sábado, 7 de setembro de 2013

Se, por hipótese, Gaia e o Porto se tivessem agregado num novo município, já Menezes ou Rio não teriam qualquer problema em manter-se na mesma área geográfica, com o benefício de ser ainda maior. Absurdo? O que dizer, então, deste acórdão do TC?


Editorial / Público
O Tribunal Constitucional deu o sim a recandidaturas em freguesias agregadas. Não devia tê-lo feito
Depois de ter autorizado, como aliás se esperava, as candidaturas dos chamados "dinossauros" autárquicos - desde que, esgotado o limite dos três mandatos nas suas câmaras, rumassem a outras, vizinhas ou não -, eis que o Tribunal Constitucional (TC) tomou ontem, nesta mesma matéria, uma das mais estranhas (senão mesmo bizarras) decisões da sua história: considerou, em acórdão, que uma recandidatura de um presidente de junta de freguesia numa mesma área geográfica será legítima, mesmo depois de três ou mais mandatos seguidos, desde que a junta a que concorre tenha sido agregada a outra. Tal qual. O candidato A, esgotados os três mandatos na junta de freguesia B, não pode recandidatar-se; mas se a freguesia B tiver sido agregada à freguesia C, já pode. Porque, no entender no TC, foi assim criada uma "realidade jurídica e materialmente distinta das freguesias extintas". Chamemos-lhe freguesia D. Com a qual se assiste "à perda de individualidade jurídica de cada uma das unidades agregadas e ao nascimento de uma outra entidade autónoma, dotada de personalidade jurídica, centro de imputação de direitos e deveres". Teoricamente assim será. Mas na prática? Não ficam na tal nova freguesia os problemas, interesses, negócios e obviamente os cidadãos das freguesias anteriores? Se assim é, como parece óbvio, o presidente eleito na nova freguesia será, para parte dos eleitores, o mesmo que já conheciam. E, em matéria de influências e interesses, tudo ficará na mesma área geográfica, chame-se ela o que se chamar. Por isso, se um dos objectivos da limitação dos mandatos era impedir que se perpetuasse uma relação de poder excessiva dos presidentes das autarquias com as áreas do seu habitual domínio, com esta decisão do TC, não só ela não desaparece ou reduz, como ainda se amplia. O presidente da junta de freguesia D, a nova, mantém-se presidente da freguesia A por mais uns anos e ainda ganha o bónus de alargar o seu domínio à área da antiga freguesia B. O TC, claro, acha isto normal. E diz que, como "não se pode ter como segura a vontade" de quem fez a lei, "não caberá ao intérprete substituir-se ao legislador na clarificação da incerteza sobre a amplitude das inelegibilidades".
Não caberia mas coube. Porque se havia, na Lei das Limitações de Mandatos, alguma vontade de limitar alguma coisa, esta é, pelo menos legalmente, cada vez menor. É claro que não ficaria bem ao TC, depois de uma decisão que favorecia, à cabeça, candidatos do PSD (Menezes e, por acréscimo, Seara) impedir uma candidatura da CDU, que era a que estava em causa na actual decisão (em Peniche, por reclamação do PS). Mas daí até ter assinado este acórdão vai grande distância. Se, por hipótese, Gaia e o Porto se tivessem agregado num novo município, já Menezes ou Rio não teriam qualquer problema em manter-se na mesma área geográfica, com o benefício de ser ainda maior. Absurdo? O que dizer, então, deste acórdão do TC?

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