quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Carta aberta a António Costa sobre o ruído autárquico.


Carta aberta a António Costa sobre o ruído autárquico

Exmo. senhor
presidente da Câmara Municipal de Lisboa,
Dada a proximidade das autárquicas, tomo a liberdade de confrontá-lo com o problema do ruído nocturno. Muito embora afecte várias cidades do país, é na capital que assumiu proporções gigantescas, mercê da obstinada indiferença (ou incapacidade) de V. Exa. em acorrer às necessidades mais elementares dos seus munícipes.
A câmara a que V. Exa. preside está obrigada por lei a identificar focos de ruído causado por eixos viários, aeroportos ou estações de caminho-de-ferro. Ao fazê-lo, cabe-lhe também definir um plano estratégico de combate ao ruído que proteja os munícipes, já de si insones crónicos, de um flagelo de consequências trágicas.
Porém, até à data não foi ainda adoptado qualquer plano de combate ao ruído, apesar de o prazo fixado para o efeito na directiva do ruído ter sido há muito ultrapassado. Além da saúde das pessoas, é também a imagem de Portugal que sai afectada, uma vez que o desrespeito daquela directiva, por força da inacção da maior câmara do país, sujeita o Estado português a um processo por incumprimento junto das instâncias europeias.
Não satisfeito, V. Exa. cuidou ainda de promover activamente no centro histórico da cidade o ruído com origem na indústria do divertimento nocturno. Tendo compulsado o seu programa eleitoral, não encontrei, porém, qualquer medida de apoio financeiro ao realojamento de moradores em Massamá ou Queluz, o que é surpreendente. É que uma tão empenhada política de defesa dos interesses do divertimento nocturno no centro da cidade não pode deixar de contemplar o apoio humanitário a residentes.
Os efeitos nefastos dessa política, que desenvolveu com a ajuda do vereador José Sá Fernandes, assumiram proporções gigantescas numa vasta zona em torno do Cais do Sodré, o incrível foco de ruído nocturno que, desde o final de 2011, agride e prejudica gravemente a saúde de residentes.
Desde logo, ao encerrar ao trânsito a Rua Nova do Carvalho, aliado aos bares e discotecas locais, e ao autorizar concertos em plena rua, com o patrocínio de marcas de álcool, V. Exa. incrementou exponencialmente a afluência de frequentadores nocturnos para aquela zona e deu um sinal claro de que a autarquia favorece o surgimento de uma verdadeira indústria nocturna numa zona residencial. O resultado está à vista, tendo os novos estabelecimentos surgido como cogumelos.
Seria faltar à verdade dizer que V. Exa. nada fez quando confrontado com queixas de residentes. Com dispêndio considerável de recursos públicos, V. Exa. tentou domar um monstro em roda livre, aumentando as fiscalizações aos bares, alterando, sem visíveis resultados, as regras de limpeza nocturna e terminando os after-hours (medida eficaz, embora só num estado de pura calamidade se possa considerar uma vitória obrigar bares e discotecas que funcionam em áreas residenciais a não abrir depois das 4h00).
V. Exa. acedeu também na constituição de um grupo de trabalho para discussão dos problemas da zona, sob a liderança mole de José Sá Fernandes. Em representação dos moradores, assisti incrédulo, ao longo de varias sessões, aos monólogos de Sá Fernandes em diligente defesa dos interesses dos bares, discotecas e restaurantes da Rua Nova do Carvalho. No quadro deste grupo de trabalho, Sá Fernandes produziu um relatório onde propôs medidas como o financiamento pelos bares das janelas duplas dos moradores e outras pérolas idênticas.
Ao mesmo tempo, abdicando dos seus poderes de império sobre o espaço público, V. Exa. entregou nas mãos da Associação dos Bares do Cais do Sodré a organização de um "concurso" de legalidade discutível para uma obra na Rua Nova do Carvalho (financiada por marca de vodka), destinada à sua consagração plena ao serviço do divertimento nocturno. Esta obra, que incluiu a pintura da rua com tinta cor-de-rosa, foi decidida sem que os moradores fossem sequer informados.
Acontece que, como é sabido (e V. Exa., que é jurista e foi ministro da Justiça, não pode deixar de saber), o ruído nocturno em excesso viola com gravidade o direito dos residentes ao descanso, o qual integra o elenco de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados.
É de referir que uma medição feita por empresa certificada em Maio deste ano (por iniciativa dos moradores), revelou níveis de ruído de 70 db entre a 1h00 e as 4h00, na zona ainda não fechada ao trânsito da Rua Nova do Carvalho. Este nível ultrapassa largamente o máximo permitido por lei, que é de 55 Db. Idêntico cenário existe na Rua do Alecrim e Rua das Flores, por onde afluem milhares de frequentadores ao Cais do Sodré, sendo a Rua da Ribeira Nova um enorme bar a céu aberto.
Refira-se também que ao longo de quase dois anos desde que a rua em causa foi fechada nunca a CML fez sequer uma medição dirigida ao ruído indiferenciado de que os moradores se queixam, tendo, pelo contrário, reforçado a caracterização da Rua Nova do Carvalho (que pintou de cor-de-rosa), como espaço dedicado em exclusivo ao divertimento nocturno.
Perante estes factos, por quanto tempo mais vai V. Exa., a quem compete a intransigente defesa do interesse público, continuar a promover o lucro do divertimento nocturno no centro de Lisboa e a colocar em primeiro plano os interesses desta indústria em detrimento da saúde dos moradores?
Advogado, membro do movimento Nós Lisboetas



1 comentário:

Anónimo disse...

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