sábado, 14 de setembro de 2013

Augusto Mateus diz que é impossível manter estado social.António Nogueira Leite: "É necessária uma revisão constitucional que torne o país viável"



Augusto Mateus diz que é impossível manter estado social


Ex-ministro da Economia aponta como essencial fazer a reforma do Estado e investir na competitividade e no conhecimento
Os europeus mantém um "optimismo sem sentido", numa atitude de negação, sem querer ver que é impossível manter o actual modelo social europeu e que é "imprescindível tomar decisões-chave a tempo e horas". Augusto Mateus disse-o claramente num tom de relativo pessimismo que contrastou com o tom de esperança quanto a Portugal.
No último dia da conferência Portugal Europeu. E Agora?, organizada pela Fundação Manuel dos Santos, o ex-ministro da Economia demorou-se no exaustivo diagnóstico e análise das causas da crise portuguesa e europeia. Referiu a viragem na Europa provocada pela queda do Muro de Berlim e a nova realidade da economia mundial a várias velocidades, dominada pela aceleração da globalização e pela crescente precariedade do emprego, a que se juntou o próprio processo de alargamento europeu e o envelhecimento dramático da população.
Sobre Portugal, recordou que era de longe o país da Europa com os salários mais baixos quando ingressou na União Europeia. "Isso resultou numa garantia da nossa moeda que proporcionou tanto a Portugal como a Espanha um forte investimento internacional", rematou Augusto Mateus. Mas Portugal não o soube aproveitar. Augusto Mateus foi extremamente crítico em relação à forma como Portugal aplicou os fundos comunitários, falando de "desperdício, falta de massa crítica e pulverização de projectos individuais em vez de apostar em grandes projetos capazes de criarem riqueza a favor da população".
Apesar de tudo, reconheceu que a crise portuguesa se deveu também ao falhanço do pacto europeu de estabilidade em matéria de coesão. Preocupado com as soluções que nos possam fazer sair da crise, o orador sublinhou a necessidade de reformar o Estado actual, "que foi constituído por edifícios e empregos e não para ser um prestador de serviços". Para o investigador, importa sermos capazes de enfrentar objectivos ambiciosos, mas alcançáveis, sendo imperioso afectar os recursos de forma inteligente no investimento produtivo e perceber que a competitividade não é um custo, traduzindo-se antes no valor acrescentado que conseguirmos introduzir nas nossas exportações.
"Não podemos facilitar em relação aos problemas que temos pela frente", defendeu o ex-ministro da Economia, opinião também partilhada por António Barreto: "O tempo é curto, o trabalho é grande e o problema é enorme".
"Como vamos criar candidaturas correctas para os fundos europeus que teremos nos próximos sete anos? Teremos massa crítica, técnicos competentes e sérios capazes de avaliarem e fiscalizarem a aplicação dos fundos? Este é o problema crítico que vai determinar a linha de desenvolvimento de Portugal no futuro", avisou o presidente da Fundação Manuel dos Santos. "As resoluções que se assumirem agora determinarão a linha de criação do estado democrático no futuro", frisou.
"Ninguém sabe o que se irá passar, e ninguém sabia também o que realmente se iria passar", constatou Manuel Villaverde Cabral. O antigo vice-reitor da Universidade de Lisboa responsabilizou os políticos de serem "os recondutores das escolhas feitas ao longo do século" na gestão financeira portuguesa: "Poupávamos quando éramos pobres e deixámos de poupar quando nos tornámos ricos". Mas resta-lhe a esperança: "A perda do poder do Estado e da classe política pode ser o complemento de uma economia mais orientada para o benefício das populações".



"É necessária uma revisão constitucional que torne o país viável"

Por Luís Rosa
publicado em 14 Set 2013 in (jornal) i online

Economista defende uma revisão constitucional que permita adaptar o Estado à variação dos ciclos económicos
O professor catedrático da Universidade Nova opta por não atacar os juízes conselheiros do Tribunal Constitucional e defende uma revisão constitucional. De forma clara, transparente e fundamentada, António Nogueira Leite explica por que razão a reforma do Estado é imprescindível e obriga a uma adaptação da estrutura pública à riqueza que o país é capaz de gerar. Para o vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos, o governo de Passos Coelho está longe de ser um executivo liberal, mas destaca as medidas que têm sido tomadas pelo Ministério da Educação de Nuno Crato.

Os Estados Unidos investiram mais de 65 mil milhões de euros em acções europeias - é o valor mais alto desde 1977. A economia europeia cresceu 0,3% no segundo trimestre, tendo Portugal atingido o valor mais elevado: 1,1% Estes sinais significam que a crise da dívida soberana já passou?

Ainda não. Mas significa um conjunto de três factores: O primeiro é a abundância de dinheiro que existe neste momento nos mercados financeiros, levando os investidores a procurar activos que até há pouco tempo não estavam tanto no seu radar. O segundo aspecto tem a ver com preocupações face aos mercados emergentes sobre os quais se suscitam algumas dúvidas - é o caso do funcionamento do mercado de crédito na China. Ou a evolução de grandes economias como o Brasil que estão a fazer os mesmos erros que a Europa do Sul cometeu e, portanto, poderá vir a ter um ajustamento doloroso mais à frente. Por outro lado, há também a noção de que, não estando a questão resolvida, a Europa como um todo é mais atraente e provavelmente já bateu no fundo.

O que falta fazer na Europa para resolver a crise?

Falta demonstrar que uma crise igual a esta não se repetirá, criando-se mecanismos de supervisão multilateral na Europa. O segundo aspecto relaciona-se com o funcionamento do processo de ajuda condicional do Banco Central Europeu (BCE), que não vai durar para sempre. Relativamente às economias do Sul, nomeadamente Portugal, Grécia e, de alguma forma, Espanha e Irlanda, temos de verificar se os cortes que faltam fazer serão efectivamente concretizados quando existe já um esgotamento em função das dificuldades pelas quais as populações foram passando ao longo dos últimos anos.

É imprescindível fazer esta reforma do Estado?

É essencial. Estamos a usar nomes e designações que não são necessariamente as mais rigorosas. Neste momento estamos a falar num ajustamento. A reforma do Estado significaria que teríamos conseguido identificar quais as instituições que, com relativamente pouco esforço e grande economia, poderiam fazer as funções de outras e poupar. É toda aquela reestruturação que se faz numa entidade privada ou pública de modo a torna-la mais eficaz, produzindo o mesmo com menos meios, o que não aconteceu. Acho que nenhum partido é capaz de fazer isso. Todos dizem que o fazem mas o que se vê na prática é um pequeno simulacro daquilo que seria a verdadeira reforma do Estado. E depois há também aqueles que quando tiveram a oportunidade não fizeram e vêm dizer: "Não, não? é preciso estudar que Estado é que queremos?" Estão sempre a tentar encontrar aquilo a que eu chamo processos activos de não decisão. Isto é, ir novamente à origem de tudo para nunca mais tratar do assunto. Não tendo feito isso, o governo está a tentar adaptar a dimensão do Estado àquilo que a economia consegue suportar. Esse trabalho terá de ser feito pela actual maioria ou pelo futuro governo do PS. O país atingiu um nível de dívida tal que a nossa credibilidade para pagar a dívida só existirá se convencermos os nossos credores de que conseguimos amortizar os empréstimos que recebemos, pagando juros adequadamente. Só assim é que conseguimos ir buscar mais dívida para financiarmos o Estado.

No plano fiscal já atingimos também um ponto de saturação em que não é possível ir buscar mais receitas através de impostos...

É muito difícil. O sector privado fez já uma boa parte do ajustamento que era exigido - o FMI queria mais, mas eu acho que há outros factores mais importantes do que a descida dos salários. O nosso grande problema é que não temos conseguido reformar o Estado ou, pelo menos, adequar a dimensão do Estado à dimensão que a economia consegue suportar.

Tendo em conta as últimas decisões do Tribunal Constitucional (TC) sobre a questão da requalificação, é possível, já não digo reformar o Estado, mas diminuir a despesa corrente do Estado?

O PSD, o PS e, eventualmente, o CDS vão ter que se entender relativamente a uma revisão constitucional que torne o país viável. Porque esta Constituição e a jurisprudência que tem sido feita - já não falo na carga ideológica fortíssima de alguns juízes do Tribunal Constitucional, - não tem em conta a realidade em que o país vive. Em primeiro lugar porque foi pensada, conceptualizada para um país que tem moeda própria e Portugal faz parte de uma zona monetária na qual tem uma moeda partilhada com um conjunto significativo de outros países, alguns dos quais com um papel muito mais importante na condução dessa zona monetária. Segundo aspecto: há um conjunto de tratados aos quais nós aderimos que era importante que pudessem ser plasmados na Constituição. Os juristas dirão que a Constituição vale mais do que esses tratados, mas o grande problema é que nós não conseguimos trocar a Constituição por financiamento à dívida. Acho que podemos ter uma Constituição que garanta os direitos fundamentais mas precisa de ser revista. Não se percebe como é que o primeiro-ministro agora acha irrelevante a revisão constitucional quando dizia o contrário em 2011 - uma altura que não era dramática como aquela que o país tem hoje. Fiz algumas críticas à proposta de revisão constitucional feita em 2011 por Paulo Teixeira Pinto, mas a ideia era boa para promover um debate que hoje é mais necessário do que nunca. A revisão constitucional vai ser politicamente difícil, mas o PS necessita de uma revisão constitucional.

Criou-se a ideia na opinião pública de que António José Seguro não aplicará uma política diferente da que tem vindo a ser seguida.

Quando chegar ao governo, o PS vai ter de fazer o contrário do que José Seguro anda a dizer. O que significa que vai ter de ser liderado por uma pessoa que não se esgotou, porque o grau de contradição a que Seguro vai ter de chegar será maior do que as piruetas que o primeiro-ministro actual foi obrigado a fazer em 2011. Portanto, vai ser um problema grande para o país porque as pessoas vão fazer muita coisa à "contre-coeur" Se Seguro aplicar a receita que anda vender, acho que o país entra numa situação provavelmente mais grave do que aquela que enfrentámos em Abril de 2011.

Só que uma revisão constitucional é um processo muito demorado.

É preciso encontrar os caminhos que possibilitem essa revisão. Dou-lhe um exemplo. Aparentemente existe alguma adesão dos funcionários ao programa de saídas da função púbica. Agora pergunto: porque é que o governo colocou um patamar tão baixo nas indemnizações? Provavelmente deveria negociar com a troika por forma a poder aumentá-las e provavelmente haveria muito mais funcionários dispostos a encontrar uma saída para as suas vidas se a compensação tornasse isso mais evidente. No privado enfrentei situações de despedimentos colectivos em que os sindicatos faziam forte pressão para que eles não existissem, e em que os trabalhadores pelo acerto das compensações que eram dadas e pela negociação que foi estabelecida acabaram por virar as costas aos sindicatos e aceitar. Há um bocadinho de falta de experiência das pessoas no Ministério das Finanças relativamente a como é que estas coisas acontecem na prática.

Deixe-me só recuar um pouco em relação ao TC. Há jurisprudência que permite o despedimento de funcionários públicos. Considera que os juízes actuais têm uma leitura muito conservadora da Constituição?

Não sou jurista, mas sei que o problema não é a violação do texto da Constituição. É a violação dos princípios constitucionais à luz do entendimento dos juízes sobre aplicação desses princípios no caso concreto. Há um aspecto que eu não quis valorizar muito, mas admito que exista, que são determinadas concepções ideológicas de Estado que não tem sequer a ver com o estado social, nem com a redistribuição de rendimento. Há uma parte significativa do TC que, independentemente da realidade, valoriza mais essa concepção.

A maioria do tribunal defende que o Estado deve ficar fora da evolução dinâmica dos ciclos económicos. Isso faz com que na prática, Portugal seja no conjunto da União Europeia, o único Estado que não ajustou a sua estrutura ao ciclo económico. Faz sentido?

O que essas pessoas às vezes não percebem é que se viverem o tempo suficiente se calhar não irá haver portugueses suficientes para lhes pagarem os direitos que estão consagrados na lei. Nós não podemos ter taxas de imposto de 70% ou 75%, porque as pessoas válidas vão-se embora e ficam cá os que não produzem riqueza. Há uma parte importante dos portugueses que gosta de viver um bocadinho naquela fase que as crianças têm aos 4, 5 anos, a do pensamento mágico: 'não vai haver dinheiro nestas circunstâncias, mas tanto me faz porque eu gostaria que fosse assim, logo vai ser assim'. Mas as coisas não são dessa forma.

É por isso fundamental, sem alterar a matriz sobre a qual existe um consenso importante na sociedade portuguesa, fazer-se uma revisão constitucional que nos liberte destes constrangimentos permanentes. Não estamos a falar de pôr em causa o Estado social, nem o direito à saúde ou à educação. Por exemplo, quando falamos no direito à saúde e direito à educação, a Constituição não diz, mas alguns interpretam "que todos os cidadãos têm direito à educação" significa que toda a educação tenha de ser pública. O Estado pode financiar uma escola sem que esta tenha que ser necessariamente pública. Esta é a minha interpretação que é comum ao outros países europeus, como por exemplo os nórdicos - que não são exemplo de liberalismo selvagem. Se olharmos para o que aconteceu na Suécia, na Finlândia e na Dinamarca, são países que têm um Estado social mais forte do que o nosso. Além de uma coesão social mais fortalecida do que a nossa, têm um Estado que foi efectivamente reformado. Nesses países, os meios financeiros determinam aquilo que se pode oferecer e a preocupação essencial é criar mecanismos para que as estruturas sirvam o maior número de pessoas o melhor possível. Em Portugal, as pessoas não estão preocupadas com esse aspecto, que é a verdadeira razão para termos um Estado Social. As pessoas estão apenas preocupadas com a sua parte do bolo do Estado Social.

Consegue perceber como pode ser inconstitucional harmonizar e promover a igualdade de direitos entre sector público e sector privado em termos salariais, de pensões, de legislação laboral ou de outras regalias?

Vim trabalhar para o Estado, para a universidade pública porque achava na altura que era o melhor sítio para desenvolver as minhas capacidades enquanto investigador e professor. Não vim para cá porque esta universidade me dava - e há muita gente como eu certamente - segurança no emprego. A nossa preocupação no Estado não era de ter um emprego para a vida, mas sim o sítio onde vou realizar a minha actividade profissional. Com a excepção das ditas funções de soberania, não vejo como possa haver diferenças de direitos entre o sector público e o sector privado.

Para as pessoas mais novas, da minha geração, esses privilégios não são socialmente justos nem economicamente necessários

Criou-se o anátema que as gerações mais novas não podem falar sobre a enorme iniquidade intergeracional que existe em Portugal. Basicamente não podem perspectivar quando chegarem à idade das mais velhas, não vai haver dinheiro para esperarem sequer uma aproximação àquilo que são as condições actuais. As pessoas que são bons cidadãos percebem isso. As pessoas têm de perceber que há direitos adquiridos, mas que esses direitos estavam assente em pressupostos que não eram verdadeiros. Dou um exemplo: o nosso sistema público de pensões, seja na Caixa Geral de Aposentações, seja na Segurança Social, não foi um sistema de capitalização, foi sempre de transferência. É um facto que as pessoas fizeram descontos, mas que serviram para pagamento das pensões daqueles que eram inactivos e acho que aqui é preciso haver bom senso de parte a parte. A última coisa que faz sentido é criar uma revolta de geração contra geração, mas é um facto que as gerações mais velhas têm de perceber que as mais novas (nem falo da minha, mas daquelas que estão abaixo da minha) acham que do ponto de vista de equidade intergeracional tem que se caminhar num sentido de maior justiça. Parece-me justo porque a equidade não é apenas transversal, não é entre as pessoas da mesma geração. É entre pessoas da mesma geração, das várias gerações e entre as gerações. Portanto, este é um aspecto que tem de ser tratado com cuidado sobre o qual é muito fácil fazer demagogia, ou seja, virando os novos contra os velhos, mas também virando os velhos contra os novos e há muita gente a fazer demagogia dos dois lados. E repare que não é nos salários da função pública que está o grosso da evolução perniciosa da despesa púbica. Mais, os salários da função pública pesam hoje menos na despesa e no PIB do que pesavam há cinco anos. Aquilo que tem tido ao longo dos 30 anos um crescimento explosivo são prestações sociais a partir do Orçamento do Estado, seja os reformados ou a todo outro tipo de situações onde é legítimo que o Estado ajude as pessoas.

Com o chumbo do Constitucional sobre o diploma da requalificação dos funcionários, e o mais que provável chumbo da convergência das pensões do sector público com o privado, fica em causa as 8.a e 9.a avaliações da troika que começarão a 16 de Setembro?

Se o governo não for capaz de fechar o orçamento em função desses aspectos, acho que ficam em causa isso e, mais grave do que isso, fica em causa a possibilidade de Portugal contar com uma transição para um financiamento autónomo com o apoio do Banco Central Europeu.

O pós troika?

Entramos numa situação muito mais complexa. Sei que há muita gente no PS que aposta muito no negócio da reestruturação da dívida. Mas não nos podemos esquecer que com reestruturação - e nós já temos vindo a reestruturar a dívida oficial - as maturidades aumentam, o juro já não é o mesmo. Esse cenário deve ser evitado. Se esse cenário se verificar, não vai haver financiamento não oficial a Portugal durante muito tempo. E, portanto, o nosso país vai estar perante uma ditadura financeira dos nossos parceiros europeus mais violenta do que aquela que exercemos até agora. Pode ser bom para alguns no curto prazo, nomeadamente aqueles que estejam envolvidos na renegociação, mas acho que isso não só é mesquinho como é antipatriótico.

Continua a achar imprescindível que a maioria e o PS cheguem a um acordo, acredita que isso é possível?

Acho que há pessoas no PS que são muito tácticas no seu posicionamento.

Antes das autárquicas.

Não é só isso, acho que no PS há muita gente que tem a noção que há sempre dinheiro. Isso contribuiu muito para que tivéssemos chegado a este ponto. Também há pessoas no PS que têm a noção do contrário.

Este governo já esteve para cair várias vezes, mas acabou por ser salvo pelo Presidente da República no Verão. Acha que vai conseguir levar o mandato até 2015?

Dá essa impressão. Uma coisa que é certa: neste momento o CDS-PP está muito mais envolvido e o seu futuro está dependente do sucesso da governação. Acho que uma parte importante do governo, senão a totalidade, que faz parte da solução está absolutamente empenhada porque jogaram demasiado, até no plano social. Espero não estar enganado.

Diz-se que este governo é o mais liberal de sempre. Olhando para a economia, educação, saúde, segurança social, administração pública, concorda?

Sou dos que acha que dar espaço para a iniciativa privada e para a sociedade civil não é crime. Não é um crime ideológico nem de concepção de funcionamento da sociedade. Muito pelo contrário, é aquilo que países de matriz de continental europeia têm seguido. Não estamos a falar aqui de ultra liberalismo, longe disso. É um bocadinho injusto confundir a situação concreta deste governo com a de governos anteriores. Algumas medidas que foram tomadas não são necessariamente medidas liberais, muitas delas são puras medidas de reestruturação de corte que nada têm de liberal, mas muitas dessas medidas foram tomadas única e exclusivamente porque estamos sob protectorado financeiro. Olhando para a saúde não vejo que este governo seja mais liberal do que os anteriores, inclusive os do PS. Acho que o governo está preocupado com a eficiência da provisão do bem saúde, e do funcionamento do Serviço Nacional de Saúde. Acho que isso só lhe fica bem mas isso não é ideológico. Isso é gerir bem ou o melhor possível o dinheiro dos contribuintes. Tem uma visão mais aberta e porventura mais liberal na área da educação. Algumas das medidas não têm a ver com o período de emergência financeira em que o país está e até são medidas na linha daquilo que eu penso: mais escolha e mais concorrência gera melhores resultados. Ter as escolas públicas num ambiente concorrencial, de procura de excelência só lhes faz bem. Não acaba com a escola pública. Torna a escola numa estrutura voltada para a comunidade e não uma escola virada para aqueles que recebem o recibo de vencimento aqui na escola.

Há mais alguma área em que o governo tenha conseguido ter a fama e proveito de liberal?

Não muita. Até porque as operações de privatização foram feitas da forma menos liberal possível. O governo basicamente fez vendas directas, o que tem a ver com as circunstâncias do país. Um governo liberal quando vende os activos escolhe sempre mais situações de concorrência em mercado aberto. O governo pode ter a fama de ser liberal mas não teve o proveito neste caso. Percebo que para alguns governantes é mais interessante ditar e controlar o percurso das coisas do que deixar o mercado livremente decidir quem compra.

Portanto, é muito maior a fama do que o proveito?

Acho que sim até porque o PSD não é um partido liberal.

Mas comparando com o segundo governo de Cavaco Silva eleito em 1987?


O primeiro governo de maioria absoluta de Cavaco Silva, nalgumas áreas foi mais reformista do que este. É certo que o ministro Álvaro diz que foi o mais reformista dos últimos trinta anos, mas objectivamente e olhando para o conjunto das coisas, é incomensuravelmente mais difícil reformar agora do que foi na altura. Mas acho que este governo não exorbitou, ainda há muita coisa a fazer e não estou a falar em cortes. Há muita coisa que está por fazer e que este governo nem sequer vai tentar. Vamos ver se ainda terá possibilidade em 2015 de fazê-lo.

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