Turismo à margem da lei.
por Ana Serafim* in Sol online
Pernoitas em alojamentos particulares que não pagam impostos
nem cumprem regras de higiene e segurança aumentaram com sites especializados.
Há quatro milhões de dormidas ilegais por ano, o equivalente a 10% do total.
Em Portugal, haverá pelo menos quatro milhões de dormidas de
turistas por ano que escapam à legalidade. Aproveitam alojamentos residenciais
que não estão registados, não pagam impostos e operam à margem das regras de
segurança e higiene. Se estas pernoitas fossem legalizadas e incluídas nas
estatísticas, representariam 10% do total e contribuiriam para os cofres do
Estado com receita fiscal.
A estimativa foi revelada ao SOL pelo presidente da
Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), Luís Veiga. “Além dos 40 milhões de
dormidas previstas para este ano – registadas, facturadas e com todos os
requisitos fiscais inerentes à prática do alojamento turístico – haverá mais
quatro milhões que serão em alojamento ilegal, que fogem ao fisco. São economia
paralela”, denuncia.
O fenómeno que habitualmente se designa como ‘camas
paralelas’ ou ‘alojamento paralelo’ – por oposição ao alojamento classificado e
reconhecido pelas autoridades – não é novo em Portugal. Refere-se a moradias,
apartamentos ou mesmo a unidades de pequena dimensão alugados por particulares,
que escapam aos impostos e não obedecem a requisitos de qualidade, higiene e
segurança.
Porém, se antes imperavam os letreiros nas janelas
anunciando “rooms, chambres, zimmers” para o Verão, a internet veio facilitar o
arrendamento ilegal de espaços para passar férias. O fenómeno já inclui imóveis
de luxo e funciona sobretudo através de sites, muitos sediados no estrangeiro,
que publicitam e comercializam alojamento em vários destinos turísticos, tanto
em Portugal como noutros países.
“O alojamento ilegal cresceu de forma desregrada e foi
fomentado pelos portais de venda, que são muitos”, alerta Luís Veiga.
Normalmente, estes portais funcionam de consumidor a consumidor e “há uma fuga
ao fisco enorme”, assegura.
“Há portais, por exemplo como o Airbnb, Homelidays ou
Homeaway, que se dedicam quase exclusivamente a alojamento ilegal e já devem
ultrapassar largamente 10% das dormidas em Portuga”. Além disso, aponta
baterias ao Booking, que, salienta Luís Veiga, anuncia mais de 2.000 hotéis em
Portugal, quando o país apenas tem 1.200 unidades hoteleiras registadas.
Para combater o que considera ser “concorrência altamente
desleal” face à hotelaria legal, o responsável avança que a AHP vai tentar
trazer para Portugal a solução encontrada em Espanha, onde o Governo proibiu
250 sites de divulgar e arrendar imóveis que não estejam legalizados.
Alojamento local ‘na mira’
Luís Veiga pede ainda uma revisão da lei relativa ao
alojamento local. Criada em 2008, esta designação foi lançada para que as ditas
‘camas paralelas’ pudessem legalizar-se. Para tal, bastaria que se registassem
na respectiva Câmara Municipal e cumprissem requisitos mínimos de higiene e
segurança, não estando, ainda assim, obrigadas às regras e tributação aplicadas
à hotelaria.
De acordo com o presidente da AHP, houve até agora cerca de
5.000 proprietários a inscreverem-se no alojamento local. “A adesão ao registo
como alojamento local tem sido significativa, embora se esperasse mais”, nota o
presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve
(AHETA), Elidérico Viegas.
Na região algarvia, estima, “entre 40 mil e 50 mil camas
ter-se-ão inscrito oficialmente nas diferentes câmaras municipais, desde 2008” , saindo da ilegalidade.
Mas realça que as autarquias não têm revelado dados actualizados sobre esta
realidade.
E “a fuga aos impostos não é uma questão exclusiva das camas
paralelas. Haverá camas de alojamento local que também fugirão aos impostos”,
acrescenta.
Por isso, os hoteleiros são unânimes em pedir mais regulação
e fiscalização. “A ASAE, que é a entidade competente para fiscalizar, não terá
agido sempre com a celeridade e o empenho que se exigiria. Muitas vezes, tem-se
mostrado mais preocupada em fiscalizar quem está legalizado do que propriamente
os que, não estando legalizados, seriam passíveis de fiscalização”, acusa
Elidérico Viegas.
por Ana Serafim in Sol online
A Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais garante que a
actividade de inspecção desenvolvida pela Autoridade Tributária e Aduaneira
(AT) no alojamento paralelo “foi reforçada em 2013, designadamente nos meses de
Julho e Agosto”.
O gabinete de Paulo Núncio adianta ao SOL que a Direcção de
Serviços de Investigação da Fraude e Acções Especiais tem “instruções
específicas para acompanhar este tipo de situações”, com base em alvos
previamente seleccionados.
E refere, sem concretizar, que “nas diversas acções de
investigação já realizadas nos principais destinos turísticos nacionais
verificou-se a existência de diversas irregularidades fiscais, para as quais se
iniciou, de imediato, o respectivo processo de correcção do imposto e processo
de infracção”.
Contudo, o reforço da fiscalização não está a ser sentido no
terreno. O presidente da Associação dos Profissionais de Inspecção Tributária,
Nuno Barroso, revela ao SOL que, até à semana passada, a direcção-geral de Faro
da AT não havia iniciado qualquer operação especial de fiscalização de
alojamentos paralelos. “Seria até uma altura complicada para fazê-la, porque
muitos inspectores estão de férias”, explica.
Faro tem cerca de 70 inspectores do fisco e, embora exista
uma “reserva estratégica de dados fiscais que permite iniciar uma operação de
fiscalização em curto espaço de tempo”, a falta de pessoal nas últimas semanas
dificultaria a sua operacionalização em Agosto.
Elidérico Viegas também não tem conhecimento de acções
concretas no Agarve. “Não se nota nada. É daquelas coisas que é fácil dizer que
se faz. O problema é o sucesso dessas medidas. Quantas infracções foram
detectadas? Quantos autos foram levantados? Não basta dizer que se fez ou vai
fazer, que se reforçou os meios. Essas camas concorrem directamente com o
alojamento classificado, que tem sido altamente penalizado com o aumento
fiscal”.
A ASAE anunciou esta semana um reforço das acções de
fiscalização aos alojamentos paralelos. Foram feitas 78 fiscalizações e
detectadas 26 infracções.
Mas detectar quem não cumpre pode ser complicado mesmo com
mais fiscalização, considera Luís Veiga. “É difícil demonstrar que uma vivenda
ou um apartamento está a servir de alojamento turístico”, defende. Na prática,
o utilizador pode sempre alegar que a casa é de um amigo ou de um familiar e
que não paga nada. Por isso, a fiscalização deve começar pelos sites de aluguer
de casas.
ana.serafim@sol.pt
*com João Madeira
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