Segundo resgate?
Schäuble até foi moderado
Helena Garrido
30/6/2016,
A probabilidade de
Portugal ter de pedir um novo apoio financeiro vai subindo a cada dia
que passa. Schäuble poderia até ter acrescentado mais argumentos
para mostrar os riscos que Portugal enfrenta.
O ministro alemão
das Finanças pronunciou em público a palavra proibida. “Resgate”.
Só pode ser uma surpresa para quem está pouco atento ou quer
acreditar em impossíveis. A probabilidade de Portugal ter de pedir
um novo apoio financeiro vai subindo a cada dia que passa. Schäuble
poderia até ter acrescentado mais argumentos para mostrar os riscos
que Portugal enfrenta.
Comecemos pelo que
disse o ministro alemão das Finanças Wolfgang Schäuble, com todos
os esclarecimentos e correcções subsequentes: “Portugal estaria a
cometer um erro enorme, se não cumprirem com os compromissos que
assumiram. Portugal teria então de pedir um novo resgate. Os
portugueses não querem um novo programa e eles também não precisam
se cumprirem com as regras europeias”.
Os compromissos de
que fala Schäuble dizem respeito à redução do défice orçamental,
que vai estar de novo em avaliação pelos comissários dentro de
dias. Nesse encontro a Comissão decidirá se haverá ou não sanções
por violação do limite de 3% do PIB que Portugal, fora do programa
da troika, teria de cumprir em 2015. E não cumpriu.
As considerações
sobre a injustiça de tais sanções, num país sacrificado pelo
programa da troika, ou as criticas a decisões que se apoiam numa
derrapagem de décimas, fariam todo o sentido se não existisse um
contexto de elevado endividamento e um discurso e decisões políticas
do Governo que reabriram a porta da desconfiança. O que está em
causa não são as décimas de derrapagem do défice orçamental. O
problema está na confiança que se quebrou quanto ao esforço que
Portugal vai fazer para reduzir o défice público e assim conseguir
pagar o que deve.
O que disse o
ministro alemão das Finanças faz todo o sentido. Apenas deveria ter
retirado da sua frase a palavra “compromissos”. Com ou sem
compromissos, se Portugal não reduzir o défice público vai
transmitir uma mensagem de desconfiança (ou já transmitiu) aos
financiadores e precisará de ser de novo financiado pelas
instituições europeias e pelo FMI – se é que o Fundo ainda quer
envolver-se. Um país que tem uma dívida pública de 129% do PIB e
deverá crescer em torno de 1,5%, na melhor das hipóteses, está
sempre em risco de perder o acesso aos mercados para se financiar.
Wolfgang Schäuble
teria até matéria para, se quisesse, fundamentar mais os riscos que
Portugal corre de ter de solicitar um segundo resgate. Imagine-se o
que teria acontecido se o ministro alemão das Finanças, em vez de
dizer o que disse, se tivesse limitado a citar algumas das
declarações públicas de governantes ou do governador do Banco de
Portugal sobre o que é preciso fazer na banca portuguesa.
Nos últimos tempos,
temos assistido a conversas infindáveis sobre as necessidades de
capitalização da banca portuguesa, como se fosse um exercício
intelectual que se pudesse fazer na praça pública sem
consequências. Temos ouvido de tudo. Desde os quatro a cinco mil
milhões de euros que a CGD precisa – o caso Caixa mereceu até uma
conferência de imprensa do ministro das Finanças -, até aos dez
mil milhões de euros, que se estima serem necessários, para um
“banco mau” limpar 30 mil milhões da banca. Sem que nada
aconteça e na provável convicção de que mais ninguém, fora do
País, está a ouvir.
A dimensão da
dívida pública portuguesa e o medíocre crescimento da economia
conduzem inevitavelmente à seguinte questão: onde é que vamos
buscar o dinheiro para financiar essas necessidades da banca? É
preciso convencer os investidores que conseguiremos pagar, ou não
nos emprestam.
Só o valor apontado
para a CGD, os cinco mil milhões de euros, correspondem a cerca de
2,7% do PIB. E o problema não é de contabilidade – se conta ou
não conta para o défice público. O problema é o de convencer os
investidores que conseguimos somar isso à nossa dívida já bastante
elevada e continuar a pagar o que devemos.
A dimensão da
dívida pública foi já em 2011 a razão pela qual o programa da
troika optou por fechar os olhos ao problema da banca, escolhendo o
modelo de ir corrigindo com o crédito malparado com o tempo. Esse
problema não desapareceu. Pelo contrário. Pode até ter-se
agravado, uma vez que o crescimento da economia não chegou com a
força que se esperava e que era prometido pelo perfil das
recuperações do passado.
A situação
agravou-se também pelas mensagens políticas e pelas decisões que,
embora possam ter uma dimensão limitada, delapidaram um capital de
confiança que fomos acumulando. E não foi a resolução do BES e do
Banif e a passagem das cinco obrigações seniores do Novo Banco para
o BES que mais afectaram a nossa reputação. A banca é ainda um
problema em todos os países europeus e os investidores financeiros
sabem bem isso.
Os efeitos mais
graves da quebra de confiança têm como epicentro o Governo, por via
de decisões que geraram medo em quem investe em empresas,
investimentos que não se recuperaram num dia, como nos mercados
financeiros. Decisões como suspender a reforma do IRC, anular os
concursos das concessões dos transportes, acelerar a reposição dos
salários da função pública e reduzir o IVA na restauração podem
até ter efeitos orçamentas mínimo – que não têm -, mas têm um
enorme impacto na confiança para investimentos que só se recuperam
a longo prazo.
Paralelamente a essa
fúria de desfazer o que tinha sido feito, assistimos logo no início
deste Governo a uma atitude de arrogância em relação aos parceiros
europeus que, obviamente, está hoje a ser paga também com
desconfiança.
No quadro actual, de
falta de confiança e de dinheiro, de menor esforço na redução do
défice orçamental, parece no mínimo improvável que se consiga
aplicar um modelo de capitalização da banca sem pedir ajuda
financeira. Chame-se ela o que se chamar: resgate ou empréstimo ao
Mecanismo Europeu de Estabilidade.
Ninguém pode, por
isso, ficar surpreendido com as palavras do ministro alemão das
Finanças. A única surpresa que podemos ter é de as suas
declarações não terem sido ainda mais graves.
Claro que se
Portugal não cumprir as regras, leia-se, não reduzir o défice
orçamental, não terá margem para resolver os outros problemas
financeiros que tem. Se já era difícil enfrentar o problema da
banca reduzindo o défice de acordo com os compromissos assumidos,
mais difícil se torna quando gastamos o dinheiro onde podíamos
poupar.
Depois de tudo o que
se fez e disse até agora, o ministro alemão das Finanças poderia
ate ter sido bastante mais acutilante nas suas palavras. Estamos
apenas a receber as tempestades dos ventos que semeámos. A que se
somam as tempestades da conjuntura internacional e do Brexit. O que
não podemos nem devemos é deixar de assumir a responsabilidade dos
erros que cometemos.
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