As inconsistências de um ministro
Editorial / PúblicoRui Machete até pode achar o tema irrelevante. Mas a palavra de um ministro nunca é irrelevante
Quando foi conhecida a escolha de Passos Coelho para
suceder a Paulo Portas na pasta dos Negócios Estrangeiros, acreditou-se que um
Governo, cuja inexperiência e juventude muitos criticavam, ia ficar a ganhar com
um nome com um currículo governativo vasto como era o caso de Rui Machete. Mas
esse sentimento desfez-se rapidamente: talvez não tenha durado mais de uma hora.
Quando, à saída de Belém, o ministro falou na "podridão da política" em resposta
às notícias sobre as suas ligações ao BPN/SLN ou ao conteúdo de alguns
telegramas diplomáticos norte-americanos sobre o seu desempenho enquanto
presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Rui Machete quis
colocar-se num plano distante da pequena política. Mas os factos, e sobretudo as
atitudes do próprio ministro, mostram que ele não se afastou desse patamar. Ao
afirmar ao Parlamento que nunca tinha sido accionista da SLN, em 2008, Rui
Machete faltou à verdade ao Parlamento, o que é grave. No entanto, preferiu
responder a esta acusação, suscitada por João Semedo, do Bloco de Esquerda, e
divulgada sábado, pelo Expresso, dando a questão por encerrada e classificando-a
como uma "omissão factual". Ora, os tempos não estão para eufemismos
displicentes como este. E fora já num tom idêntico que o governante tratara a
questão do preço das acções do BPN/SLN que vendeu, matéria quanto à qual referiu
dois valores diferentes. Sobre os factos que omitiu ao Parlamento, Rui Machete
está obrigado a dar uma explicação ao próprio Parlamento e não a dar por
encerrado o assunto. A podridão da política não reside em suscitar questões
polémicas, mas sim em não saber dar as respostas adequadas a essas questões. Tem
que esclarecer por que não disse a verdade ao Parlamento. Rui Machete pode até
desvalorizar a questão. Mas não pode desvalorizar o valor da palavra de um
ministro.
Rui Machete não tem condições para ficar
Por Eduardo Oliveira Silva
publicado em 25 Set 2013 in (jornal) i online
Se Machete se demitisse daria uma prova de lealdade a Pedro
Passos Coelho
Começa a ser um tema recorrente e até aborrecido, mas é
inevitável abordá-lo de novo. Trata-se da situação de Rui Machete, actualmente
ainda ministro dos Negócios Estrangeiros.
Não interessa a definição: mentira, falta à verdade,
omissão, inverdade, esquecimento, etc. O facto é que parte do que o ministro
dos Negócios Estrangeiros disse quando foi interrogado sobre a sua relação com
a SLN-BPN não bate certo.
E assim sendo não é menos certo que o ministro Rui Machete
está fragilizado, prejudicando o cumprimento das suas altas funções.
Inicialmente ainda se podia dar o desconto, mas o conhecimento regular de novos
factos torna a situação do ministro tão complicada ou mais que a da sua colega
das Finanças, que ironicamente também é ministra de Estado.
Como Passos Coelho jamais o demitirá e Portas deixará correr
o problema, que está no quintal do vizinho, o melhor seria Machete perceber que
a sua demissão facilitaria a vida ao primeiro-ministro, sendo uma prova de
lealdade pessoal e política. Mas essa perspectiva, pelo menos até surgirem
eventualmente novos factos desagradáveis, está afastada, pois Rui Machete está
agarrado ao lugar como a lapa à rocha.
Machete cresceu e desenvolveu-se politicamente numa época em
que a luta ideológica e jornalística ganhava lugar à investigação factual das
circunstâncias, em que os meios de investigação eram limitados e em que havia
uma espécie de pacto de não confundir a vida política com interesses privados.
Felizmente o mundo mudou. Apenas alguns aspectos da vida
privada ou íntima se mantêm ainda sob reserva, mas, tirando isso, hoje está
tudo em todo o lado e declarações feitas há anos tramam anónimos por meros
pecadilhos, quanto mais políticos que chegaram a situações relevantíssimas.
E aí de duas uma: ou quem disse e fez algo repreensível sai
ao ser denunciado quando se trata de vida pública, ou então, quando são casos
de vida privada, assume e aguenta as suas circunstâncias.
No caso de Machete está em causa a natureza da sua relação
com uma bicéfala instituição chamada SLN e BPN.
Ora o desabamento desse grupo constituiu o maior sorvedouro
de dinheiro público de que há memória em Portugal (tirando talvez o Convento de
Mafra, que mesmo assim tem a gigantesca vantagem de existir de pedra e cal e de
ser um motivo de orgulho nacional).
A relação que Rui Machete manteve com a organização deveria
tê-lo levado a recusar entrar para o governo. Como não o fez, optando pelo regresso
à vida pública, tem agora de sujeitar-se
aos tempos modernos, aos mecanismos de investigação
disponíveis e ao combate político implacável que o Bloco de Esquerda lhe move,
sobretudo depois de ter descoberto que foi factualmente incorrecta a sua declaração
em que omitia à Assembleia da República que tinha sido accionista do grupo, o
que é grave.
No momento em que tanto se fala nos mercados e no escrutínio
que fazem de Portugal, é legítimo interrogarmo-nos sobre o efeito que têm
situações como a de Machete e a de Maria Luís Albuquerque, que não são anónimos
sem influência.
Fingir que estes casos não têm repercussão negativa é negar
uma realidade evidente.
Sem comentários:
Enviar um comentário