OPINIÃO
Daniel
Oliveira e a mesquita
JOÃO MIGUEL TAVARES
02/06/2016 – PÚBLICO
A
vigilância laica que a esquerda dedica ao catolicismo transforma-se
em paixão multicultural quando o assunto é o islamismo.
Há uma semana
escrevi nesta página um texto intitulado Uma mesquita na Mouraria
que deu origem a alguma polémica. No Expresso Diário, Daniel
Oliveira acusou-me de ser apenas laico no que toca a mesquitas.
Trata-se de uma pura inversão do meu argumento inicial – eu
critiquei a esquerda jacobina por mostrar uma surpreendente
disponibilidade para aceitar que a Câmara de Lisboa ofereça uma
mesquita novinha em folha à comunidade islâmica. O artigo do Daniel
demonstra isso mesmo, e não altero uma linha em relação ao que
escrevi: sim, a vigilância laica que a esquerda dedica ao
catolicismo transforma-se em paixão multicultural quando o assunto é
o islamismo.
Vejamos as nossas
principais discordâncias, ponto por ponto. Daniel Oliveira começa
por dizer que as expropriações de um proprietário são “banais
quando há obras numa cidade com pouco espaço disponível”.
Primeira diferença: nunca me passaria pela cabeça casar o adjectivo
“banal” com o substantivo “expropriação”. Tenho demasiado
amor à propriedade privada. Uma expropriação nunca pode ser banal,
e é óbvio que construir uma mesquita em terreno expropriado não é
o mesmo que vender a um preço simbólico um dos milhares de
edifícios sem utilidade que a câmara possui.
Segunda diferença:
a questão dos “preconceitos xenófobos” e dos “fantasmas” do
“extremismo islâmico”. Era o que faltava que eu não pudesse
verbalizar uma profunda discordância política para com a câmara de
Lisboa só porque os beneficiários são muçulmanos e
ai-meu-Deus-que-o-PNR-vai-subir-nas-sondagens. Tristemente, acabo
sempre por descobrir que tenho mais fé na humanidade do que a
esquerda: não acho que o povo seja estúpido, não acho que os
problemas se evitem com a multiplicação de temas tabu, acho que os
idiotas xenófobos devem falar para nós sabermos onde eles estão e
não tenho dúvidas de que o meu texto inicial é claríssimo quanto
à aprovação simbólica da construção de uma mesquita naquele
lugar. O que digo é muito simples: com o dinheiro de todos, não;
com o dinheiro dos que acreditam em Alá, sim.
Terceira diferença:
não me parece que aquilo que não é branco tenha necessariamente de
ser preto. Escreve Daniel Oliveira: “A coisa não é complicada: ou
aceitamos que o Estado pode apoiar algumas actividades religiosas e
somos pluralistas nesse apoio ou defendemos a laicidade sem
concessões.” E para o Daniel “laicidade sem concessões”
implica acabar com a Concordata, com a aulas de Religião e Moral,
com a preservação das igrejas, com a presença de padres em
cerimónias públicas e por aí fora – só escapou o Natal e os
feriados religiosos, vá lá saber-se porquê.
Este enfiar tudo
dentro do mesmo saco é típico de um jacobinismo australopiteco cuja
extinção seria um precioso bem para a humanidade. Caro Daniel:
preservar uma igreja não é o mesmo que construir uma igreja
(600.000 euros para construir a igreja do Restelo, como a câmara
terá oferecido, é inadmissível; 800.000 euros para reabilitar
igrejas é atendível). Apoiar a construção de um museu judaico não
é o mesmo que construir uma sinagoga. Ceder um terreno não é o
mesmo que expropriar edifícios. Apoiar um lar de terceira idade
gerido por uma comunidade religiosa não é o mesmo que oferecer-lhe
um templo. São tudo coisas diferentes. Umas justificam-se, outras
não. Qualquer pessoa com a cabeça em 2016 percebe isto. Quem tiver
a cabeça em 1916, aí sim, admito que possa ter algumas
dificuldades.
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