Queremos
acabar com este abuso
JOANA MORTÁGUA
10/05/2016 - PÚBLICO
O
Estado tem andado a pagar uma renda de milhões aos donos de colégios
privados sem qualquer razão.
Não deixa de ser
engraçado que Pedro Passos Coelho tenha escolhido as palavras
“transparência” e “ensino público de qualidade” para atacar
alterações aos contratos de associação que vão produzir –
imagine-se – mais transparência e ensino público de qualidade.
Confuso? É normal, este debate tem sido insuflado por falsas
polémicas, argumentos contraditórios e inverdades alarmistas. Vamos
a elas.
Comecemos pelas
liberdades e obrigações. Há 40 anos a Constituição passou a
obrigar o Estado a criar uma rede de estabelecimentos públicos de
educação que cubra as necessidades de toda a população. Os
constituintes acharam, e bem, que era a única forma de garantir o
direito à educação em condições de igualdade. Preferir o modelo
da iniciativa privada seria assumir que se conservaria em democracia
uma das maiores iniquidades da ditadura.
A mesma constituição
reconheceu a liberdade de criar e frequentar escolas cooperativas,
privadas ou confessionais. Isto quer dizer que a única coisa que
impede a liberdade de um aluno frequentar um colégio privado é a
liberdade do colégio para não o aceitar. Essa liberdade deve ser
respeitada, mas a obrigação do Estado não é financiar a
existência das escolas que surgem por iniciativa privada, é
garantir que existem em todo o país Escolas de qualidade que não
recusam ninguém. A obrigação do Estado é a Escola Pública.
Os contratos de
associação decorrem desta obrigação. Quando o Estado identifica
uma área onde a oferta pública não é suficiente, paga a um
colégio para receber os alunos que não tiveram vaga na Escola
Pública. Não se trata de liberdade de escolha das famílias, porque
é o Estado quem identifica as carências e escolhe os colégios.
Há escolas privadas
que exercem este serviço público de forma exemplar, compreendendo
que o financiamento que recebem não é um subsidio à sua
existência, mas o justo pagamento de um serviço que prestam ao
Estado. Porém, ao longo do tempo, a transparência sobre a
justificação de cada um destes contratos desapareceu.
Em 2015, o Governo
de Pedro Passos Coelho abriu um “concurso” para os inícios de
ciclo (5.º, 7.º e 10.º) em que determinou, em cada freguesia, o
número de turmas a abrir. Como o fez não sabemos, mas gostaríamos
de supor que tenha sido com base na carência de oferta pública e
não por outras razões. A medida não desagradou aos colégios que,
na sua imensa maioria, são os únicos na respetiva freguesia e viram
serem-lhe atribuídas as turmas pretendidas sem terem de se inquietar
com a concorrência.
O Ministério da
Educação veio agora clarificar critérios relativamente à abertura
de turmas de início de ciclos para 2016/2017, dizendo duas coisas:
primeiro, se a justificação do contrato é a carência naquela
freguesia então os colégios não podem percorrer o concelho ou o
distrito para ir buscar alunos que têm vaga na Escola Pública e
desta forma abrirem mais turmas pagas a 80.500 euros cada. Ou seja,
não vale desviar alunos da escola pública para receber mais
dinheiro do Estado. Segunda, a determinação do número de turmas a
abrir em cada início de ciclo não depende de qualquer mão
invisível, mas da análise das carências existentes na respetiva
freguesia. Ou seja, os contratos de associação não são uma renda
garantida a determinados colégios só porque sim.
A maior falta de
“transparência” e de rigor sobre os dinheiros públicos é terem
sido atribuídas dezenas de turmas a colégios de Coimbra quando as
Escolas Públicas têm capacidade para mais de 30 turmas. O maior
ataque ao “ensino público de qualidade” é milhões de euros dos
nossos impostos estarem a ser desviados da Escola Pública para os
colégios privados.
Infelizmente,
Coimbra não é exceção. Há dezenas de Escolas Públicas a
esvaziarem-se de alunos e a despedirem pessoas enquanto o Estado paga
80.500 euros ao privado para aceitar cada turma que tem lugar na
escola pública por menos 30 mil euros. O abuso sai-nos caro está a
destruir a Escola Pública.
As garantias estão
dadas: nenhuma criança abandonará a sua turma a meio do ciclo,
apenas se adotaram critérios mais responsáveis sobre a abertura de
novas turmas de início de ciclo. Só deixarão de ser abertas
aquelas em que as crianças tenham lugar numa Escola perto de si e
com qualidade.
Desmistificados os
argumentos só podemos concluir que todo o ruído é para calar uma
verdade simples: o Estado tem andado a pagar uma renda de milhões
aos donos de colégios privados sem qualquer razão. O motivo da
indignação? Querermos acabar com este abuso.
Deputada do Bloco de
Esquerda
"Contribuintes
estão a pagar ensino que não é o dos seus filhos"
Miguel
Sousa Tavares diz ter muitas dúvidas sobre a polémica do ensino
privado.
“Assim
sendo, não percebo qual o fundamento politico e ético de os
contribuintes contribuírem para o ensino que não é o dos seus
filhos”, atirou.
Miguel
Sousa Tavares analisou a polémica sobre o ensino privado, assumindo
que o próprio foi “apanhado de surpresa pela dimensão” do
assunto e da quantidade de escolas e alunos envolvidos, bem como do
investimento financeiro feito.
Lembrando
que a lei obriga o Estado a contribuir para o ensino privado apenas
nos lugares em que não existem escolas públicas, o comentador da
SIC questiona o porquê de o Estado estar a pagar quando existe
“capacidade de oferta necessária e suficiente”.
“Assim
sendo, não percebo qual o fundamento politico e ético de os
contribuintes contribuírem para o ensino que não é o dos seus
filhos”, atirou.
in Notícias ao Minuto / 11-5-2016
Sem comentários:
Enviar um comentário