É por estas
discussões que “os portugueses estão fartos" de políticos
"até ao tutano”
LILIANA VALENTE
29/06/2016 – PÚBLICO
As auditorias à
Caixa provocaram uma discussão que atingiu “elevação
intelectual” entre deputados. As auditorias não avançam. A
discussão já parou.
Preâmbulo: este
podia ser um texto sobre uma discussão parlamentar a propósito do
conteúdo de auditorias. Não é. É um texto sobre como discutiram
os deputados um pedido de auditorias, como essa discussão resvalou
até aos poderes da Assembleia da República e como esse debate seria
importante.
Factos: os deputados
da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais votaram esta
tarde o parecer do socialista Pedro Delgado Alves, que considera que
os pedidos de auditoria externa contratualizada pelo Parlamento são
ilegais. PSD e CDS votaram contra o parecer. PS, PCP e BE votaram a
favor e aprovaram o documento que assim inviabiliza que os
requerimentos do PSD e do CDS, que queriam auditorias independentes à
CGD e ao Banif, sejam até discutidos e votados.
Conclusão: assim, a
esquerda não pode dizer que chumbou as auditorias; aprovou um
parecer que inviabiliza que o requerimento a pedir as auditorias seja
aceite. Não é a mesma coisa. E no palavreado parlamentar muito
menos.
História: os
deputados andam desde sexta-feira às voltas com os pedidos de
auditoria do PSD e do CDS à Caixa Geral de Depósitos e ao Banif.
Para juntar ingredientes a este drama político — que põe esquerda
e direita de lados opostos da barricada, mais uma vez — o
presidente da Assembleia da República decidiu pedir um parecer da
Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais sobre a legalidade
do pedido dos dois partidos da oposição.
É preciso passar à
frente o filme desta discussão para contar o que aconteceu na
reunião desta tarde. Os deputados debruçaram-se sobre se esta
decisão do parecer condiciona e limita os poderes do Parlamento. Ou
seja, se este parecer não implica que a Assembleia da República
nunca mais possa pedir auditorias externas.
Do lado do PS, o
argumento do deputado Pedro Delgado Alves foi que “este tipo de
auditoria deve ser remetida ao supervisor” ou seja ao Banco de
Portugal. E que isto “não significa que o Parlamento esteja
desprovido de instrumentos, mas não pode mimetizar” os poderes de
outras entidades. Ou seja “nada impede a Assembleia da República
de fazer recomendações à entidade competente, já substituir-se a
ela é que seria invasivo”.
Do lado do PSD, a
tese é jurídica e política. Em termos jurídicos, para o deputado
Marques Guedes, o que os deputados estavam a fazer era “tentar
capturar competências e atribuições da Assembleia da República de
uma forma inaudita”. Isto porque, na argumentação do partido,
impedir esta auditoria seria o mesmo que impedir outros pedidos
futuros. Mas para o PSD foi também uma questão política, uma vez
que o argumento “é falso e perigoso”, uma vez que o que a
maioria de esquerda está a evitar é “obter esclarecimentos do que
se passou na CGD”.
Os nervos, no que à
Caixa diz respeito, têm andado à flor da pele e, no meio das
discussões jurídicas, puxam-se os galões universitários. Jorge
Lacão, deputado do PS, falou da falta de “elevação intelectual”
de alguns argumentos esgrimidos e ouviu uma resposta à altura: “Às
vezes o senhor eleva-se de tal maneira que deixa de ver a terra. Nós
não temos essa capacidade. Temos os pés na terra”, disse-lhe
Telmo Correia. Concluindo que neste assunto há “chicana política
e chicana jurídica”.
Voltando à
discussão jurídica, o deputado do PSD Carlos Abreu Amorim
lembrou-se de outros textos sagrados. É que a Constituição da
República, sagrada para a esquerda, é chamada a este debate, e o
deputado acha que esta discussão também pode chegar ao domínio da
fé: “O que se quer aqui é evitar a constituição destas
auditorias independentes usando umas vezes o Corão outras vezes o
Talmude”.
No fim disto tudo,
os poderes da AR estão ou não diminuídos? Para o PSD, sim. Para a
esquerda, não. E a lógica da maioria é só uma: se a AR não tinha
os poderes para pedir estas auditorias, não os podia perder.
Mas o que se perdeu
nesta discussão foi a paciência de alguns. Do relator do parecer,
sobretudo. “Há uma altura em que a paciência se esgota”,
desabafou Pedro Delgado Alves, que a seguir voou nos argumentos até
dizer que é por estas discussões que “os portugueses estão
fartos de nós até ao tutano” — nós, leia-se “políticos” —
e o voo não terminou sem chegar aos motivos que levam a extremismos
na Europa.
Fim da história: o
pedido de auditorias, tal como pedido pelo PSD e pelo CDS, não
avança. A oposição acusa a esquerda de usar instrumentos jurídicos
para não assumir a decisão política. A esquerda diz que não há
nada a assumir, até porque o Governo já pediu uma auditoria. A
continuação da história pode acontecer na comissão de inquérito,
que começa dia 5, com o PSD a fazer o mesmo pedido ou um semelhante.
As cenas dos próximos capítulos só existirão para a semana.
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