Guerra às prestações
Cameron tinha de consultar o Parlamento antes de se envolver
na guerra na Síria. E o Parlamento chumbou essa pretensão. Agora especula-se
que Londres possa aproveitar o hiato criado pela decisão de Barack Obama de
consultar o Congresso para convencer os deputados a rever o chumbo. Nos EUA, já
se sabe, Obama "declarou" guerra, mas decidiu que ainda vai consultar
o Congresso, mesmo que a isso não esteja obrigado. François Hollande está
debaixo de uma chuva de críticas por querer atacar o regime de Damasco sem
autorização do Parlamento. O secretário-geral da NATO está convencido de que o
regime sírio foi responsável pelos ataques químicos, mas descarta qualquer
participação. Os avanços e recuos, as consultas aos parlamentos e as indecisões
estão a servir não só para tentar legitimar uma intervenção, mas também para
comprar tempo até que se consiga responder a uma pergunta para a qual o
Ocidente ainda não tem resposta: que tipo de guerra quer fazer na Síria?
Editorial / Público
Hollande pressionado para submeter ataque
a votação no Parlamento
A oposição conservadora francesa, que começou por
indicar que apoiaria a participação francesa num ataque punitivo contra a Síria,
começou a pressionar François Hollande para que levasse, tal como os líderes
norte-americano e britânico, a questão a votação ao Parlamento. A Constituição
não obriga o Presidente a fazê-lo, e para já está marcado apenas um debate
parlamentar para amanhã.
Na resposta, uma série de socialistas franceses vieram ontem defender que
Hollande não deve abdicar do direito de avançar com um ataque e deixar essa
decisão aos deputados.Mas foi isso exactamente que o Presidente norte-americano, Barack Obama, anunciou que ia fazer, embora sublinhasse que tem o direito de ordenar um ataque sem ouvir o Congresso. Já David Cameron é obrigado a ouvir a Câmara dos Comuns, que reprovou o princípio de uma intervenção na semana anterior.
Tudo isto é uma situação nova: nem há memória de um primeiro-ministro britânico perder o controlo da sua política externa, nem nos EUA há uma situação comparável - o que vinha a haver era justamente o contrário, presidentes que tomavam decisões que os seus críticos diziam que deviam passar pelo Congresso.
Tudo isto se reflecte em França. O antigo primeiro-ministro e deputado da UMP François Fillon comentou que a região é "um barril de pólvora" e pediu uma votação. O líder do partido conservador, Jean-François Copé, pediu pelo seu lado ao Presidente que espere pelos resultados das conclusões dos peritos da ONU. Os serviços secretos franceses apresentaram ontem um documento de nove páginas descrevendo o ataque químico de 21 de Agosto como "enorme e coordenado" e dando como certo que este foi ordenado pelo regime de Damasco.
"A questão é demasiado séria para ser submetida a política partidária", contrapôs a ministra Marisol Touraine, dos Assuntos Sociais. "Devemos cingir-nos à Constituição", defendeu também a socialista Elisabeth Guigou, da comissão de assuntos externos. O que aconteceria, questionou, se o Parlamento aprovasse o ataque e o Congresso dos EUA o chumbasse? A França, que o ministro da Defesa já disse que não agiria sozinha, ficaria numa "situação impossível".
A intervenção é pouco popular entre os franceses (64% contra) mas beneficiaria Hollande, visto como fraco, ao mostrá-lo como um aliado de Obama num conflito internacional, diz a revista Time.
Reino Unido tentou vender armas químicas à Síria, mas UE não
deixou
Por Diogo Vaz Pinto
publicado em 3 Set 2013 in (jornal) i online
Só as sanções da UE à Síria impediram que os químicos
utilizados no fabrico de sarin chegassem àquele país
O governo britânico foi acusado de ter mostrado "uma
lassidão assustadora" no controlo de armas depois de ter sido revelado que
responsáveis do executivo autorizaram o ano passado a exportação de dois
agentes químicos para a Síria que são componentes importantes no fabrico do gás
venenoso sarin.
O responsável pelo ministério dos Negócios, Vince Cable, foi
ontem chamado ao parlamento para explicar aos deputados como foi possível que
uma empresa britânica tenha obtido licenças de exportação, por um período de
seis meses, para fazer chegar à Síria substâncias de dupla-utilização quando a
guerra civil no país estava no auge e havia receios de que o regime pudesse vir
a usar armas químicas contra a sua população.
O Departamento para os Negócios e Inovação insistiu, no
entanto, que apesar de terem sido concedidas as ditas licenças a uma empresa
não identificada do Reino Unido, em Janeiro de 2012, as substâncias nunca
chegaram à Síria devido às apertadas sanções que a União Europeia impôs contra
o governo daquele país. E o porta-voz do primeiro-ministro, David Cameron,
disse que a situação só vinha demonstrar que "o sistema está a
funcionar", porque, no final, aqueles materiais não chegaram à Síria e as
licenças acabaram por ser revogadas em Julho de 2012. As vozes críticas da
actuação do ministério encabeçado por Cable - que diz que recebeu garantias de
que os químicos seriam usados no fabrico de esquadrias de metal e de divisórias
dos chuveiros - preferiram sublinhar que, aparentemente, foi por um mero acaso
que estas substâncias não chegaram à Síria.
A revelação de que a exportação de fluorido de potássio e
fluorido de sódio foi autorizada, coincidiu com o anúncio do secretário de
Estado norte-americano, John Kerry, de que os EUA têm provas de que o gás sarin
foi usado num suposto ataque por parte do regime de Bashar al-Assad a um
subúrbio a leste de Damasco (Ghouta), controlado pelos rebeldes, no qual
morreram mais de 1400 pessoas, incluindo várias crianças.
Depois de Kerry ter anunciado que foram descobertos
vestígios do gás venenoso em amostras de cabelo, sangue e solo entregues
directamente a Washington por activistas sírios, ontem o governo francês
adiantou que iria disponibilizar ao parlamento um dossier que prova não apenas
que o governo sírio tem armazenadas enormes quantidades de armas químicas como
foi responsável pelo ataque de 21 de Agosto no qual morreram 281 pessoas.
Tanto a administração Obama como o governo do presidente
francês, François Hollande, têm pressionado as instituições políticas EUA e na
França para que aprovem uma acção militar contra Damasco. Enquanto isso, a
Síria pediu às Nações Unidas que intervenha para "prevenir qualquer
agressão" contra o país, negando o seu envolvimento no ataque e culpando
os rebeldes - hipótese que foi também ventilada por outras fontes. Uma
correspondente da agência norte-americana Associated Press (AP), Dale Gavlak,
afirmou que nas entrevistas que conduziu no bairro onde o gás venenoso fez
centenas de vítimas, tanto residentes como elementos das forças rebeldes
confirmaram que o que se passou no dia 21 foi "um acidente" que
ocorreu porque os rebeldes não souberam manipular as armas químicas que
receberam da Arábia Saudita.
Sem comentários:
Enviar um comentário