“Brexit”
fulmina a campanha e abre novas incógnitas
“Em
qualquer caso domina a incerteza. A Espanha de 2016 dá vontade de
citar Churchill a propósito da Rússia de 1939: “É uma adivinha
embrulhada num mistério dentro de um enigma.”
JORGE ALMEIDA
FERNANDES 26/06/2016 – PÚBLICO
Na sexta-feira, o
“Brexit” irrompeu na campanha eleitoral. Cito o El País: “O
‘Brexit’, e a tormenta económica e financeira que desencadeou,
estalou finalmente na cara de todos os partidos. Um assunto ignorado
na campanha acaba por se tornar em questão central nas suas últimas
horas.” Que efeito terá no voto, tanto mais que os “países
periféricos” do Sul — Itália, Espanha e Portugal — parecem
ser os mais imediatamente ameaçados?
Os especialistas
davam como estáveis as últimas sondagens, com a relativa
consolidação do modelo de quatro partidos dominantes e com menos
indecisos do que em Dezembro. Mesmo que a “tormenta” pouco pese
na votação, o “Brexit” terá influência relevante nas
negociações de governo. Será determinante no momento pós-eleições,
impondo o debate entre estabilidade e ruptura.
À primeira vista,
olhando a campanha, o problema das alianças permanece tão insolúvel
quanto em Fevereiro e Março passados. A escutar os partidos, todos
os cenários são de bloqueio. Há no entanto um facto novo: ao
contrário da fase anterior, em que novas eleições eram encaradas
como única forma de desfazer o nó, a simples ideia de “terceiras
eleições” é hoje um cenário inadmissível. E mais ainda depois
do “Brexit”.
Cenários de
bloqueio
Voltemos atrás. Se
os partidos multiplicam os pactos a nível local e autonómico, por
que o não farão a nível nacional? A dificuldade dos líderes
partidários reside no preço a pagar pelas alianças. Explica o
politólogo Lluís Orriols que o sistema partidário é ainda
instável. “Os políticos (...) antecipam que os pactos podem ter
importantes consequências para um eleitorado ainda muito volátil.
Se não fosse isto, o PSOE não teria provavelmente tantas
resistências em procurar um qualquer tipo de acordo com, por
exemplo, o PP.”
O caso do PSOE é
dramático. O Podemos fez do “sorpasso” (a ultrapassagem do PSOE
em votos e mandatos) o eixo da sua estratégia. Por isso se aliou à
Esquerda Unida (IU) na frente Unidos Podemos (UP). O socialista Pedro
Sánchez não tem nenhuma boa escolha. Entrar num governo das
esquerdas presidido por Pablo Iglesias é uma hipótese encarada como
suicidária. O Podemos disputa não só o espaço político dos
socialistas como se apresenta agora como a “nova social-democracia”
para substituir a “velha”, o que enfurece os socialistas. Se o
PSOE resistia a fazer uma aliança com o Podemos quando lhe era
superior em votos e deputados, muito menos o pode fazer em
inferioridade.
As alternativas
passam pelo PP, sob vários modelos — desde a abstenção do PSOE
perante um executivo PP-Cidadãos a uma “grande coligação”
PP-PSOE-Cidadãos, que poderia vir a ser presidida por um
independente, o chamado “modelo Monti”. Todos os cenários
pressupõem o afastamento de Rajoy, cuja companhia se tornou “tóxica”
para todos os partidos.
Adverte o politólogo
Jorge Galindo: “A Espanha necessita de reformas económicas e
institucionais. Para as realizar, seria necessário um executivo de
consenso, com base no centro e com capacidade política,
protagonizado pelo PP e com o acordo do PSOE e do Cidadãos. (...)
Mas esta solução não sairia grátis aos defensores das reformas e
da moderação.” Porquê? Deixaria ao Podemos o monopólio da
oposição. “Os acordos entre os partidos tradicionais acabam por
alimentar o discurso anti-establishment dos que ficam de fora.”
O PP e o Podemos
conseguiram polarizar as eleições, de modo a maximizar os seus
resultados e diminuir o peso do Cidadãos e do PSOE. O PP
apresentando-se como o “voto útil” contra a ameaça do Podemos.
Este batendo-se como “único voto útil” contra Rajoy e o PP.
Que quer Iglesias?
Se Sánchez se
recusou a indicar as suas preferências de alianças antes de
conhecer nos resultados, também os desígnios imediatos de Iglesias
são enigmáticos. A incógnita não é saber se Iglesias quer o
poder: é saber quando quer chegar ao poder. Vários analistas
defendem que ainda não lhe convém presidir ao governo, porque lhe
falta um verdadeiro partido (o UP, juntando o Podemos, as
“confluências regionais e a IU) é uma confederação de
interesses contraditórios. Tem uma extraordinária máquina
eleitoral mas não tem uma equipa de governo credível.
O que é fundamental
para Iglesias — e será testado na eleição de hoje — é o
“sorpasso” do PSOE, para garantir a hegemonia da esquerda. Se
houver uma maioria das esquerdas, Iglesias responsabilizará o PSOE
pela inviabilização de um “governo de mudança” e usará o
argumento do “não nos representam”.
Diz o politólogo
Ignacio Jurado: “Que o Podemos não force governar agora, para
conseguir a hegemonia da esquerda em próximas eleições, não é
uma má estratégia, tendo em conta os cortes que nos estão a exigir
em Bruxelas para o ano que vem.”
Incerteza
Este era o quadro
antes do “Brexit”. Os partidos reagiram a quente no encerramento
das campanhas, mas ninguém sabe prever os efeitos. Fazem-se
vaticínios e exprimem-se desejos. O PP espera beneficiar do “voto
útil na estabilidade política”. O Podemos manifestou algum
incómodo. Iglesias quer “refundar la UE” para a tornar
“atractiva os povos da Europa”, mas o seu responsável económico,
Nacho Álvarez, protestou contra os concorrentes: “Não utilizem os
resultados do referendo para fazer campanha em Espanha.” Quem mais
fé tinha no impacto do “Brexit” era o PSOE, esperando “uma
surpresa” que evite o fatídico “sorpasso”. Diz um coordenador
da campanha que o “espectro esquerdista ajuda a mobilizar votos a
nosso favor”.
Uma das razões que
torna difícil um benefício “natural” para os “moderados” é
que a grande ruptura é a geracional e não a ideológica. A grande
maioria dos espanhóis situa-se no “centro”. Como lêem os jovens
o “Brexit” e como vão reagir ao risco de nova crise? O
verdadeiro impacto do “Brexit”, repita-se, vai verificar-se
depois das eleições. Perante a tormenta europeia é necessário
governo e os políticos não terão outro remédio senão fazer os
pactos indispensáveis.
Em qualquer caso
domina a incerteza. A Espanha de 2016 dá vontade de citar Churchill
a propósito da Rússia de 1939: “É uma adivinha embrulhada num
mistério dentro de um enigma.”
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