A
solução europeia para os refugiados pode ruir antes de entrar nos
carris
FÉLIX RIBEIRO
16/05/2016 - PÚBLICO
O
número de deportações para a Turquia está muito aquém do
esperado. Para evitar uma nova crise de refugiados no Verão, a
Europa terá de negociar com uma Turquia em deriva nacionalista.
A estratégia da
União Europeia para travar o fluxo de refugiados no Mediterrâneo
está paralisada. Na frente política, Bruxelas procura uma nova
linha de comunicação com o Governo turco, desde que o
primeiro-ministro foi afastado pelo Presidente, Recep Tayyip Erdogan,
que se fechou numa intensa retórica nacionalista e ameaça acabar
com o entendimento caso a Europa não ceda às suas exigências. No
terreno, a situação degrada-se. As deportações de migrantes e
refugiados para a Turquia não avançam, os centros de acolhimento na
Grécia estão sem lugares e condições, e o número de chegadas
está de novo a aumentar.
Na última semana
voltaram a registar-se, em média, mais de cem novas chegadas diárias
por barco à Grécia, algo quase inédito desde meados de Abril. O
encerramento da fronteira com a Macedónia e as notícias de que a
Europa começaria a devolver à Turquia todas as pessoas que fizessem
a travessia depois do dia 20 de Março reduziram substancialmente as
viagens — chegaram apenas 3360 pessoas à Grécia em Abril, menos
90% do que no mês anterior. Mas a melhoria das condições
meteorológicas e o insucesso do acordo de devolução de refugiados
arriscam-se a inverter a situação.
Os números do
acordo com a Turquia estão muito aquém do esperado. Bruxelas
esperava por esta altura ter já devolvido a grande maioria dos cerca
de 8500 migrantes e requerentes de asilo chegados à Grécia depois
da data-limite. Mas, até agora, só 386 pessoas foram reenviadas. E
nenhuma delas pediu asilo.
Isto deve-se em
parte ao facto de os tribunais gregos estarem a resistir à ideia de
que a Turquia é um país seguro para onde reenviar requerentes de
asilo que de outra forma gozariam de protecção na Europa. Este é
um ponto central na estratégia europeia: Bruxelas argumenta que o
sistema de asilo turco dá garantias suficientes de protecção pelo
menos a sírios fugidos da guerra, os únicos cidadãos não-europeus
que Ancara se compromete a não deportar para os seus países de
origem.
Mas muitas vozes
críticas contestam esta ideia e todas as semanas surgem novos
indícios de maltratos a requerentes de asilo na Turquia — há uma
semana, por exemplo, a Human Rights Watch revelou imagens de sírios
abatidos por militares quando tentavam atravessar a fronteira. O
argumento europeu é tão frágil que, como revela esta segunda-feira
o Financial Times, os serviços gregos autorizaram quase um terço
dos 600 pedidos de asilo de gregos chegados ao país depois de Março,
alegando que não estariam seguros na Turquia — muitos mais do que
os responsáveis europeus antecipavam.
Os restantes
recorreram da decisão. De acordo com o El País, há centenas de
casos encravados nos tribunais gregos, onde muitos juízes esperam
que a Comissão Europeia dê mais garantias sobre a legalidade de
deportar sírios para a Turquia. O Governo grego desvaloriza os
obstáculos legais, argumentando que esta é a única via para o
acordo ser aplicado sem violações dos direitos humanos.
“Compreendemos as preocupações [de Bruxelas], mas se olharmos
desde uma perspectiva do Estado de Direito, o acordo está a correr
exactamente como deve”, afirmou a responsável pelo sistema de
asilo grego, Maria Stavropoulou, ao Financial Times.
Prioridades turcas
Os responsáveis
europeus receiam que uma grande vaga de refugiados no Verão
sobrecarregue as autoridades gregas e provoque uma nova crise no
espaço Schengen. Há já cerca de dez mil requerentes de asilo
acampados na fronteira com a Macedónia, em Idomeni, onde os
episódios de violência com as autoridades macedónias se tornaram
ocorrência comum. Muitos vivem em condições dramáticas,
semelhantes às que se sentem em muitos campos de detenção do
Estado grego, sobrelotados, violentos e sem garantias de higiene —
no campo de Samos, por exemplo, estão detidas quatro vezes mais
pessoas do que a lotação máxima.
Bruxelas quer
agilizar o acordo de devolução de refugiados antes do Verão, mas
depara-se agora com um Governo turco mais severo do que aquele com
que negociou em Março. A Turquia exige viagens sem vistos para os
seus cidadãos na Europa para cumprir o acordo, mas recusa-se agora a
reformar a sua lei antiterrorismo — uma das condições exigidas
pela UE. Quem está agora nos comandos das negociações é o
Presidente turco, que nos últimos anos tem reforçado a imagem de um
político severo em assuntos de segurança, e não o
ex-primeiro-ministro, próximo de vários líderes europeus.
O impasse na lei
antiterrorismo turca pode condenar o acordo dos refugiados. A
prioridade do Presidente Erdogan para este Verão é avançar no
caminho de um novo regime presidencialista que lhe dê mais poder e
não chegar a acordo com Bruxelas — adiou para Outubro uma decisão
sobre os vistos para a Europa. Os responsáveis europeus também
subiram de tom: na última semana, o Parlamento Europeu queixou-se da
“chantagem de Erdogan”. “Não estou muito optimista”, resumiu
no final da semana o ministro turco Volgan Bozkir, depois de vários
encontros com líderes europeus.
Sem comentários:
Enviar um comentário