Fernanda
Câncio espera de uma justiça “cúmplice de crimes” que “reponha
a verdade”
ANA DIAS CORDEIRO
11/05/2016 - PÚBLICO
A
jornalista, ex-namorada de José Sócrates, escolheu expor-se no caso
que a opõe há mais de um ano a alguns jornais. Um longo e detalhado
esclarecimento é publicado esta quarta-feira numa edição
antecipada da revista Visão.
A jornalista
Fernanda Câncio diz-se alvo de uma campanha de calúnias desde o dia
em que José Sócrates, seu ex-namorado do tempo em que era
primeiro-minitro, foi detido. A detenção de Sócrates e de Carlos
Santos Silva, a 21 de Novembro de 2014, “foi um enorme choque”,
expõe a jornalista, num longo artigo, escrito em nome próprio, que
faz a capa da revista Visão, numa edição antecipada para esta
quarta-feira. A este esclarecimento público dá o título Sócrates,
o ‘Processo Marquês’ e eu.
Perante o que diz
ser a recusa do Ministério Público (MP) de travar “as repetidas
violações do segredo de justiça” e as “imputações falsas”,
repondo a verdade dos factos na forma em que constam dos autos e não
da forma em que foram interpretados pelo Correio da Manhã, Fernanda
Câncio considera ter chegado o momento de se defender. Mas confessa
ser “com imensa repugnância e tristeza” que se vê “forçada”
a prestar esclarecimentos, “sem esperar milagres” e talvez mesmo
não esperando nada, ao fim de um ano e cinco meses de “acusações
falsas”. Dar voz à sua posição, para ela, “chega”.
A jornalista e
grande repórter do Diário de Notícias diz-se alvo de uma guerra
travada contra si desde o dia da detenção dos dois principais
arguidos do processo operação Marquês, mas especialmente desde
Outubro de 2015, quando chegou ao fim o segredo interno do processo
mas se manteve “o regime do segredo de justiça, na sua vertente
externa” – por essa razão, Fernanda Câncio não teve acesso ao
requerimento do Correio da Manhã que tinha por objectivo que ela
própria fosse constituída arguida.
Fez o pedido ao MP,
“para se poder defender” do que, no seu entender, o jornal diário
“tornou uma acusação pública”, mas o pedido foi-lhe recusado.
E contesta: “O país saber do requerimento por via de quem o fez e
publicitou [o Correio da Manhã] não viola o segredo; eu conhecê-lo
para me defender já viola.”
Depois de
consultarem os autos, onde constam as escutas telefónicas, os dois
jornalistas constituídos assistentes consideraram haver “fortes
indícios” de que Fernanda Câncio teria conhecimento de que
Sócrates “tinha avultadas quantias de dinheiro disponíveis” e
que estas não seriam compatíveis com a sua condição de
ex-primeiro-ministro, já que, enquanto tal, não poderia ter poupado
e adquirido tais montantes.
Concretamente, os
jornalistas lançam a suspeita sobre Fernanda Câncio e sobre a
primeira mulher de José Sócrates, Sofia Fava, de que estas podiam
“ter participado activamente na ocultação” de dinheiro obtido
pelo ex-primeiro-ministro através “do crime de fraude fiscal” e
evocam a possibilidade de a jornalista em particular ter “beneficiado
indirectamente” de quantias resultantes dessa fraude.
A posição do
Ministério Público
A jornalista e
cronista acusa a Justiça de ser “cúmplice de crimes”, depois de
ter recebido a garantia de um inspector-geral tributário (um dos
investigadores no inquérito) de que não constava do processo, por
exemplo, a acusação que a então namorada de Sócrates “usava
também o dinheiro de Santos Silva”, como escreveu o Correio da
Manhã. “Perante a minha exigência de que o MP repusesse a
verdade, [o inspector-geral tributário] lamentou não poder fazer
nada.” E acrescenta: “O que cabe ao MP, pelos vistos, é manter a
dúvida, de forma a que eu vá sendo queimada em praça pública.”
Foi-lhe dito que o
problema estava na lei que permite a constituição de jornalistas
como assistentes. E foi-lhe sugerido que recorresse aos tribunais. Em
resumo, diz Fernanda Câncio: “Se me quero defender do que me estão
a fazer com a cumplicidade da Justiça, recorro à Justiça.” Foi o
que fez, esclarece, antes de afirmar que não tem “muita esperança
no resultado”.
Neste testemunho
pessoal publicado na Visão, Câncio expõe pormenores e excertos das
escutas incluídas no processo que serviram para fundamentar
suspeitas sobre ela, além de relembrar uma manchete do Correio da
Manhã em que era mencionada uma conversa telefónica entre a mulher
de Carlos Santos Silva e Fernanda Câncio, durante a qual a mulher de
Carlos Santos Silva teria revelado a Câncio “os milhões” que
estavam na conta de Sócrates, e que a jornalista diz ser falsa,
porque “nunca existiu”.
O jornal ignorou o
desmentido de Fernanda Câncio e sublinhou que as referidas escutas
tinham sido validadas por um juiz – o que Fernanda Câncio não
contesta. O que contesta é mesmo a existência de escutas que
sustentem a acusação do jornal. “Mas onde estão as [escutas] que
suportam aquilo que o Correio da Manhã afirma?”
Será "maldade
pura"?
O jornal invoca a
existência de “fortes indícios” para afirmar que Câncio “tinha
um conhecimento profundo dos negócios de José Sócrates, bem como
dos [seus] gastos pessoais e que evidenciavam a existência dessas
avultadas quantias de dinheiro” e das ligações a Carlos Santos
Silva. Responde a jornalista que “se fizesse ideia da relação
pecuniária entre os dois, teria feito perguntas por considerar a
situação, no mínimo, eticamente reprovável”.
E acrescenta que
nunca foi questionada por nenhum dos órgãos de comunicação social
que a “tentaram implicar” no caso. Sobre os motivos por que o
Correio da Manhã, jornal e TV, e o semanário Sol nunca lhe
perguntaram “nada”, como diz, tem ela mesma uma explicação, que
é exactamente oposta à dos órgãos de comunicação em causa:
“Tendo acesso a todo o processo, sabem que eu nada sabia sobre a
relação pecuniária entre Carlos Santos Silva e José Sócrates.”
E acrescenta que aquilo que consideram como “forte indício” lhe
foi “ocultado”.
Antes de enumerar
uma a uma as temáticas usadas nas “fundadas suspeitas” que
constarão dos autos, segundo o Correio da Manhã, diz que não pode
ser acusada por uma mensagem sms em que escreve: “Não há assim
tantos ex pm com massa e casa em Paris” – ou pelas férias que
passou a convite de Sócrates não sabendo que seriam pagas por
Carlos Santos Silva; ou ainda pelo computador que Sócrates lhe
ofereceu e que para a compra do qual Câncio teve de aceder aos
elementos do cartão de crédito, tendo tal motivado a convicção
dos jornalistas do Correio da Manhã e da CMTV de que Fernanda Câncio
saberia “da origem ilícita dos fundos a que José Sócrates tinha
acesso”.
Não entende pois,
como diz, por que motivo está a ser “acusada e caluniada”. Será
“maldade pura”?, solta entre outras interrogações. E recusa-se
a acreditar que estas acções estejam relacionadas com a forma como
critica o “modo de actuação destes media”.
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