EDITORIAL / PÚBLICO
O
Bloco de Esquerda disse a palavra tabu
DIRECÇÃO EDITORIAL
26/06/2016 - PÚBLICO
Apesar de ter alguma
rede de segurança, Catarina Martins elevou demasiado a fasquia.
Referendo?
A X Convenção do
Bloco que decorreu este fim-de-semana no pavilhão desportivo do
Casal Vistoso não teve grande história a nível interno. A moção
A, que reúne as principais correntes do BE, a da porta-voz Catarina
Martins, ganhou com larga maioria. Com fraca oposição interna, a
líder, que agora assume sozinha o papel de coordenadora do partido,
falou sobretudo para fora. Até porque a Convenção do partido
acontece num momento de grande turbulência na Europa por causa do
“Brexit” e numa altura em que o partido irmão do Bloco em
Espanha, o Podemos, tenta fazer o “sorpasso” (a ultrapassagem) do
PSOE em votos e mandatos.
Os líderes do Bloco
não escondem que estariam bastante confortáveis em fazer o mesmo em
Portugal ao PS. Assumem, sem timidez, que querem governar. Pedro
Filipe Soares, ao apresentar a moção da direcção, fez a pergunta
e tratou ele próprio de dar a resposta: “Quer o BE ser Governo? A
resposta é: quer ser a força mais forte do Governo de Portugal”.
O BE que apareceu no Casal Vistoso é um Bloco que quer a todo o
custo agarrar e reclamar como suas bandeiras e causas que lhe podem
consolidar e aumentar a base eleitoral, à custa naturalmente de
votos dos socialistas. “Nem mandamos no Governo, nem perdemos as
nossas bandeiras”, asseverou Marisa Matias.
Uma das bandeiras é
a da ideologia. Se em Espanha Pablo Iglesias quer roubar a bandeira
da social-democracia ao PSOE, rebaptizando-a “nova
social-democracia”, por cá o bloquista José Manuel Pureza
arroga-se o direito de dizer ao socialista António Costa o que é
ser e não ser socialista. A outra bandeira é a da luta contra a
austeridade, reclamado para si os louros de medidas simpáticas, como
a da tarifa social da luz e gás. E pelo caderno de encargos que
deixou na Convenção para negociar o Orçamento para 2017 –
aumento real das pensões, descongelamento do indexante de apoios
sociais, investimento público e combate à precariedade –, o PS
bem pode puxar da máquina calculadora se quiser manter o apoio do BE
e ao mesmo tempo os compromissos de Bruxelas.
Nesta luta de
bandeiras, o BE quis na sua convenção hastear mais alto a bandeira
da luta contra as sanções de Bruxelas, mas Catarina Martins
exagerou ao colocar em cima da mesa a possibilidade de um referendo
em Portugal caso a Comissão Europeia concretize as ameaças de
aplicar sanções a Portugal e a Espanha. O BE tenta dar um salto
talvez maior do que a perna, mas sabe que tem uma rede de segurança:
após o “Brexit”, a probabilidade de Portugal ou Espanha serem
alvo de sanções baixou substancialmente, o que permite ao BE
aparecer como grande opositor das sanções sem correr riscos
excessivos. Mas ao colocar de forma extemporânea e quase leviana a
palavra “referendo” à permanência da União Europeia na agenda
nacional, o BE arrisca-se a ficar isolado e a perder não só capital
político, como a destruir a tal imagem de “força mais forte do
Governo de Portugal” que quer construir.
O
referendo que nenhum partido quer
LILIANA VALENTE
26/06/2016 – PÚBLICO
Partidos
não perceberam muito bem a intenção do BE, mas todos recusam
referendo nesta altura.
O que é o referendo
proposto pelo BE? Nenhum partido percebeu muito bem a intenção dos
bloquistas, mas nenhum concorda com um referendo sobre a Europa (seja
sobre o que for) nesta altura. E da direita à esquerda houve quem
falasse em "chantagem" à União Europeia numa altura em
que deve ser mostrada união.
"Não é
correcto instrumentalizar os portugueses num quadro de alguma
guerrilha política com a União Europeia por causa de sanções. É
nesses termos que leio essa proposta", disse aos jornalistas
Passos Coelho, depois da reunião com o primeiro-ministro sobre o
Conselho Europeu desta semana, que terá o “Brexit” em cima da
mesa para discussão.
Desta vez os
partidos estavam todos na mesma lógica e até acertados com a
posição do Governo. "Não estamos em momentos de referendos. O
que há que evitar é uma febre referendária", acabou por
sintetizar a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida
Marques.
A primeira a falar
sobre o assunto foi Assunção Cristas que recusou dar apoio a um
referendo em Portugal, respondendo a uma interpretação das palavras
de Catarina Martins na convenção do BE.
“Não há nada
para referendar”, disse a líder do CDS aos jornalistas no final da
reunião com o primeiro-ministro António Costa sobre o Conselho
Europeu desta semana . A centrista ainda acrescentou que a posição
do BE tem sido a defendida lá fora “por forças mais extremas quer
de direita quer de esquerda”.
Mas a recusa passou
também pela esquerda. Se o PCP decidiu não falar depois dos
encontros com Costa, os Verdes saíram do encontro com o
primeiro-ministro e disseram que não perceberam bem sobre o que é o
referendo do Bloco de Esquerda, mas têm como posição de princípio
que “o instrumento do referendo é uma coisa demasiado séria para
ser entendido como forma de chantagem”, disse a deputada do PEV,
Heloísa Apolónia.
Para a deputada do
PEV a proposta do BE não foi clara: “O referendo incidiria sobre o
quê? Proposta muito abstracta, não foi explicada ao país. Temos
dúvidas sobre a forma como ela foi colocada”, defendeu.
Também o PAN não
concorda com um referendo: "A opção por um referendo não vai
resolver em nada os problemas que estão a afastar Portugal da
Europa", disse o deputado André Silva. "Não se coloca a
questão do referendo. Mas coloca se uma auditoria à nossa dívida",
defendeu.
Nota: Artigo
actualizado às 20h00 com a posição de todos os partidos.
Se
houver sanções, Europa “declara guerra” a Portugal e BE põe
referendo na mesa
SÃO JOSÉ ALMEIDA e
MARIA JOÃO LOPES 26/06/2016 - PÚBLICO
No
OE2017, Catarina Martins vai negociar o aumento real das pensões e
dos apoios sociais à infância, idosos e desempregados.
Se houve pergunta
feita a dirigentes bloquistas durante este fim-de-semana, em que
decorreu a X Convenção do partido, foi esta: também defendem um
referendo como no Reino Unido? As respostas foram redondas e ambíguas
o suficiente para a agora coordenadora única do BE Catarina Martins
sentir necessidade de responder à questão no discurso de
encerramento. E o que disse foi que, se a Comissão Europeia aplicar
sanções a Portugal por incumprimento do défice, está a declarar
guerra a Portugal e que, nesse caso, poderá pôr-se “na ordem do
dia um referendo para tomar posição contra a chantagem”.
Catarina Martins
quis pôr os pontos nos is e disse: “Eu sei que nos perguntam se
queremos este referendo agora. Aqui têm uma resposta clara. Não
metemos nunca nenhum direito democrático em nenhuma gaveta. Virá
esse dia do referendo.” Em algumas partes do discurso os aplausos
eram tantos que nem deixavam ouvir as afirmações seguintes, isto
numa convenção em que o Syriza foi assobiado e o bloquista João
Semedo, que sai da Mesa Nacional por vontade própria, homenageado
com palavras de agradecimento e ovacionado de pé.
Mas voltemos às
declarações de Catarina Martins sobre se o BE defende ou não um
referendo como o que aconteceu no Reino Unido. A dirigente que já
tinha remetido a hipótese desse referendo para o futuro, traçou
prioridades: “Sete meses depois do acordo com o Governo, hoje,
amanhã e nos dias seguintes, queremos continuar a pôr a casa em
ordem”, o que significa continuar a repor rendimentos e travar a
austeridade.
Mais à frente
deixou, no entanto, um “aviso claro”. A saber: “A União
Europeia não nos vai continuar a pisar. No próximo Conselho
Europeu, o Governo português deve ter uma prioridade: a recusa das
sanções com que a Comissão Europeia ameaça Portugal.” Se,
continuou, a Comissão Europeia tomar a iniciativa “gravíssima de
aplicar uma sanção inédita e inaceitável e provocatória a
Portugal, pelo mau desempenho das contas de Passos Coelho e Maria
Luís Albuquerque, entre 2013 e 2015, enquanto aplicaram as medidas
da troika”, está a declarar “guerra a Portugal”. Mais: se usar
isso para “pressionar” o Orçamento do Estado para 2017,
“exigindo mais impostos, declara guerra a Portugal e, neste caso,
Portugal só pode responder recusando as sanções, recusando o
arbítrio, e anunciando que está disposto a pôr na ordem do dia um
referendo para tomar posição contra a chantagem”. Foi isto que
Catarina Martins disse.
Mas também isto: o
Bloco “é e será europeu e internacionalista”, embora sempre em
oposição à "finança que despreza as pessoas”. Para
Catarina Martins, “o pior” da União Europeia são as suas
chefias: “São perigosos e mostram todos os dias que estão
dispostos a destroçar a Europa para aguentar uma política que
assusta os povos.” Catarina Martins afirmou ainda que é preciso
“reconstruir os instrumentos de soberania” e que o país tem de
estar preparado para todos os cenários: saída do euro, fim do euro
“ou mesmo desagregação da União Europeia”. Para a
coordenadora, a escolha “não é entre estarmos dominados ou
isolados”. Outras novidades foram a proposta de realização,
dentro de um ano, de uma Assembleia Europeia das Alternativas, se for
em Lisboa, o BE está disposto a ser o anfitrião.
A reacção do
Governo à palavra “referendo” usada por Catarina Martins não se
fez esperar. Presente na Convenção, o secretário de Estado dos
Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, disse à Lusa que este não
é “o tempo para referendos”, mas para “defendermos uma Europa
capaz de responder aos problemas sentidos pelos povos europeus”,
isto apesar de as “inquietações que o BE revela sobre a União
Europeia” serem partilhadas pelo Governo, ressalvou. Também à
Lusa, a secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Martins,
afastou cenários de referendos e não comentou as propostas
orçamentais do BE para 2017. Até o PCP, pela voz de Armindo
Miranda, considerou que o referendo “não é a questão de fundo”,
mas sim “trazer para Portugal a soberania perdida”.
Na segunda parte do
discurso, Catarina Martins voltou-se para OE2007. Anunciou que o
partido vai defender, nas negociações, o aumento real das pensões
e o descongelamento do Indexante de Apoios Sociais para aumentar as
prestações sociais – os apoios sociais à infância, idosos e
desempregados.
As pensões são um
dos temas que está a preocupar a bloquista, e pelo qual “é
preciso fazer mais”. “Por força da lei vigente, o aumento das
pensões está indexado à inflação e ao Produto Interno Bruto. Em
tempos de crise, como o actual, essa fórmula de cálculo faz com que
o descongelamento só signifique poucos cêntimos por mês, mesmo em
relação às pensões mais baixas”, lamentou.
Nesta convenção,
foram apresentadas três moções. A vencedora, com 444 votos, foi a
A, subscrita pelas principais correntes do BE, a de Catarina Martins
e do líder parlamentar Pedro Filipe Soares. A moção R, liderada
por Catarina Príncipe, teve 58 votos e a B, de João Madeira, 32.
Catarina Martins passará a ser formalmente a coordenadora do BE.
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