Não,
eles não são todos iguais
JOÃO MIGUEL TAVARES
21/06/2016 – PÚBLICO
Os
políticos e os banqueiros não são crianças inimputáveis.
Na semana passada
escrevi um texto sobre a Caixa Geral de Depósitos onde mostrava a
ligação entre a lista dos maiores devedores da Caixa, a gestão de
Armando Vara e o consulado de José Sócrates. Sempre que me dedico a
este género de actividade é certo e sabido que me vão perguntar
coisas. Por exemplo: 1) Você acha que José Sócrates é o culpado
de todos os males do país? 2) Não lhe parece que os governos de
direita também se aproveitaram da Caixa? 3) Já não se recorda de
quando Celeste Cardona foi nomeada por Bagão Félix? 4) Porque é
que você só critica o PS? 5) No PSD parecem-lhe todos santinhos, é?
O provérbio
favorito do debate político e partidário em Portugal é este: a
trafulhice do vizinho é sempre maior do que a minha. Donde, qualquer
colunista está condenado ao perpétuo desacerto. Se critica a CGD
perguntam-lhe “e o BPN?”; se reprova o BES questionam “e o
Banif?”; se ataca Sócrates demandam “e a Tecnoforma?”; se
maldiz Armado Vara inquirem “e Miguel Relvas?”; se zurze em
Satanás observam “e Belzebu?”. A gente nunca atina. Ao lado do
que está escrito existe invariavelmente alguém pelo menos tão mau
– idealmente, pior – do que o protagonista do texto, mas que o
colunista decidiu poupar por estritas razões ideológicas. O
resultado desta atitude é a absoluta falta de critério. Para sermos
“equilibrados” temos de admitir que Sócrates é igual a Passos,
Passos é igual a Costa, e Costa será igual ao próximo
primeiro-ministro, que ainda não se sabe quem é mas já transporta
consigo a marca do pecado original – a mesma tendência para a
trapaça.
Embora reconheça a
função terapêutica deste exercício e não tenha a ambição de
acabar com ele, eu gostaria de aproveitar este momento para declarar
solenemente, com toda a energia e convicção possíveis, que não,
eles não são todos iguais. Cada político é diferente do outro. As
suas responsabilidades, os seus defeitos e os seus méritos são
distintos. Este tipo de igualdade é uma desculpa para não pensar,
não distinguir e não exigir mais do que aquilo que temos; é uma
terraplanagem da nossa capacidade de avaliar, sopesar e criticar
políticos eleitos. Pedro Passos Coelho não foi igual a José
Sócrates. O caso Tecnoforma não tem a gravidade da Operação
Marquês. Celeste Cardona não prejudicou tanto a Caixa como Armando
Vara. E, em última análise – que é para dinamitar todas as
meias-tintas –, o comportamento do último governo de direita não
tem nada a ver com o comportamento do último governo de esquerda,
nem o estado a que o país chegou pode ser igualmente distribuído
por PS e PSD, apesar do miserável governo liderado por Santana
Lopes.
É por isso que
quando ouço Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix defenderem que
não deve haver uma comissão de inquérito parlamentar à Caixa
porque ela é “inoportuna” (Ferreira Leite) e vai ser “um
atirar de lama” num processo em que “não há inocentes” (Bagão
Félix, num momento confessional), sinto imediatamente o estremecer
dos pesos e dos contrapesos. O receio de esclarecer os portugueses,
para “não minar a confiança”, como se a actividade bancária
fosse o Projecto Manhattan, é o colchão em que o “eles são todos
iguais” gosta de se deitar. Se são todos, então não é ninguém.
Isso é inaceitável em democracia – é uma fuga ao escrutínio e à
prestação de contas. Os políticos e os banqueiros não são
crianças inimputáveis. De uma vez por todas: sim, há responsáveis.
E não, não são todos iguais.
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