sábado, 18 de junho de 2016

Londres pode sair da UE mas portugueses não pensam sair de Londres



Londres pode sair da UE mas portugueses não pensam sair de Londres
Sem poder votar, cidadãos nacionais aguardam com expectativa o referendo à UE e lamentam retórica contra os imigrantes. Com uma excepção, portugueses ouvidos pelo PÚBLICO dizem que vitória do “Brexit” não os levará a ponderar regresso

O aumento das rendas, de que todos os londrinos se queixam, “não é por causa da imigração, é da especulação imobiliária”, da mesma forma que a sobrelotação dos serviços públicos é resultado das “políticas de austeridade promovidas pelo Governo”
Ana Fonseca Pereira em Londres / 19-6-2016 / PÚBLICO

A decisão não está nas mãos deles e é como meros espectadores — uns mais ansiosos do que outros — que assistem a uma campanha que pode afastar o Reino Unido da Europa e bloquear a livre circulação que lhes abriu as portas do país. Há quem tenha se inquiete com o futuro, quem esteja preocupado com a situação dos outros portugueses que chegaram há menos tempo e quem ainda não acredite que a ruptura com a União Europeia pode mesmo acontecer. Mas deixar Londres, a cidade a que já chamam casa, é uma opção que poucos têm em cima da mesa.
É a sul do Tamisa, encravado entre as grandes construções que estão a mudar a cara e o perfil das zonas de Vauxhall e Stockwell, que os letreiros denunciam o reduto português na metrópole londrina. A Portugal Bakery, a Luso Wines ou o Estrela Bar são alguns dos estabelecimentos que se alinham ao longo da South Lambeth Road e ali o português é a língua franca, mesmo que muitas vezes misturado já com o inglês. Só ali, no Little Portugal, como já chamam à zona, vivem cerca de 40 mil portugueses e lusodescendentes, parte de uma comunidade que se começou a instalar há mais de 30 anos, com a chegada de emigrantes madeirenses.
Do outro lado da estrada erguese a biblioteca local, um porto de abrigo para uma vizinhança, onde Patrícia Marcelino começou a organizar aulas de inglês pouco depois de ter chegado a Londres, há cinco anos. Veio, com a filha de 16 anos, terminar um doutoramento que a vida e o voluntariado ainda não lhe deixaram acabar. “Percebi que havia muitos portugueses aqui que não falavam inglês e começámos a organizar aulas semanais”, explica na ampla sala da biblioteca, onde nas quatro mesas ao centro todos os sábados à tarde entre 12 e 20 pessoas, sobretudo adultos, se juntam para aprender noções básicas da língua. Sem necessidade de inscrição, sem pagamento ou presenças obrigatórias. “Basta vir e sentar-se.”
Nas estantes ao lado, foi criado um “cantinho português”, que tem mais de mil livros doados, e na outra extremidade um pequeno espaço para crianças onde, uma vez por mês, há sessões de leitura para crianças pequenas. “A adesão da comunidade à biblioteca era baixa”, explica Patrícia, convidada há três anos pelo Grupo de Amigos da biblioteca para fazer a ponte entre os portugueses e a instituição, que há uns meses foi salva do encerramento pela mobilização local, mas que continua na mira da especulação imobiliária.
O mesmo objectivo de aproximação esteve na origem do primeiro Portuguese Market, que a 11 de Junho juntou dezenas de banquinhas e mais de duas mil pessoas. “Organizámos tudo em duas semanas e meia, tudo com base no voluntariado e na boa vontade”, conta, acrescentando que a intenção é repetir a experiência todos os meses, para “criar um ponto de referência para a comunidade, atrair turistas” à zona e apoiar os portugueses que estão a lançar os seus próprios negócios.
”Eles têm mais a perder”
A emigração portuguesa para o Reino Unido não dá sinais de abrandar — Patrícia cita os 31 mil que se inscreveram na Segurança Social britânica entre Setembro de 2014 e Setembro de 2015, mas também a sua própria experiência. Vendo a situação de muitos emigrantes que chegam a Londres sem trabalho e mesmo sem saber inglês, lançou o projecto Ó Mãe Vou Emigrar! que a levou a escrever um guia para quem pensa ir trabalhar para o Reino Unido e a fazer acções de formação em Portugal, para chegar às pessoas “antes que elas façam asneiras”. Há pouco tempo, em Braga, “tive 60 jovens e quando perguntei quantos deles é que estavam a pensar emigrar, levantaram todos os braço”, conta.
É com estes, os recém-chegados ou os que apesar de estarem há vários anos no país não têm rendimento certo, que Patrícia se preocupa quando pensa na hipótese de o Reino Unido sair da UE. “Os mais qualificados chegam com boas hipóteses de conseguir bons empregos” e mesmo que desapareça a liberdade de circulação “as empresas vão garantir vistos de trabalho”. “O problema são os que não tem qualificações, os que não falam inglês ou dependem de apoio sociais.” Admite que a saída do Reino Unido da UE pode levar alguns deles a ter de deixar o país, mas sublinha o irrealismo de quem defende que a imigração precisa de ser drasticamente reduzida. “É certo que somos 12 milhões de pessoas em Londres e que há muitos que não são ingleses. Mas são os imigrantes que fazem a capital borbulhar. Se decidissem que tínhamos de sair, eles perdiam mais do que nós”.


Palavras que Isabel Marques, professora de 50 anos, há dez em Londres, repete numa outra conversa bem longe de Little Portugal. “Os britânicos precisam mais de nós do que nós deles”, atira, chocada com o discurso anti-imigração e que ganhou força depois de divulgadas as estatísticas que confirmam que o número de cidadãos europeus a viver no país disparou nos últimos três anos — de 1,4 milhões, em 2013, para os actuais 2,1 milhões. “Sempre que há uma viragem à direita [na política] culpa-se o estrangeiro, agora a atenção está dirigida

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