Segundo resgate poderia chegar aos 50 mil milhões de euros
Em Bruxelas, um eventual novo programa português é visto como mais duro no primeiro ano, antecipando o impacto de eleições em 2015. Os credores preferirão trabalhar com o actual Governo
As necessidades de financiamento que Portugal terá
ainda de assegurar entre o início do próximo ano e o final de 2017 ascendem, de
acordo com as contas feitas pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida
Pública (IGCP), a 53.100 milhões de euros. Este valor pode ser uma referência
para se perceber qual a dimensão que um segundo pacote de empréstimos da troika
a Portugal poderia vir a ter.
Segundo uma apresentação feita pelo IGCP a investidores durante este mês,
Portugal precisa de, logo em 2014, assegurar um financiamento adicional de 8200
milhões. Este valor serve para complementar os 8000 milhões que serão ainda
entregues pela troika nas últimas tranches do actual programa e os 4700
milhões de excedentes de tesouraria com que o Tesouro português deverá contar no
início do próximo ano.À partida, num cenário de regresso aos mercados, este financiamento adicional seria garantido através de emissões de títulos de dívida pública, podendo cerca de metade dos 8200 milhões ser assegurada pelo aumento da exposição do fundo de estabilização financeira da Segurança Social à dívida pública.
Mas se Portugal não regressar aos mercados e o segundo resgate for activado, estes 8200 milhões já terão de ser assegurados por novos empréstimos da troika. Em 2015, este valor sobe para 18.600 milhões, sendo de 14.200 milhões em 2016 e 12.100 milhões em 2017. No total, são 53.100 milhões durante os próximos três anos, um prazo provável para um eventual novo programa.
Esta projecção de necessidades de financiamento do IGCP é feita com base numa evolução do défice público em linha com aquilo que é esperado pelo Governo e a troika. Se as metas do défice forem revistas ou se forem encontradas novas necessidades de financiamento, por exemplo, a empresas públicas e ao sector bancário, o valor para um segundo resgate poderia ser diferente.
Além disso, do primeiro pacote, sobram neste momento 6200 milhões reservados para a capitalização do sector bancário e cujo destino a ser dado no fim do programa se desconhece. O montante final de um eventual segundo programa dependerá também das expectativas de acesso parcial aos mercados que possa haver para Portugal nos próximos anos.
O cenário de um segundo resgate a Portugal tem vindo a ganhar força nos últimos meses. Ontem, o PÚBLICO noticiou que a necessidade de um segundo programa para Portugal era, em Bruxelas, vista como "largamente inevitável". O Ministério das Finanças negou "que estejam em curso quaisquer negociações ou referências de qualquer tipo em relação a um segundo programa de resgate a Portugal", e a Comissão Europeia reagiu no mesmo sentido. O ministério liderado por Maria Luís Albuquerque garante que "o Governo está a trabalhar com os representantes da CE, BCE e FMI no âmbito da actual missão em curso para garantir a sua conclusão com sucesso nos próximos dias".
Mais duro
Ao PÚBLICO, várias fontes europeias envolvidas no actual programa de ajuda falam da elevada probabilidade de um novo programa e sublinham que um eventual segundo resgate a Portugal será ainda mais duro do que o actual em termos de exigência de redução das despesas públicas e reformas económicas.
Este endurecimento resulta em grande parte da perspectiva das eleições legislativas de Junho de 2015, que levará as instituições da troika e os governos do euro a concentrar o essencial do "trabalho de casa" no início do programa. As eleições "serão um elemento determinante" na definição de um eventual novo resgate, referiu uma das fontes ouvidas pelo PÚBLICO.
A lógica subjacente a esta opção é que, não sabendo o que acontecerá a seguir a Junho de 2015, os credores quererão garantir o cumprimento das medidas do programa com o actual Governo. Portugal também enfrentará uma alteração drástica do estado de espírito dos governos do euro, que até há pouco demonstravam uma boa vontade inabalável relativamente a um país que era visto, tal como a Irlanda, como cumpridor dos compromissos.
Esta boa imagem ficou abalada com as divisões internas no Governo sobre a execução do programa, a crise política do Verão e a demissão de Vítor Gaspar de ministro das Finanças, que era visto como o garante dos compromissos assumidos. "Se Portugal precisar de mais empréstimos, será uma constatação de fracasso, e isso ninguém vai assumir de ânimo leve", vincou outra fonte europeia ouvida pelo PÚBLICO, prevendo uma deterioração do tom que será usado com Portugal.
O endurecimento da posição da troika já está, aliás, a marcar o acompanhamento do actual programa, e será agravado à medida que crescer a convicção dos credores de que Portugal não conseguirá regressar ao financiamento no mercado a partir de Junho de 2014.
FMI preocupado com dívida
O grande risco que é temido em Bruxelas, mas igualmente em Lisboa, é que o FMI imponha como condição à sua participação no segundo resgate uma reestruturação da dívida portuguesa, como aconteceu na Grécia para a trazer para níveis sustentáveis. O Fundo tem vindo a pressionar nesse sentido, uma postura que poderá ser reforçada com as suas admissões recentes de que a dose de austeridade prevista nos programas de ajuda será excessiva.
Do lado da zona euro, porém, o cenário de uma nova reestruturação de dívida está "totalmente fora de questão", devido aos riscos de contágio aos outros países periféricos. "Toda a gente disse que a Grécia era um caso absolutamente único por boas razões: se houver alguma dúvida sobre isso, nunca mais ninguém voltará a comprar títulos [de dívida] de Portugal, Espanha ou Irlanda", sublinha outra fonte.
Mesmo assim, o FMI estará nestas negociações em posição de força, porque sem a sua participação não poderá haver resgate por imposição de alguns governos do euro. Sabe-se já que a participação do FMI será reduzida de um terço do actual pacote total de 78.000 milhões para um valor a rondar os 10% de um futuro resgate.
O novo programa também não incluirá uma nova extensão dos prazos dos empréstimos europeus que foram prolongados em Abril para uma duração média de 20 anos (contra 30 anos na Grécia), referiu uma das fontes ouvidas pelo PÚBLICO. Nem incluirá, em caso algum, qualquer tipo de perdão dos empréstimos da zona euro, uma possibilidade que chegou a ser referida ao de leve para a Grécia, mas que está, agora, fora de questão.
O segundo resgate poderá em contrapartida incluir algum tipo de utilização dos fundos estruturais para financiar algumas reformas da economia, como está a ser pensado para o terceiro pacote de ajuda à Grécia. O Reino Unido, que não é membro do euro e recusa participar nos empréstimos aos países em dificuldades, tem vindo a resistir a esta eventualidade. Isto porque sendo os fundos estruturais fornecidos pelo orçamento da União Europeia, a sua utilização nos programas de ajuda significaria que todos os países-membros estariam a ajudar Atenas ou Lisboa, o que Londres recusa.
Marcel Fratzscher preside ao DIW, um dos principais think tanks |
Marcel Fratzscher O presidente do DIW diz que os alemães não vêem Portugal
como uma segunda Grécia, mas que não se deve esperar mais da Alemanha para
combater a crise
Qual será a reacção na Alemanha se tiver que haver um segundo resgate a Portugal?
A população alemã, de uma forma geral, tem neste momento uma fadiga em relação à crise. As pessoas não querem ouvir falar da crise, não querem ouvir falar de mais resgates, de mais dinheiro. E há cada vez mais pessoas a criticar o facto de a Alemanha estar a emprestar tanto dinheiro. Portanto, havendo um novo resgate, vão ser exigidas mais medidas, mais reformas. Ainda assim, temos de distinguir entre os países. A percepção geral na Alemanha em relação a Portugal é muito positiva. Mesmo entre a população.
Não nos vêem como uma segunda Grécia?
Não. A Grécia é vista como um caso muito difícil e as pessoas estão muito pessimistas em relação à possibilidade de todo o dinheiro que foi emprestado ser devolvido. Há uma grande expectativa na Alemanha de que a Grécia vai precisar de uma nova reestruturação da dívida.
E em relação a Portugal?
É mais a de que é um país que está a fazer as coisas bem, que avançou para reformas, que está a reduzir o défice. E por isso, se for necessário um segundo programa em Portugal, eu estou à espera que o Governo alemão, seja ele como for formado, dê o seu acordo.
Acredita que a estratégia da troika pode resultar? Não antevê que, com um desemprego tão alto, a emigração dos mais qualificados e o enorme corte no investimento, se estejam a eliminar as possibilidades de crescimento alto durante muito tempo?
Acho que a troika, no início, cometeu o erro de ser demasiado ambiciosa. Tentou fazer de mais num período de tempo demasiado curto, o que prejudicou de forma muito acentuada o crescimento económico. Alguns desses erros foram corrigidos. Agora a troika estava certa ao dizer: temos de arranjar uma forma de a dívida se tornar sustentável porque os países terão inevitavelmente, a uma determinada altura, de reconquistar o acesso aos mercados. Mas, sem dúvida, neste momento, a questão-chave é como é que se traz o crescimento de volta a países como Portugal e a Grécia. Isso traria emprego e receitas fiscais, o que ajudaria aos objectivos orçamentais.
Como é que se traz esse crescimento de volta?
Na Europa não se discutiu suficientemente uma agenda para o crescimento. É preciso arranjar formas mais ambiciosas de fazer chegar aos países em dificuldades o dinheiro que é preciso para pôr as economias a crescer.
Dinheiro do sector privado ou público?
Os dois. Temos de arranjar incentivos para que mais empresas invistam em países como Portugal, mas também realizar um programa de investimento público a nível europeu. Já é suposto os fundos estruturais dirigirem-se mais para os países em dificuldades, mas tudo isto tem sido demasiado lento e demasiado pequeno para fazer a diferença.
O problema, em Portugal, é convencer alguém a investir quando as perspectivas de procura na economia são tão fracas. Não seria importante flexibilizar mais os défices, reduzir o peso da austeridade?
O problema é saber de onde vem o dinheiro. Portugal não tem acesso aos mercados financeiros e, portanto, isso significaria ter um programa maior do mecanismo de estabilidade e do FMI. E o peso da dívida seria ainda maior. Para o Governo alemão - e também para a sua população - é difícil aceitar que se façam transferências, perdões de dívida. A população alemã não aceitaria isso.
Um perdão de parte da dívida da troika não é um cenário realista para já?
Acho que, para a Grécia, vai ser necessário no final do próximo ano, quando acabar o actual programa. Parece óbvio que a Grécia não vai conseguir aceder aos mercados em 2015 e que a dívida não é sustentável. Portanto, ou se perdoa a dívida ou se reestrutura, através de novos alargamentos de prazos e reduções do juros. Na Alemanha já se começa a discutir isto para a Grécia e pode ser uma oportunidade para Portugal dizer: "Se o fazem para a Grécia, por que não para nós, que até fomos mais bem-sucedidos nas nossas reformas?".
E acha que politicamente é sustentável para os países periféricos?
Eu acredito que há boas hipóteses de Portugal ver algumas bolsas de crescimento no início do próximo ano. Se não acontecer nada de inesperado, vai haver uma melhoria no total da zona euro e isso vai beneficiar também os periféricos. E as pessoas vão poder começar a ver sinais de esperança. O desemprego vai demorar mais a recuperar, com uns seis meses de atraso.
Portugal é um país muito endividado, tanto no sector público como no privado. Vê um país a crescer o suficiente dessa maneira?
Se as reformas estruturais forem bem-sucedidas e houver algum investimento, a competitividade do país aumenta e pode-se crescer através das exportações.
Nesse aspecto, seria bom contar com a ajuda das importações alemãs. Há muitos apelos para que a Alemanha mude a sua política económica, passando a consumir e a investir mais. Isso não teria vantagens também para a própria Alemanha?
A economia está melhor do que o resto da Europa. Recuperou bem da crise de 2009 e teve um grande sucesso em colocar a taxa de desemprego abaixo de 7%. Mas é verdade: no passado, o crescimento foi lento e para o futuro prevejo um crescimento fraco, porque a Alemanha tem um investimento muito baixo. Uma taxa de investimento muito baixa e um nível de poupança muito elevado das famílias são duas características importantes na economia alemã. A taxa de investimento caiu de 17% para 10% agora. É de mais.
E isso é mau só para os seus parceiros ou para a própria Alemanha também?
É mau para a própria Alemanha. Porque isto reflecte uma fragilidade estrutural da economia alemã. É preciso gerar investimento no presente para se poder ter crescimento no futuro e a Alemanha não está a fazer isso.
Essa não é a percepção geral em relação à economia alemã. Habitualmente apenas se fala de sucesso...
E isso preocupa-me muito. Devia haver uma mentalidade de que é preciso fazer mais, mas o ambiente geral é que está tudo muito bem e que não é preciso mudar nada. Na verdade, a economia alemã está bem em comparação com outros países europeus, mas não está bem em termos absolutos. E se estivesse muito melhor também estaria a ajudar a Europa, cresceria mais e importaria mais.
Este sentimento de que tudo está bem explica uma boa parte do recente resultado eleitoral...
Sim, é verdade. A chanceler e o seu partido beneficiaram muito da percepção de que a economia alemã está muito forte, que a crise europeia acalmou. E, por isso, as eleições não foram nada sobre a economia. Foram apenas sobre o tema da redistribuição, se devemos aumentar os impostos sobre os ricos, se é preciso um salário mínimo, se é preciso mais benefícios sociais. A discussão sobre como garantir mais crescimento para a economia e como resolver o problema europeu esteve quase ausente.
Isso significa que das eleições não se deve esperar uma grande mudança de política nessas áreas?
Não espero grandes mudanças, realmente. A grande questão neste momento é quem é que vai ser o partido parceiro da coligação. Isto é complicado porque, a seguir aos dois últimos Governos, os dois partidos que estiveram coligados com Angela Merkel se afundaram.
Por que é que isso aconteceu?
Mostra a capacidade da senhora Merkel em ficar com o crédito dos sucessos do Governo e não assumir a responsabilidade pelo que não correu bem. Em 2009, foi a resposta à crise financeira, e agora foi a acalmia da crise do euro.
A escolha do parceiro de coligação não terá influência nas políticas económicas e para a Europa?
Não espero, independentemente do parceiro, grandes mudanças, nomeadamente na política europeia. Nos últimos anos, tanto o SPD como os Verdes estiveram de acordo com todas as principais decisões a nível europeu.
E a questão da redistribuição, não é uma questão importante para a Alemanha?
Sim. A Alemanha conseguiu trazer a taxa de desemprego de 12% para um valor abaixo de 7% durante a crise financeira. Isso é um grande sucesso, mas foi feito à custa de muito trabalho temporário. Muito do emprego adicional que foi gerado foi em empregos mal pagos, precários, temporários e a tempo parcial. E penso que o pensamento agora vai ser o de, depois da queda do desemprego, tornar estes trabalhos mais seguros, permanentes e bem pagos. A desigualdade do rendimento na Alemanha, apesar de ainda estar abaixo da média da OCDE, tem vindo a subir.
Com a nova coligação, é de esperar mudanças de política a esse nível? No salário mínimo, por exemplo?
Tanto o SPD como os Verdes defendem a introdução de um salário mínimo e isso está certamente na mesa das negociações para a criação de um novo Governo. E a própria Angela Merkel já deu sinais dentro do seu partido de que ia aceitar essa opção. E outras políticas também serão discutidas, como o aumento dos impostos sobre os mais ricos, a redução da carga fiscal sobre a classe média e o incentivo a contratos de trabalho mais permanente. E depois há o tema da energia, com objectivos muito ambiciosos para a utilização de energias alternativas e para a redução dos custos energéticos.
Acha que medidas como a introdução do salário mínimo podem ter um impacto significativo nos níveis de consumo na Alemanha e, portanto, na procura que chega aos países periféricos?
Não terá um grande impacto no consumo. No DIW publicámos um relatório sobre o que é que um salário mínimo significará e concluímos que 17% dos assalariados podem ser afectados pela introdução de um salário mínimo ao nível daquele que é proposto pelo SPD, de 8,5 euros [por hora]. No entanto, muitas dessas pessoas recebem actualmente benefícios que, em parte, deixariam de receber com o aumento salarial. O verdadeiro impacto no rendimento disponível das pessoas seria apenas de um terço do aumento dos salários. Por isso, o impacto na economia será relativamente pequeno e estou preocupado com o que irá acontecer ao emprego. Poderá haver pessoas despedidas.
Portanto, na periferia, não devemos contar com grandes mudanças de velocidade no crescimento na Alemanha para ajudar a procura nas nossas economias?
Eu gostava de ser optimista. Tenho recomendado muito ao Governo e tentado passar a ideia para a opinião pública de que precisamos de uma agenda de investimento na Alemanha. A proposta do DIW tem sido a de mais 3% de investimento - público e privado - por ano. Isso teria um grande impacto. As nossas estimativas apontam para que o crescimento potencial na Alemanha passe de 1% para 1,6%. E isso teria um efeito positivo para o resto da Europa. Não seria gigantesco, não podem esperar tanto, mas contribuiria para que a Alemanha pudesse importar mais e, assim, ajudar as exportações dos outros países.
Marcel Fratzscher é presidente do DIW, um dos
principais think tanks alemães. Está preocupado com a evolução futura da
economia alemã e avisa que os países periféricos não devem esperar uma mudança
de políticas significativa por parte de Merkel e do seu novo Governo.
Qual será a reacção na Alemanha se tiver que haver um segundo resgate a Portugal?
A população alemã, de uma forma geral, tem neste momento uma fadiga em relação à crise. As pessoas não querem ouvir falar da crise, não querem ouvir falar de mais resgates, de mais dinheiro. E há cada vez mais pessoas a criticar o facto de a Alemanha estar a emprestar tanto dinheiro. Portanto, havendo um novo resgate, vão ser exigidas mais medidas, mais reformas. Ainda assim, temos de distinguir entre os países. A percepção geral na Alemanha em relação a Portugal é muito positiva. Mesmo entre a população.
Não nos vêem como uma segunda Grécia?
Não. A Grécia é vista como um caso muito difícil e as pessoas estão muito pessimistas em relação à possibilidade de todo o dinheiro que foi emprestado ser devolvido. Há uma grande expectativa na Alemanha de que a Grécia vai precisar de uma nova reestruturação da dívida.
E em relação a Portugal?
É mais a de que é um país que está a fazer as coisas bem, que avançou para reformas, que está a reduzir o défice. E por isso, se for necessário um segundo programa em Portugal, eu estou à espera que o Governo alemão, seja ele como for formado, dê o seu acordo.
Acredita que a estratégia da troika pode resultar? Não antevê que, com um desemprego tão alto, a emigração dos mais qualificados e o enorme corte no investimento, se estejam a eliminar as possibilidades de crescimento alto durante muito tempo?
Acho que a troika, no início, cometeu o erro de ser demasiado ambiciosa. Tentou fazer de mais num período de tempo demasiado curto, o que prejudicou de forma muito acentuada o crescimento económico. Alguns desses erros foram corrigidos. Agora a troika estava certa ao dizer: temos de arranjar uma forma de a dívida se tornar sustentável porque os países terão inevitavelmente, a uma determinada altura, de reconquistar o acesso aos mercados. Mas, sem dúvida, neste momento, a questão-chave é como é que se traz o crescimento de volta a países como Portugal e a Grécia. Isso traria emprego e receitas fiscais, o que ajudaria aos objectivos orçamentais.
Como é que se traz esse crescimento de volta?
Na Europa não se discutiu suficientemente uma agenda para o crescimento. É preciso arranjar formas mais ambiciosas de fazer chegar aos países em dificuldades o dinheiro que é preciso para pôr as economias a crescer.
Dinheiro do sector privado ou público?
Os dois. Temos de arranjar incentivos para que mais empresas invistam em países como Portugal, mas também realizar um programa de investimento público a nível europeu. Já é suposto os fundos estruturais dirigirem-se mais para os países em dificuldades, mas tudo isto tem sido demasiado lento e demasiado pequeno para fazer a diferença.
O problema, em Portugal, é convencer alguém a investir quando as perspectivas de procura na economia são tão fracas. Não seria importante flexibilizar mais os défices, reduzir o peso da austeridade?
O problema é saber de onde vem o dinheiro. Portugal não tem acesso aos mercados financeiros e, portanto, isso significaria ter um programa maior do mecanismo de estabilidade e do FMI. E o peso da dívida seria ainda maior. Para o Governo alemão - e também para a sua população - é difícil aceitar que se façam transferências, perdões de dívida. A população alemã não aceitaria isso.
Um perdão de parte da dívida da troika não é um cenário realista para já?
Acho que, para a Grécia, vai ser necessário no final do próximo ano, quando acabar o actual programa. Parece óbvio que a Grécia não vai conseguir aceder aos mercados em 2015 e que a dívida não é sustentável. Portanto, ou se perdoa a dívida ou se reestrutura, através de novos alargamentos de prazos e reduções do juros. Na Alemanha já se começa a discutir isto para a Grécia e pode ser uma oportunidade para Portugal dizer: "Se o fazem para a Grécia, por que não para nós, que até fomos mais bem-sucedidos nas nossas reformas?".
E acha que politicamente é sustentável para os países periféricos?
Eu acredito que há boas hipóteses de Portugal ver algumas bolsas de crescimento no início do próximo ano. Se não acontecer nada de inesperado, vai haver uma melhoria no total da zona euro e isso vai beneficiar também os periféricos. E as pessoas vão poder começar a ver sinais de esperança. O desemprego vai demorar mais a recuperar, com uns seis meses de atraso.
Portugal é um país muito endividado, tanto no sector público como no privado. Vê um país a crescer o suficiente dessa maneira?
Se as reformas estruturais forem bem-sucedidas e houver algum investimento, a competitividade do país aumenta e pode-se crescer através das exportações.
Nesse aspecto, seria bom contar com a ajuda das importações alemãs. Há muitos apelos para que a Alemanha mude a sua política económica, passando a consumir e a investir mais. Isso não teria vantagens também para a própria Alemanha?
A economia está melhor do que o resto da Europa. Recuperou bem da crise de 2009 e teve um grande sucesso em colocar a taxa de desemprego abaixo de 7%. Mas é verdade: no passado, o crescimento foi lento e para o futuro prevejo um crescimento fraco, porque a Alemanha tem um investimento muito baixo. Uma taxa de investimento muito baixa e um nível de poupança muito elevado das famílias são duas características importantes na economia alemã. A taxa de investimento caiu de 17% para 10% agora. É de mais.
E isso é mau só para os seus parceiros ou para a própria Alemanha também?
É mau para a própria Alemanha. Porque isto reflecte uma fragilidade estrutural da economia alemã. É preciso gerar investimento no presente para se poder ter crescimento no futuro e a Alemanha não está a fazer isso.
Essa não é a percepção geral em relação à economia alemã. Habitualmente apenas se fala de sucesso...
E isso preocupa-me muito. Devia haver uma mentalidade de que é preciso fazer mais, mas o ambiente geral é que está tudo muito bem e que não é preciso mudar nada. Na verdade, a economia alemã está bem em comparação com outros países europeus, mas não está bem em termos absolutos. E se estivesse muito melhor também estaria a ajudar a Europa, cresceria mais e importaria mais.
Este sentimento de que tudo está bem explica uma boa parte do recente resultado eleitoral...
Sim, é verdade. A chanceler e o seu partido beneficiaram muito da percepção de que a economia alemã está muito forte, que a crise europeia acalmou. E, por isso, as eleições não foram nada sobre a economia. Foram apenas sobre o tema da redistribuição, se devemos aumentar os impostos sobre os ricos, se é preciso um salário mínimo, se é preciso mais benefícios sociais. A discussão sobre como garantir mais crescimento para a economia e como resolver o problema europeu esteve quase ausente.
Isso significa que das eleições não se deve esperar uma grande mudança de política nessas áreas?
Não espero grandes mudanças, realmente. A grande questão neste momento é quem é que vai ser o partido parceiro da coligação. Isto é complicado porque, a seguir aos dois últimos Governos, os dois partidos que estiveram coligados com Angela Merkel se afundaram.
Por que é que isso aconteceu?
Mostra a capacidade da senhora Merkel em ficar com o crédito dos sucessos do Governo e não assumir a responsabilidade pelo que não correu bem. Em 2009, foi a resposta à crise financeira, e agora foi a acalmia da crise do euro.
A escolha do parceiro de coligação não terá influência nas políticas económicas e para a Europa?
Não espero, independentemente do parceiro, grandes mudanças, nomeadamente na política europeia. Nos últimos anos, tanto o SPD como os Verdes estiveram de acordo com todas as principais decisões a nível europeu.
E a questão da redistribuição, não é uma questão importante para a Alemanha?
Sim. A Alemanha conseguiu trazer a taxa de desemprego de 12% para um valor abaixo de 7% durante a crise financeira. Isso é um grande sucesso, mas foi feito à custa de muito trabalho temporário. Muito do emprego adicional que foi gerado foi em empregos mal pagos, precários, temporários e a tempo parcial. E penso que o pensamento agora vai ser o de, depois da queda do desemprego, tornar estes trabalhos mais seguros, permanentes e bem pagos. A desigualdade do rendimento na Alemanha, apesar de ainda estar abaixo da média da OCDE, tem vindo a subir.
Com a nova coligação, é de esperar mudanças de política a esse nível? No salário mínimo, por exemplo?
Tanto o SPD como os Verdes defendem a introdução de um salário mínimo e isso está certamente na mesa das negociações para a criação de um novo Governo. E a própria Angela Merkel já deu sinais dentro do seu partido de que ia aceitar essa opção. E outras políticas também serão discutidas, como o aumento dos impostos sobre os mais ricos, a redução da carga fiscal sobre a classe média e o incentivo a contratos de trabalho mais permanente. E depois há o tema da energia, com objectivos muito ambiciosos para a utilização de energias alternativas e para a redução dos custos energéticos.
Acha que medidas como a introdução do salário mínimo podem ter um impacto significativo nos níveis de consumo na Alemanha e, portanto, na procura que chega aos países periféricos?
Não terá um grande impacto no consumo. No DIW publicámos um relatório sobre o que é que um salário mínimo significará e concluímos que 17% dos assalariados podem ser afectados pela introdução de um salário mínimo ao nível daquele que é proposto pelo SPD, de 8,5 euros [por hora]. No entanto, muitas dessas pessoas recebem actualmente benefícios que, em parte, deixariam de receber com o aumento salarial. O verdadeiro impacto no rendimento disponível das pessoas seria apenas de um terço do aumento dos salários. Por isso, o impacto na economia será relativamente pequeno e estou preocupado com o que irá acontecer ao emprego. Poderá haver pessoas despedidas.
Portanto, na periferia, não devemos contar com grandes mudanças de velocidade no crescimento na Alemanha para ajudar a procura nas nossas economias?
Eu gostava de ser optimista. Tenho recomendado muito ao Governo e tentado passar a ideia para a opinião pública de que precisamos de uma agenda de investimento na Alemanha. A proposta do DIW tem sido a de mais 3% de investimento - público e privado - por ano. Isso teria um grande impacto. As nossas estimativas apontam para que o crescimento potencial na Alemanha passe de 1% para 1,6%. E isso teria um efeito positivo para o resto da Europa. Não seria gigantesco, não podem esperar tanto, mas contribuiria para que a Alemanha pudesse importar mais e, assim, ajudar as exportações dos outros países.
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