Augusto Mateus diz que é impossível manter estado social
Ex-ministro da Economia aponta como essencial fazer a reforma do Estado e investir na competitividade e no conhecimento
Os europeus mantém um "optimismo sem sentido", numa
atitude de negação, sem querer ver que é impossível manter o actual modelo
social europeu e que é "imprescindível tomar decisões-chave a tempo e horas".
Augusto Mateus disse-o claramente num tom de relativo pessimismo que contrastou
com o tom de esperança quanto a Portugal.
No último dia da conferência Portugal Europeu. E Agora?, organizada
pela Fundação Manuel dos Santos, o ex-ministro da Economia demorou-se no
exaustivo diagnóstico e análise das causas da crise portuguesa e europeia.
Referiu a viragem na Europa provocada pela queda do Muro de Berlim e a nova
realidade da economia mundial a várias velocidades, dominada pela aceleração da
globalização e pela crescente precariedade do emprego, a que se juntou o próprio
processo de alargamento europeu e o envelhecimento dramático da população.Sobre Portugal, recordou que era de longe o país da Europa com os salários mais baixos quando ingressou na União Europeia. "Isso resultou numa garantia da nossa moeda que proporcionou tanto a Portugal como a Espanha um forte investimento internacional", rematou Augusto Mateus. Mas Portugal não o soube aproveitar. Augusto Mateus foi extremamente crítico em relação à forma como Portugal aplicou os fundos comunitários, falando de "desperdício, falta de massa crítica e pulverização de projectos individuais em vez de apostar em grandes projetos capazes de criarem riqueza a favor da população".
Apesar de tudo, reconheceu que a crise portuguesa se deveu também ao falhanço do pacto europeu de estabilidade em matéria de coesão. Preocupado com as soluções que nos possam fazer sair da crise, o orador sublinhou a necessidade de reformar o Estado actual, "que foi constituído por edifícios e empregos e não para ser um prestador de serviços". Para o investigador, importa sermos capazes de enfrentar objectivos ambiciosos, mas alcançáveis, sendo imperioso afectar os recursos de forma inteligente no investimento produtivo e perceber que a competitividade não é um custo, traduzindo-se antes no valor acrescentado que conseguirmos introduzir nas nossas exportações.
"Não podemos facilitar em relação aos problemas que temos pela frente", defendeu o ex-ministro da Economia, opinião também partilhada por António Barreto: "O tempo é curto, o trabalho é grande e o problema é enorme".
"Como vamos criar candidaturas correctas para os fundos europeus que teremos nos próximos sete anos? Teremos massa crítica, técnicos competentes e sérios capazes de avaliarem e fiscalizarem a aplicação dos fundos? Este é o problema crítico que vai determinar a linha de desenvolvimento de Portugal no futuro", avisou o presidente da Fundação Manuel dos Santos. "As resoluções que se assumirem agora determinarão a linha de criação do estado democrático no futuro", frisou.
"Ninguém sabe o que se irá passar, e ninguém sabia também o que realmente se iria passar", constatou Manuel Villaverde Cabral. O antigo vice-reitor da Universidade de Lisboa responsabilizou os políticos de serem "os recondutores das escolhas feitas ao longo do século" na gestão financeira portuguesa: "Poupávamos quando éramos pobres e deixámos de poupar quando nos tornámos ricos". Mas resta-lhe a esperança: "A perda do poder do Estado e da classe política pode ser o complemento de uma economia mais orientada para o benefício das populações".
"É necessária uma revisão constitucional que torne o
país viável"
Por Luís Rosa
publicado em 14 Set 2013 in (jornal) i online
Economista defende uma revisão constitucional que permita
adaptar o Estado à variação dos ciclos económicos
O professor catedrático da Universidade Nova opta por não
atacar os juízes conselheiros do Tribunal Constitucional e defende uma revisão
constitucional. De forma clara, transparente e fundamentada, António Nogueira
Leite explica por que razão a reforma do Estado é imprescindível e obriga a uma
adaptação da estrutura pública à riqueza que o país é capaz de gerar. Para o
vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos, o governo de Passos Coelho está
longe de ser um executivo liberal, mas destaca as medidas que têm sido tomadas
pelo Ministério da Educação de Nuno Crato.
Os Estados Unidos investiram mais de 65 mil milhões de euros
em acções europeias - é o valor mais alto desde 1977. A economia europeia
cresceu 0,3% no segundo trimestre, tendo Portugal atingido o valor mais
elevado: 1,1% Estes sinais significam que a crise da dívida soberana já passou?
Ainda não. Mas significa um conjunto de três factores: O
primeiro é a abundância de dinheiro que existe neste momento nos mercados
financeiros, levando os investidores a procurar activos que até há pouco tempo
não estavam tanto no seu radar. O segundo aspecto tem a ver com preocupações
face aos mercados emergentes sobre os quais se suscitam algumas dúvidas - é o
caso do funcionamento do mercado de crédito na China. Ou a evolução de grandes
economias como o Brasil que estão a fazer os mesmos erros que a Europa do Sul
cometeu e, portanto, poderá vir a ter um ajustamento doloroso mais à frente.
Por outro lado, há também a noção de que, não estando a questão resolvida, a
Europa como um todo é mais atraente e provavelmente já bateu no fundo.
O que falta fazer na Europa para resolver a crise?
Falta demonstrar que uma crise igual a esta não se repetirá,
criando-se mecanismos de supervisão multilateral na Europa. O segundo aspecto
relaciona-se com o funcionamento do processo de ajuda condicional do Banco
Central Europeu (BCE), que não vai durar para sempre. Relativamente às
economias do Sul, nomeadamente Portugal, Grécia e, de alguma forma, Espanha e
Irlanda, temos de verificar se os cortes que faltam fazer serão efectivamente
concretizados quando existe já um esgotamento em função das dificuldades pelas
quais as populações foram passando ao longo dos últimos anos.
É imprescindível fazer esta reforma do Estado?
É essencial. Estamos a usar nomes e designações que não são
necessariamente as mais rigorosas. Neste momento estamos a falar num ajustamento.
A reforma do Estado significaria que teríamos conseguido identificar quais as
instituições que, com relativamente pouco esforço e grande economia, poderiam
fazer as funções de outras e poupar. É toda aquela reestruturação que se faz
numa entidade privada ou pública de modo a torna-la mais eficaz, produzindo o
mesmo com menos meios, o que não aconteceu. Acho que nenhum partido é capaz de
fazer isso. Todos dizem que o fazem mas o que se vê na prática é um pequeno
simulacro daquilo que seria a verdadeira reforma do Estado. E depois há também
aqueles que quando tiveram a oportunidade não fizeram e vêm dizer: "Não,
não? é preciso estudar que Estado é que queremos?" Estão sempre a tentar
encontrar aquilo a que eu chamo processos activos de não decisão. Isto é, ir
novamente à origem de tudo para nunca mais tratar do assunto. Não tendo feito
isso, o governo está a tentar adaptar a dimensão do Estado àquilo que a
economia consegue suportar. Esse trabalho terá de ser feito pela actual maioria
ou pelo futuro governo do PS. O país atingiu um nível de dívida tal que a nossa
credibilidade para pagar a dívida só existirá se convencermos os nossos
credores de que conseguimos amortizar os empréstimos que recebemos, pagando
juros adequadamente. Só assim é que conseguimos ir buscar mais dívida para
financiarmos o Estado.
No plano fiscal já atingimos também um ponto de saturação em
que não é possível ir buscar mais receitas através de impostos...
É muito difícil. O sector privado fez já uma boa parte do
ajustamento que era exigido - o FMI queria mais, mas eu acho que há outros
factores mais importantes do que a descida dos salários. O nosso grande
problema é que não temos conseguido reformar o Estado ou, pelo menos, adequar a
dimensão do Estado à dimensão que a economia consegue suportar.
Tendo em conta as últimas decisões do Tribunal
Constitucional (TC) sobre a questão da requalificação, é possível, já não digo
reformar o Estado, mas diminuir a despesa corrente do Estado?
O PSD, o PS e, eventualmente, o CDS vão ter que se entender
relativamente a uma revisão constitucional que torne o país viável. Porque esta
Constituição e a jurisprudência que tem sido feita - já não falo na carga
ideológica fortíssima de alguns juízes do Tribunal Constitucional, - não tem em
conta a realidade em que o país vive. Em primeiro lugar porque foi pensada,
conceptualizada para um país que tem moeda própria e Portugal faz parte de uma
zona monetária na qual tem uma moeda partilhada com um conjunto significativo
de outros países, alguns dos quais com um papel muito mais importante na
condução dessa zona monetária. Segundo aspecto: há um conjunto de tratados aos
quais nós aderimos que era importante que pudessem ser plasmados na
Constituição. Os juristas dirão que a Constituição vale mais do que esses
tratados, mas o grande problema é que nós não conseguimos trocar a Constituição
por financiamento à dívida. Acho que podemos ter uma Constituição que garanta
os direitos fundamentais mas precisa de ser revista. Não se percebe como é que
o primeiro-ministro agora acha irrelevante a revisão constitucional quando
dizia o contrário em 2011 - uma altura que não era dramática como aquela que o
país tem hoje. Fiz algumas críticas à proposta de revisão constitucional feita
em 2011 por Paulo Teixeira Pinto, mas a ideia era boa para promover um debate
que hoje é mais necessário do que nunca. A revisão constitucional vai ser
politicamente difícil, mas o PS necessita de uma revisão constitucional.
Criou-se a ideia na opinião pública de que António José
Seguro não aplicará uma política diferente da que tem vindo a ser seguida.
Quando chegar ao governo, o PS vai ter de fazer o contrário
do que José Seguro anda a dizer. O que significa que vai ter de ser liderado
por uma pessoa que não se esgotou, porque o grau de contradição a que Seguro
vai ter de chegar será maior do que as piruetas que o primeiro-ministro actual
foi obrigado a fazer em 2011. Portanto, vai ser um problema grande para o país
porque as pessoas vão fazer muita coisa à "contre-coeur" Se Seguro
aplicar a receita que anda vender, acho que o país entra numa situação
provavelmente mais grave do que aquela que enfrentámos em Abril de 2011.
Só que uma revisão constitucional é um processo muito
demorado.
É preciso encontrar os caminhos que possibilitem essa revisão.
Dou-lhe um exemplo. Aparentemente existe alguma adesão dos funcionários ao
programa de saídas da função púbica. Agora pergunto: porque é que o governo
colocou um patamar tão baixo nas indemnizações? Provavelmente deveria negociar
com a troika por forma a poder aumentá-las e provavelmente haveria muito mais
funcionários dispostos a encontrar uma saída para as suas vidas se a
compensação tornasse isso mais evidente. No privado enfrentei situações de
despedimentos colectivos em que os sindicatos faziam forte pressão para que
eles não existissem, e em que os trabalhadores pelo acerto das compensações que
eram dadas e pela negociação que foi estabelecida acabaram por virar as costas
aos sindicatos e aceitar. Há um bocadinho de falta de experiência das pessoas
no Ministério das Finanças relativamente a como é que estas coisas acontecem na
prática.
Deixe-me só recuar um pouco em relação ao TC. Há
jurisprudência que permite o despedimento de funcionários públicos. Considera
que os juízes actuais têm uma leitura muito conservadora da Constituição?
Não sou jurista, mas sei que o problema não é a violação do
texto da Constituição. É a violação dos princípios constitucionais à luz do
entendimento dos juízes sobre aplicação desses princípios no caso concreto. Há
um aspecto que eu não quis valorizar muito, mas admito que exista, que são
determinadas concepções ideológicas de Estado que não tem sequer a ver com o
estado social, nem com a redistribuição de rendimento. Há uma parte
significativa do TC que, independentemente da realidade, valoriza mais essa
concepção.
A maioria do tribunal defende que o Estado deve ficar fora
da evolução dinâmica dos ciclos económicos. Isso faz com que na prática,
Portugal seja no conjunto da União Europeia, o único Estado que não ajustou a
sua estrutura ao ciclo económico. Faz sentido?
O que essas pessoas às vezes não percebem é que se viverem o
tempo suficiente se calhar não irá haver portugueses suficientes para lhes
pagarem os direitos que estão consagrados na lei. Nós não podemos ter taxas de
imposto de 70% ou 75%, porque as pessoas válidas vão-se embora e ficam cá os
que não produzem riqueza. Há uma parte importante dos portugueses que gosta de
viver um bocadinho naquela fase que as crianças têm aos 4, 5 anos, a do
pensamento mágico: 'não vai haver dinheiro nestas circunstâncias, mas tanto me
faz porque eu gostaria que fosse assim, logo vai ser assim'. Mas as coisas não
são dessa forma.
É por isso fundamental, sem alterar a matriz sobre a qual
existe um consenso importante na sociedade portuguesa, fazer-se uma revisão
constitucional que nos liberte destes constrangimentos permanentes. Não estamos
a falar de pôr em causa o Estado social, nem o direito à saúde ou à educação.
Por exemplo, quando falamos no direito à saúde e direito à educação, a
Constituição não diz, mas alguns interpretam "que todos os cidadãos têm
direito à educação" significa que toda a educação tenha de ser pública. O
Estado pode financiar uma escola sem que esta tenha que ser necessariamente
pública. Esta é a minha interpretação que é comum ao outros países europeus,
como por exemplo os nórdicos - que não são exemplo de liberalismo selvagem. Se
olharmos para o que aconteceu na Suécia, na Finlândia e na Dinamarca, são
países que têm um Estado social mais forte do que o nosso. Além de uma coesão
social mais fortalecida do que a nossa, têm um Estado que foi efectivamente
reformado. Nesses países, os meios financeiros determinam aquilo que se pode
oferecer e a preocupação essencial é criar mecanismos para que as estruturas
sirvam o maior número de pessoas o melhor possível. Em Portugal, as pessoas não
estão preocupadas com esse aspecto, que é a verdadeira razão para termos um Estado
Social. As pessoas estão apenas preocupadas com a sua parte do bolo do Estado
Social.
Consegue perceber como pode ser inconstitucional harmonizar
e promover a igualdade de direitos entre sector público e sector privado em
termos salariais, de pensões, de legislação laboral ou de outras regalias?
Vim trabalhar para o Estado, para a universidade pública
porque achava na altura que era o melhor sítio para desenvolver as minhas
capacidades enquanto investigador e professor. Não vim para cá porque esta universidade
me dava - e há muita gente como eu certamente - segurança no emprego. A nossa
preocupação no Estado não era de ter um emprego para a vida, mas sim o sítio
onde vou realizar a minha actividade profissional. Com a excepção das ditas
funções de soberania, não vejo como possa haver diferenças de direitos entre o
sector público e o sector privado.
Para as pessoas mais novas, da minha geração, esses
privilégios não são socialmente justos nem economicamente necessários
Criou-se o anátema que as gerações mais novas não podem
falar sobre a enorme iniquidade intergeracional que existe em Portugal.
Basicamente não podem perspectivar quando chegarem à idade das mais velhas, não
vai haver dinheiro para esperarem sequer uma aproximação àquilo que são as condições
actuais. As pessoas que são bons cidadãos percebem isso. As pessoas têm de
perceber que há direitos adquiridos, mas que esses direitos estavam assente em
pressupostos que não eram verdadeiros. Dou um exemplo: o nosso sistema público
de pensões, seja na Caixa Geral de Aposentações, seja na Segurança Social, não
foi um sistema de capitalização, foi sempre de transferência. É um facto que as
pessoas fizeram descontos, mas que serviram para pagamento das pensões daqueles
que eram inactivos e acho que aqui é preciso haver bom senso de parte a parte.
A última coisa que faz sentido é criar uma revolta de geração contra geração,
mas é um facto que as gerações mais velhas têm de perceber que as mais novas
(nem falo da minha, mas daquelas que estão abaixo da minha) acham que do ponto
de vista de equidade intergeracional tem que se caminhar num sentido de maior
justiça. Parece-me justo porque a equidade não é apenas transversal, não é
entre as pessoas da mesma geração. É entre pessoas da mesma geração, das várias
gerações e entre as gerações. Portanto, este é um aspecto que tem de ser
tratado com cuidado sobre o qual é muito fácil fazer demagogia, ou seja,
virando os novos contra os velhos, mas também virando os velhos contra os novos
e há muita gente a fazer demagogia dos dois lados. E repare que não é nos
salários da função pública que está o grosso da evolução perniciosa da despesa
púbica. Mais, os salários da função pública pesam hoje menos na despesa e no
PIB do que pesavam há cinco anos. Aquilo que tem tido ao longo dos 30 anos um
crescimento explosivo são prestações sociais a partir do Orçamento do Estado,
seja os reformados ou a todo outro tipo de situações onde é legítimo que o
Estado ajude as pessoas.
Com o chumbo do Constitucional sobre o diploma da requalificação
dos funcionários, e o mais que provável chumbo da convergência das pensões do
sector público com o privado, fica em causa as 8.a e 9.a avaliações da troika
que começarão a 16 de Setembro?
Se o governo não for capaz de fechar o orçamento em função
desses aspectos, acho que ficam em causa isso e, mais grave do que isso, fica
em causa a possibilidade de Portugal contar com uma transição para um
financiamento autónomo com o apoio do Banco Central Europeu.
O pós troika?
Entramos numa situação muito mais complexa. Sei que há muita
gente no PS que aposta muito no negócio da reestruturação da dívida. Mas não
nos podemos esquecer que com reestruturação - e nós já temos vindo a
reestruturar a dívida oficial - as maturidades aumentam, o juro já não é o mesmo.
Esse cenário deve ser evitado. Se esse cenário se verificar, não vai haver
financiamento não oficial a Portugal durante muito tempo. E, portanto, o nosso
país vai estar perante uma ditadura financeira dos nossos parceiros europeus
mais violenta do que aquela que exercemos até agora. Pode ser bom para alguns
no curto prazo, nomeadamente aqueles que estejam envolvidos na renegociação,
mas acho que isso não só é mesquinho como é antipatriótico.
Continua a achar imprescindível que a maioria e o PS cheguem
a um acordo, acredita que isso é possível?
Acho que há pessoas no PS que são muito tácticas no seu
posicionamento.
Antes das autárquicas.
Não é só isso, acho que no PS há muita gente que tem a noção
que há sempre dinheiro. Isso contribuiu muito para que tivéssemos chegado a
este ponto. Também há pessoas no PS que têm a noção do contrário.
Este governo já esteve para cair várias vezes, mas acabou
por ser salvo pelo Presidente da República no Verão. Acha que vai conseguir
levar o mandato até 2015?
Dá essa impressão. Uma coisa que é certa: neste momento o
CDS-PP está muito mais envolvido e o seu futuro está dependente do sucesso da
governação. Acho que uma parte importante do governo, senão a totalidade, que
faz parte da solução está absolutamente empenhada porque jogaram demasiado, até
no plano social. Espero não estar enganado.
Diz-se que este governo é o mais liberal de sempre. Olhando
para a economia, educação, saúde, segurança social, administração pública,
concorda?
Sou dos que acha que dar espaço para a iniciativa privada e
para a sociedade civil não é crime. Não é um crime ideológico nem de concepção
de funcionamento da sociedade. Muito pelo contrário, é aquilo que países de
matriz de continental europeia têm seguido. Não estamos a falar aqui de ultra
liberalismo, longe disso. É um bocadinho injusto confundir a situação concreta
deste governo com a de governos anteriores. Algumas medidas que foram tomadas
não são necessariamente medidas liberais, muitas delas são puras medidas de
reestruturação de corte que nada têm de liberal, mas muitas dessas medidas
foram tomadas única e exclusivamente porque estamos sob protectorado
financeiro. Olhando para a saúde não vejo que este governo seja mais liberal do
que os anteriores, inclusive os do PS. Acho que o governo está preocupado com a
eficiência da provisão do bem saúde, e do funcionamento do Serviço Nacional de
Saúde. Acho que isso só lhe fica bem mas isso não é ideológico. Isso é gerir
bem ou o melhor possível o dinheiro dos contribuintes. Tem uma visão mais
aberta e porventura mais liberal na área da educação. Algumas das medidas não
têm a ver com o período de emergência financeira em que o país está e até são
medidas na linha daquilo que eu penso: mais escolha e mais concorrência gera
melhores resultados. Ter as escolas públicas num ambiente concorrencial, de
procura de excelência só lhes faz bem. Não acaba com a escola pública. Torna a
escola numa estrutura voltada para a comunidade e não uma escola virada para
aqueles que recebem o recibo de vencimento aqui na escola.
Há mais alguma área em que o governo tenha conseguido ter a
fama e proveito de liberal?
Não muita. Até porque as operações de privatização foram
feitas da forma menos liberal possível. O governo basicamente fez vendas
directas, o que tem a ver com as circunstâncias do país. Um governo liberal
quando vende os activos escolhe sempre mais situações de concorrência em
mercado aberto. O governo pode ter a fama de ser liberal mas não teve o
proveito neste caso. Percebo que para alguns governantes é mais interessante
ditar e controlar o percurso das coisas do que deixar o mercado livremente
decidir quem compra.
Portanto, é muito maior a fama do que o proveito?
Acho que sim até porque o PSD não é um partido liberal.
Mas comparando com o segundo governo de Cavaco Silva eleito
em 1987?
O primeiro governo de maioria absoluta de Cavaco Silva,
nalgumas áreas foi mais reformista do que este. É certo que o ministro Álvaro
diz que foi o mais reformista dos últimos trinta anos, mas objectivamente e
olhando para o conjunto das coisas, é incomensuravelmente mais difícil reformar
agora do que foi na altura. Mas acho que este governo não exorbitou, ainda há
muita coisa a fazer e não estou a falar em cortes. Há muita coisa que está por
fazer e que este governo nem sequer vai tentar. Vamos ver se ainda terá
possibilidade em 2015 de fazê-lo.
Sem comentários:
Enviar um comentário