A Manhattan flutuante
ANTÓNIO SÉRGIO
ROSA DE CARVALHO 03/03/2016 – PÚBLICO
Vamos
ter garantida, mesmo em frente a Alfama, a dominadora e esmagadora
omnipresença de uma verdadeira Manhattan.
Há alguns anos
atrás, a possível construção da Manhattan de Cacilhas, preocupava
aqueles que se indignavam com a possibilidade de ver crescer na
Margem Sul, mesmo em frente ao Centro Histórico, uma selva de torres
que iriam dominar e esmagar o horizonte de Lisboa.
No entanto, com o
completar em breve do Terminal de Cruzeiros vamos ter garantida,
mesmo em frente a Alfama, a dominadora e esmagadora omnipresença de
uma verdadeira Manhattan, constituída por colossos flutuantes em
volume e altura, com uma capacidade gigantesca e renovada de despejar
avalanches de turistas, confirmadoras da transformação de Lisboa
numa Monocultura e da sua redução a uma Monofuncionalidade.
Veneza tornou-se no
exemplo extremo de como uma Turistificação maciça pode destruir
toda a autenticidade e identidade de uma cidade.
Assim, a população
residente de Veneza foi reduzida a 59.000 habitantes. No entanto,
recebe num dia de Verão 130.000 turistas. Veneza recebe anualmente
entre 14 a 15 milhões de habitantes.
Todo o edificado do
centro histórico foi transformado em residência secundária de
aposentados milionários ou está ao serviço da residência
turística, seja em hotéis ou residência temporárias.
É quase impossível
de encontrar uma loja de comércio local.
Veneza luta há anos
contra os navios de cruzeiros de alta tonelagem, e, depois de uma
breve vitória em Novembro de 2014, onde parecia que os mesmos iriam
ser banidos do Centro, com o desenvolvimento de um porto alternativo,
a nomeação de um novo presidente da Câmara anulou esta aparente
vitória.
Enquanto Fernando
Medina afirma que o centro histórico está a ser recuperado e Manuel
Salgado se declara impotente, depois de ter entregue a cidade aos
especuladores, todos os dias recebemos notícias confirmadoras de que
o mesmo processo se está a desenrolar em Lisboa.
A sede do Diário de
Notícias, a da antiga Rádio Renascença, o edifício do Brás e
Brás, o Palácio Costa Cabral, etc., etc., numa interminável lista
crescente.
Vem agora a CML
declarar oficialmente a intenção de implementar o seu programa de
Lojas com História acrescentando ao seu conselho consultivo, um
grupo de trabalho a fim de analisar, com rigor, caso a caso, os
processos.
Ora atenção a esta
formulação: O grupo de trabalho será chamado a emitir um “parecer
prévio não vinculativo” quando estiverem previstas “operações
urbanísticas que tenham impacto directo sobre as lojas
distinguidas”. Um parecer, portanto, Não Vinculativo.
Isto mereceu
comentários e moções na Assembleia Municipal, assim como as
perguntas das Juntas de Freguesia sobre o efeito da Turistificação
e Gentrificação para as populações locais, e as perguntas do
Público ao Vereador Manuel Salgado sobre o prometido relatório
sobre os efeitos dos excessos de Turismo sobre a cidade, ficaram sem
resposta.
Aguarda-se e
espera-se agora do Conselho Consultivo e do Grupo de Trabalho do
programa Lojas com História (ou é isto a mesma coisa?) um rigor e
uma exigência confrontadora, uma consciência portanto, do perigo de
neutralização por integração que a sua missão implica.
Estes grupos de
notáveis e conhecedores têm portanto uma grande responsabilidade.
Especialmente, na
tradição de um País que não ousa exigir ou confrontar, habituado
a uma dependência sistemática, e aqui, também “flutuante”.
A frase que ficou
nestes dias foi a proferida em síntese por António Coimbra de
Matos: “Somos um País de Medrosos”.
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