sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Relatório da ONU sublinha culpa da humanidade no aquecimento global. Os principais pontos do novo relatório climático da ONU. A "pausa" de 15 anos e os cépticos ao ataque.


Os glaciares estão a encolher em quase todo o mundo

Relatório da ONU sublinha culpa da humanidade no aquecimento global

Seis anos após o seu último estudo, o painel científico das Nações Unidas refere que já foram gastos até 2011 dois terços de todas as emissões de carbono que poderão ser feitas até ao final do século
Aumento da temperatura, subida do nível do mar, desaparecimento dos glaciares, mais extremos meteorológicos. Tudo isto está a acontecer, vai-se intensificar e a culpa é humana.
Esta mensagem é tudo menos nova. Mas ganhou um novo fôlego ontem, com a publicação da primeira parte de uma nova avaliação do painel científico da ONU que avalia regularmente o que se sabe sobre as alterações climáticas, de modo a informar as decisões políticas.
"A influência humana no sistema climático é clara", resume o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), no relatório agora divulgado. A confiança de que são as fábricas, os automóveis, a destruição das florestas ou outras actividades humanas que estão por detrás disto tudo subiu de 90% para 95%.
A principal mensagem do relatório, no entanto, não está nestes 5% suplementares, mas sim numa nova sugestão do esforço colossal que a sociedade terá de fazer para conter o aquecimento da Terra a um nível que se julga suportável. Internacionalmente, este limite está definido em 2,0 graus Celsius de aumento até 2100, em relação aos níveis de há um século e meio.
Entre 1880 e 2012, o termómetro global já subiu 0,85 graus Celsius, segundo o novo relatório do IPCC. No Hemisfério Norte, as três décadas passadas, entre 1983 e 2012, foram as mais quentes dos últimos 1400 anos.
As concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera "atingiram valores sem precedentes em relação aos últimos 800.000 anos". As concentrações de dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) aumentaram 40%, 150% e 20%, respectivamente, em relação aos valores pré-industriais.
Para o futuro, o IPCC traçou quatro cenários, concluindo que a temperatura pode aumentar mais 0,3 a 4,8 graus Celsius até 2100, em relação à média de 1985-2000. O cenário mais favorável, no entanto, implica um limite apertado para o carbono que pode ser ainda lançado para a atmosfera. Mesmo para garantir, com 66% de probabilidade, que a subida na temperatura fique abaixo dos 2,0 graus, as emissões acumuladas de carbono não poderão superar os 800 mil milhões de toneladas até ao fim do século. Dois terços deste "orçamento" já foram gastos até 2011.
"É preciso reduzir, continuada e substancialmente, as emissões de gases com efeito de estufa", afirmou Rajendra Pachauri, presidente do IPCC, na conferência de imprensa de apresentação do relatório, em Estocolmo. "Só através do mercado é que podemos dar uma rápida resposta", acrescentou, referindo-se à necessidade de atribuir um preço ao carbono. "A humanidade tem de escolher que cenário quer seguir", disse o cientista Thomas Stocker, um dos coordenadores do relatório agora apresentado.
Os cenários futuros estimam uma subida do nível do mar entre 26 e 82 centímetros. Os valores são superiores aos previstos no último relatório do IPCC, em 2007 - 18 a 59 centímetros. Mas, segundo os cientistas deste organismo, não se podem fazer comparações directas, dado que os cenários agora definidos são diferentes dos de há sete anos.
Segundo o relatório do IPCC, o aquecimento da Terra e as suas consequências nos sistemas climáticos não são só "inequívocos" como também inevitáveis. A temperatura da Terra vai-se manter elevada muito além deste século. Entre 15 e 40% do CO2 emitido pelas actividades humanas permanecerá na atmosfera por mais de 1000 anos. Nos cenários mais pessimistas, o nível do mar poderá subir um a três metros até 2300. A massa de gelo da Gronelândia poderá desaparecer no final de um milénio ou mais, causando um aumento de sete metros no nivel do mar.
"A maioria dos aspectos das alterações climáticas vão persistir por muitos séculos, mesmo que as emissões de CO2 cessem", alerta o relatório do IPCC. "Isto representa um substancial compromisso de vários séculos criado pelas emissões de CO2 do passado, do presente e do futuro".
Os novos alertas do IPCC provocaram novas chamadas de acção imediata. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, anunciou que irá convocar uma cimeira ao mais alto nível, para Setembro de 2014. "Este novo relatório vai ser essencial para os Governos na conclusão de um acordo legal ambicioso para as alterações climáticas em 2015", disse. "Isto não é um relatório rápido que pode ser largado num arquivo. Isto não é um documento político produzido por políticos. Isto é ciência. Os Estados Unidos estão profundamente comprometidos em liderar esta mudança", reagiu também o secretário de Estado norte-americano, John Kerry.
"As alterações climáticas estão a acontecer, os humanos estão a causá-las e a acção é urgente", referiu a comissária europeia para a Acção Climática, Connie Hedeggaard. "As previsões devem-nos deixar muito preocupados, mas ainda é possível evitar o pior", acrescenta a associação ambientalista Quercus.
Por pressão de alguns países, sobretudo da Rússia, o IPCC incluiu no seu relatório uma referência explícita à geoengenharia - ou seja, soluções tecnológicas para conter o aquecimento, como a pulverização de aerossóis na atmosfera, para reflectir a radiação solar. O painel científico, no entanto, abordou o tema com cautela, chamando a atenção para as incertezas sobre a sua eficácia e para os seus possíveis efeitos colaterais.
Outro tema controverso no relatório do IPCC é a relativa estabilização do aumento das temperaturas nos últimos 15 anos, que alguns apontam como evidência de que os modelos climáticos não são confiáveis. "Os modelos têm revelado uma notável concordância nas tendências de longo prazo", refutou Thomas Stocker. "A melhor escala de tempo para se avaliar o clima é de no mínimo 30 anos", acrescentou o secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial, Michel Jarraud.
O relatório do IPCC foi elaborado ao longo de quatro anos, envolvendo a revisão de 9200 artigos científicos, por cerca de 800 cientistas. Foi aprovado na manhã de sexta-feira, depois de quatro dias de discussões finais entre cientistas e representantes governamentais de 110 países, em Estocolmo. Outros dois relatórios, sobre os impactos e as hipóteses de mitigação do problema, serão publicados na Primavera de 2014. com Clara Barata e Nicolau Ferreira

Temperatura poderá aumentar entre 0,3 e 4,8 graus até 2100, acelerando o desaparecimento dos gelos em muitas regiões do globo
 Os principais pontos do novo relatório climático da ONU
As alterações climáticas estão a ocorrer a níveis sem precedentes num período de décadas e milénios.
O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) divulgou nesta sexta-feira uma síntese do seu novo relatório sobre o que a ciência sabe acerca do aquecimento do planeta. Eis alguns dos seus principais resultados.

Temperatura global
A temperatura média global subiu 0,85 graus Celsius entre 1880 e 2012. No Hemisfério Norte, as três décadas passadas, entre 1983 e 2012, foram as mais quentes dos últimos 1400 anos. Nos últimos 15 anos, as temperaturas não aumentaram tanto quanto os modelos climáticos previam. Até ao final do século, o termómetro global pode subir entre 0,3 e 4,8 graus acima da média de 1985-2000, segundo quatro cenários para o futuro.

Precipitação e fenómenos climáticos
A fiabilidade das observações sobre a precipitação é relativamente baixa. Nas latidudes médias do Hemisfério Norte, aumentou desde 1901. Noutras faixas do globo, as tendências são tanto positivas como negativas. Globalmente, é “muito provável” que tenha aumentado o número de dias quentes e diminuído o de dias frios. É “provável” que a frequência das ondas de calor tenha aumentado na Europa, Ásia e Austrália e que haja mais precipitação intensa na América do Norte e Europa. No futuro, as alterações na precipitação e outros fenómenos atmosféricos não serão uniformes. As chuvas relacionadas como El Niño e as monções poderão ser mais intensas.

Oceanos
Os oceanos acumularam 90% da energia do sistema climático entre 1971 e 2010 e é “virtualmente certo” que aqueceu neste periodo (0,11 graus Celsius por década). O nível do mar subiu 1,7 milímetros por ano entre 1901 e 2010. Para o final deste século, projecta-se uma subida de 28 a 82 centímetros. Os oceanos continuarão a aquecer ao longo do século e em maior profundidade. Até 2300, o seu nível poderá subir um a três metros, segundo os cenários mais pessimistas.

Gelo e neve
A massa de gelo da Gronelândia e da Antárctida tem vindo a diminuir nas últimas duas décadas e os glaciares estão a encolher em quase todo o mundo. No Ártico, a cobertura gelada tem regredido a níveis sem precedentes no passado e a temperatura do mar nunca esteve tão alta nos últimos 1450 anos. É “ muito provável” que estas tendências se mantenham ao longo do século XXI. Cenários para um futuro ainda mais distante, indicam que o aquecimento acima de um determinado nível - entre um e quatro graus Celsius, embora o nível de confiança destes valores seja baixo ou médio - levará ao derretimento quase completo do gelo na Gronelândia no espaço de um milénio ou mais, provocando uma subida de sete metros no nível do mar.

Culpa humana
É “extremamente provável” que a influência humana seja determinante no aquecimento global desde 1950. Só os gases com efeito de estufa, sozinhos, contribuíram para uma subida que teria sido de 0,5 a 1,3 graus Celsius neste período, se não tivesse sido amenizada por outros factores, como os aerossóis que reflectem a radiação solar ou variações naturais. O relatório detectou a influência humana também no aquecimento do oceano, nas alterações do ciclo da água, na redução do gelo e da neve, na subida do nível do mar e nalguns eventos extremos. “A influência humana no sistema climática é clara”, resume o IPCC.

Gases com efeito de estufa
Nos últimos 800.000 anos, nunca houve tanto dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso na atmosfera como agora. A concentração dos três gases está 40%, 150% e 20% acima dos níveis pré-industriais (1750), respectivamente. A taxa de crescimento ao longo deste século não tem precedentes nos últimos 22.000 anos. As emissões de CO2 da queima de combustíveis fósseis e da produção de cimento subiram 54% desde 1990. Desde 1750, as actividades humanas despejaram na atmosfera 545 mil milhões de toneladas de carbono, dos quais 44% estão acumulados na atmosfera, aumentando o efeito de estufa, e 28% foram absorvidos pelo oceano, provocando a sua acidificação. Ao longo deste século, as alterações climáticas irão provocar alterações na forma como o carbono é absorvido por sistemas terrestres ou pelo oceano, aumentando a quantidade que permanece na atmosfera.


Geoengenharia
O IPCC considerou, embora com muita cautela, a possibilidade de usar a geoengenharia para diminuir a concentração de CO2 na atmosfera, ou até para deflectir a quantidade de luz solar que chega ao nosso planeta – a pedido expresso de alguns governos. Estes métodos têm “limitações tecnológicas para que possam vir a ter um potencial a larga escala”. Soluções como a gestão da radiação solar e a remoção de dióxido de carbono da atmosfera “têm efeitos secundários e consequências globais a longo prazo”. As técnicas para evitar a entrada de uma parte da radiação solar na Terra, “se realizáveis”, terão o potencial de travar o aumento de temperatura. “Mas alterariam também o ciclo de água global, além de não combaterem a acidificação dos oceanos.” Por outro lado, no momento em que este filtro artificial de radiação fosse suspenso, “as temperaturas globais aumentariam muito rapidamente”.

No clima a palavra que conta é adiar 


A "pausa" de 15 anos e os cépticos ao ataque



Face a um novo relatório climático das Nações Unidas, os cépticos que persistem em não reconhecer o aquecimento global como a origem das alterações climáticas preparam as suas armas, ainda antes da sua divulgação, tentando denegrir a credibilidade dos cientistas. E, desta vez, tiveram uma ajuda das dúvidas levantadas pela constatação de que, nos últimos 15 anos, apesar de as emissões de gases com efeito de estuda terem aumentado, e muito, a temperatura da atmosfera praticamente estagnou.
A subida foi de apenas 0,05 graus Celsius entre 1998 e 2012, quando seria de esperar, em referência ao que se passou entre 1951 e 2012, uma subida entre 0,08 e 0,14 graus Celsius. O relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) aborda esta aparente "pausa" num parágrafo em que sublinha a existência de "uma variabilidade substancial" de ano para ano e de década para década, mas que esta não faz inverter o "robusto aquecimento que se verifica há múltiplas décadas."
"Devido à variabilidade natural, as tendências que se baseiam na análise de curto prazo são muito sensíveis às datas de início e do fim [dos registos] e no geral não reflectem tendências climáticas de longo prazo", lê-se no relatório.
É uma declaração sóbria, perante títulos de tablóides como o Daily Mail britânico que são uma lição de como fazer pouco de um acontecimento em três andamentos: "Alterações climáticas no gelo: cientistas da ONU revelam que o mundo quase não aqueceu nada nos últimos 15 anos - mas dizem que agora têm a certeza de que a humanidade tem a culpa do aquecimento global".
O blogue de notícias do Met Office (serviços meteorológicos britânicos) explicava de forma mais simples o que estava em causa: não se devem confundir previsões climáticas com projecções climáticas. "Fazem-se previsões quando se tenta dizer qual será o estado do clima nos próximos anos, e isso depende de conhecer o estado do clima hoje. É necessário ter um grande número de observações de alta qualidade, da atmosfera e em especial do oceano", diz o post. "Por outro lado, as projecções climáticas dizem respeito ao longo o prazo, ao impacto de grandes e poderosas influências no clima e da sua variabilidade, em vez de apenas tentarem prever o estado actual da própria variabilidade."
Rajendra Pachauri, o economista indiano que lidera o IPCC, reagiu à polémica em torno desta questão ainda antes da divulgação do relatório. "Haverá informação suficiente para que todas as pessoas racionais compreendam que é necessário agir contra as alterações climáticas."
Os cépticos mobilizaram-se antes da divulgação do relatório. Nos Estados Unidos, um pólo de actividade é o Instituto Heartland, financiado por vários interesses ultraconservadores, nomeadamente pelos milionários irmãos Koch, que têm fortuna feita no petróleo e outras indústrias. Uma fuga de informação em 2012 expôs as actividades do instituto para descredibilizar a ciência e os cientistas que trabalham na áreas das alterações climáticas. E, nas últimas semanas, tem estado na origem de uma série de artigos e conferências pondo em causa, a priori, os resultados de consenso científico do IPCC.
Mas os cientistas das alterações climáticas aprenderam já alguma coisa com os anos que passaram a enfrentar estes cépticos, normalmente financiados por indústrias poluentes, e com maior atenção nos media do que alguma vez tiveram em representatividade. Dezenas de cientistas envolvidos no trabalho do IPCC juntaram-se para formar uma Equipa de Resposta Rápida de Ciências do Clima, para responder a alegações falsas ou enganadoras feitas por estes cépticos, noticiou o jornal britânico The Guardian.

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