Câmara
de Oeiras insiste em empreendimento apesar de críticas da população
LILIANA BORGES
28/06/2016 – PÚBLICO
A
resposta da autarquia à petição entregue pelos munícipes não
deixou satisfeitos os signatários que planeiam nova acção
judicial.
Durante esta
segunda-feira, o ambiente na sala da biblioteca municipal de Oeiras
aqueceu muito mais do que o clima faria prever, acompanhando a
escalada da tensão entre o presidente da Câmara de Oeiras e os
munícipes presentes. A causa? A discussão da petição “Vamos
Salvar o Jamor” entregue à Assembleia Municipal em Novembro de
2015 e que se insurge contra a construção do projecto Porto Cruz,
um “empreendimento megalómano, dispensável e que vai prejudicar o
concelho”, segundo o grupo de munícipes.
O projecto, da
empresa Silcoge, do grupo imobiliário SIL, abrange uma área de 27,6
hectares e prevê a construção de oito edifícios, cinco outras
torres e três de habitação, comércio e serviços na margem
direita do rio Jamor, na Cruz Quebrada, concelho de Oeiras. O
investimento, privado, está estimado em 250 milhões de euros. O
projecto prevê a demolição da antiga fábrica Lusalite, que tem
suscitado várias denúncias pela acumulação de amianto. Na Câmara
de Oeiras, o plano de pormenor onde se insere o projecto Porto Cruz
foi aprovado com os votos a favor do PSD, PS e IOMF (Isaltino Oeiras
Mais à Frente) e os votos contra da CDU. Na Assembleia Municipal,
apenas o PSD e o IOMF votaram a favor. O PS absteve-se e o Bloco de
Esquerda, CDU e CDS votaram contra. Apesar das críticas, o projecto
irá avançar e segundo o presidente da Câmara de Oeiras, Paulo
Vistas, embora “ainda não esteja prevista uma data de arranque”
a conclusão deverá acontecer em 2020, afirmou durante a assembleia
municipal.
Para o grupo de 300
signatários que quer impedir o projecto, a construção do Porto
Cruz irá resultar na destruição da praia da Cruz Quebrada e na sua
substituição por um aterro de betão, “em violação clara das
regras do ordenamento do território”.
Ao PÚBLICO, Carlos
Branco, presidente do grupo “Vamos Salvar o Jamor”, sublinhou o
aumento do risco de inundação, os problemas para o trânsito local
e o isolamento do Complexo Desportivo Nacional do Jamor como as
consequências mais preocupantes.
Entre os pontos
principais apontados na petição, o grupo aborda as consequências
arquitectónicas e paisagísticas — um dos edifícios tem uma
altura prevista de 20 andares — “numa zona atravessada por uma
falha geológica, sujeita ainda a outros elevados riscos naturais
(cheias, galgamentos marítimos e deslizamentos de terras) e que
regista já actualmente um nível de ruído superior ao permitido por
lei para este tipo de utilizações”.
O projecto irá
ainda, segundo o grupo, aumentar as diferenças entre a margem
direita (onde se localiza o projecto) e a margem esquerda do rio
Jamor (onde vivem as populações das zonas baixas), uma vez que a
construção de um bunker, ”uma muralha impenetrável contínua”,
irá estender o risco de cheias para os empreendimentos adjacentes,
considera.
À espera de receber
uma explicação por parte de técnicos designados pela câmara de
Oeiras, acordada em comissão de trabalho, o grupo de munícipes
presentes na reunião foi surpreendido quando o próprio presidente
da Câmara de Oeiras que se levantou para responder à petição. O
autarca começou por dizer que as razões apresentadas pelos
munícipes não são “razão substantiva para a alteração e
revogação” do projecto e elogiou o empreendimento, nomeadamente
os equipamentos previstos como a piscina, a marina, o heliporto e os
jardins. “Os prazos foram cumpridos e as deliberações foram
tomadas”, afirmou. “Não vale a pena fazer propostas
demagógicas”, acrescentou. Além disso, o presidente da Câmara
argumentou que “está em causa a saúde pública”, uma vez que “a
descontaminação do amianto dos edifícios da antiga fábrica
Lusalite depende do plano de pormenor”.
Técnicos ausentes
A ausência dos
técnicos foi contestada pelos munícipes, mas também por alguns
deputados, entre eles Joaquim Cotas e Isabel Sande e Castro (CDS),
duas das vozes mais interventivas durante o debate. “A vinda dos
técnicos foi aceite por unanimidade na Comisssão”, lembrou
Joaquim Cotas, deputado da CDU e presidente da Comissão Permanente
do Ambiente que acredita que a presença dos especialistas “poderia
ajudar todos a perceber melhor o projecto”.
Já outras
declarações tiveram o condão de voltar a incendiar os ânimos. Foi
o caso do deputado Salvador Martins, do IOMF: “Há organismos
próprios que fazem a análise” dos projectos, notou, acrescentando
que a assembleia não é “um regime de assembleias populares” e
que não serve para responder aos pedidos dos munícipes.
As respostas dos
membros do grupo “Vamos Salvar o Jamor” chegaram logo depois. O
grupo fez questão de destacar que caso o projecto não seja
revogado, “estas maiorias serão responsabilizadas por terem tomado
essa decisão”. “A democracia não é só de quatro em quatro
anos. O que estamos a fazer aqui hoje é democracia. E a democracia
faz-se e perde-se todos os dias”, apontou Carlos Branco, presidente
da associação.
Para este
responsável, as respostas do autarca foram “genéricas e
generalistas” e não responderam à maioria das perguntas colocadas
pelo grupo. Além disso, Carlos Branco questionou os pareceres da
Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e da Comissão de Coordenação
e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT), uma
vez que, em Agosto de 2012, o parecer da CCDR ao projecto era
desfavorável. Segundo Carlos Branco, o grupo aguarda há mais de
seis meses por um encontro com responsáveis deste organismo estatal
mas ainda não obteve nenhuma resposta.
A tensão voltou a
escalar quando o presidente do Conselho de Administração do grupo
responsável pela obra, presente na assembleia, tomou a palavra e
questionou onde estavam estas contestações quando começou a
consulta do projecto. “É como esperarem que um aluno de Medicina,
que passou anos a estudar, conclua o curso para só no fim lhe
dizerem que não pode exercer”, exemplificou, argumentando que este
é um projecto de décadas. Pedro Silveira sublinhou que a cultura da
empresa não assenta em favoritismos partidários nem tão pouco quer
destabilizar a população e por isso convidou a associação para um
encontro onde o projecto possa ser apresentado com maior pormenor.
Ao PÚBLICO, o
presidente da associação de munícipes, disse não estar convencido
com a resposta da autarquia e garantiu que “na devida altura irá
avançar com uma nova acção judicial”.
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