
públicas ou privadas, que prossigam actividades no sector em que o
político tenha tido responsabilidade, sem admitirem quaisquer
excepções. Já o PSD limita essa proibição às empresas com as
quais essa pessoa tenha tido “directa interacção”. Mas mantém
os actuais critérios que são os da empresa em causa ter recebido
benefícios fiscais contratuais ou ter sido alvo de processo de
privatização durante o mandato.
A bancada socialista
acrescenta que os políticos devem deixar de poder, num período de
três anos, trabalhar ou de serem consultores em organizações
internacionais com as quais se tenham relacionado institucionalmente
em representação do Estado português. Mas há excepções:
instituições da União Europeia e ONU ou se entrar naquelas
organizações por concurso ou indicação governamental.
No chamado período
de nojo, os projectos também divergem. Apesar de BE e PCP proporem
um alargamento para respectivamente seis e cinco anos, PSD, PS e CDS
concordam com os actuais três anos.
Caso Maria Luís
Apesar de haver
pontos importantes em comum, os partidos têm seis meses para se
entenderem na comissão eventual sobre o reforço da transparência
no exercício de funções públicas criada por proposta do PS. O
tema da transparência saltou para cima da mesa quando a ex-ministra
das Finanças e actual deputada Maria Luís Albuquerque foi
contratada como administradora não-executiva do grupo internacional
de gestão de dívida e análise de risco Arrow Global, por cinco mil
euros por mês, para prestar serviço de consultadoria. Os deputados
de esquerda clamaram que se tratava de uma incompatibilidade, mas a
subcomissão de Ética acabou por aprovar um parecer que concluiu que
a contratação é compatível com o exercício das funções de
deputada e não colide com o facto de Maria Luís ter sido ministra
da tutela.
Em cima da mesa
estão, além das questões do estatuto dos deputados, matérias como
as incompatibilidades e impedimentos dos altos cargos públicos, o
controlo da riqueza de políticos e cargos públicos, o
enriquecimento injustificado e o lobbying. À esquerda os partidos
dizem que não houve conversas prévias sobre as propostas; à
direita haverá, no PSD, algum desconforto sobre a proposta das
incompatibilidades. Para já, as dezenas de audições propostas
pelos vários partidos vão começar dentro de uma semana, no dia 25.
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