“Não há uma
ruptura dramática que mereça desfiles e procissões”
3 jun 2016 /
PÚBLICO
São José Almeida e
Liliana Valente
Sérgio Sousa Pinto
considera que “é indispensável para Portugal que este Governo
seja bem sucedido”. E sublinha que “ao dramatismo do combate
político” não corresponde a uma “ruptura”
“Temos de reconhecer os limites da nossa capacidade de influir na política europeia”, diz Sousa Pinto
“Temos de reconhecer os limites da nossa capacidade de influir na política europeia”, diz Sousa Pinto
Sérgio Sousa Pinto
rompeu com António Costa e esclarece que não está “nada
preocupado com o pós-Costa”, até porque, afirma, “existe um
secretário-geral” e não tenciona “contribuir para a sua
substituição”. Diz que Portugal não pode sair do euro.
Defendendo que de forma “pragmática” se procure alterar o rumo
europeu, alerta para o risco do “Brexit”.
Votou em Costa?
Não, não votei em
ninguém, não participei na votação.
Vai intervir no
congresso?
Ainda não decidi.
O que o pode levar a
intervir?
Quero fazer uma
intervenção que seja útil, que não seja redundante ou perniciosa
para o partido. Como vê a caracterização feita por Francisco Assis
de que o PS e o Governo estão “manietados”? Gostei das
entrevistas porque acho que são desassombradas. O partido precisa de
gente que diga com clareza o que tem a dizer. É a única maneira de
honrar as suas obrigações perante o seu partido. Tem um percurso
diferente do de Assis. Foi olhado como um delfim de Costa, integrava
o Secretariado. Há quem possa concluir que a sua ruptura indicia que
procura construir uma alternativa futura ao PS de Costa. Não tenho a
menor vocação e inclinação para me determinar por razões de
ordem táctica. Desde os vinte e poucos anos que faço aquilo que
considero que devo fazer. Nunca as minhas tomadas de posição são
instrumentais em relação a quaisquer expectativas que eu possa ter.
Vê-se numa solução
de direcção num PS pós-Costa?
Não estou nada
preocupado com o pós-Costa. Existe um secretáriogeral, não
tenciono contribuir para a sua substituição. Essa é uma questão
que não me interessa rigorosamente nada. O que me interessa é o
momento que estamos a viver. O futuro quando chegar, chegou.
Como vê os
primeiros seis meses do Governo?
É muito cedo para
fazer balanços.
Mas o que pensa
deste Governo?
Penso que é
indispensável para Portugal que este Governo seja bem sucedido. Faz
a mesma avaliação sobre a ligação ao BE e ao PCP? A minha
avaliação no início era de princípio. Como no passado, o PS devia
ter criado condições para que aqueles que ganharam as eleições
governassem. Agora considero que temos de reconhecer que essa questão
já perdeu oportunidade e não vamos ficar até ao fim dos tempos a
martelar na questão da legitimidade do Governo. O Governo tomou
posse, apresentou um programa, o programa passou na Assembleia e o
Governo está em funções. Ainda por cima, tem o apoio inequívoco
do actual Presidente. Parece-me absurdo persistir no problema da
legitimidade, que está ultrapassado pela própria dinâmica dos
acontecimentos. Mas não vê sinais de crítica de Marcelo ao
Governo? Isto parece o sonho de Sá Carneiro: uma maioria, um
Governo, um Presidente.
Como vê a relação
entre os dois?
O Presidente da
República tem uma prioridade que é alterar a liderança do seu
partido. É uma situação que tem um precedente histórico
conhecido. Vítor Constâncio demitiu-se da liderança do PS acusando
Mário Soares, Presidente, de querer derrubar a sua direcção. O que
está a acontecer neste momento, do meu ponto de vista — podendo eu
estar enganado, é natural e possível que o esteja —, é que
existe da parte do Presidente da República uma prioridade clara que
é não
inviabilizar o
funcionamento do actual Governo, mas sim favorecer uma alteração no
seu próprio partido e concorrer para a alteração da sua actual
direcção. Isso explica a convergência táctica entre o Presidente
[e o primeiroministro]. É uma verdadeira marcha nupcial entre o
Presidente e o primeiro-ministro e que tem como única explicação o
facto de o Presidente ter elegido como sua prioridade uma rearrumação
das forças na direita e uma alteração na liderança do PSD. Há no
PS quem questione a permanência no euro ou essa questão não se
coloca? No PS, como em todos os
fora em que
participam pessoas com pensamento livre e comprometido com o
interesse nacional, existe uma reflexão sobre as vantagens e as
desvantagens da nossa adesão ao euro. Assim como uma ponderação
das vantagens e desvantagens de permanecer no euro. Neste momento, no
contexto em que se vive, qual é, na sua opinião, a posição?
Portugal tem de tomar as decisões que se impõem para permanecer no
euro.
E são elas...?
Isso significa
manter políticas que em larga medida podem ser qualificadas como
políticas de austeridade em linha de continuidade com o que
aconteceu. Porque que o dramatismo do combate político parlamentar
não tem tradução numa ruptura com o passado que tenha eliminado a
austeridade. Continuamos a viver em austeridade.
As medidas
continuam, têm é outro nível de incidência?
Com certeza que
continuam. Aliás, tem de haver uma reflexão sobre a maneira como
são doseadas, como é doseada a austeridade. Não podemos persistir
naquilo que, do meu ponto de vista, é uma flagelação insustentável
da classe média. Está a dizer que o Governo mantém algumas medidas
de austeridade que são necessárias para Portugal se manter no euro?
O actual Governo, tanto em política europeia como em opções de
política económica, permanece fiel às escolhas fundamentais que
inspiraram o Governo anterior, que é fazer o que tem de ser feito
para permanecer no euro. E, curiosamente, há um certo histrionismo
parlamentar e um certo histrionismo no debate político que não tem,
do meu ponto de vista, justificação face aquilo que são as grandes
linhas de permanência da política portuguesa que são,
indiscutivelmente, fazer os sacrifícios que é preciso fazer para
não sair do euro. Então não há uma ruptura com a austeridade,
como diz Costa? Sinceramente, não há uma ruptura dramática que
mereça desfiles e procissões. Há uma renovação geracional que é
mais próxima do BE, não vê mérito nessa nova geração? Há
certamente gente no PS que parece ter vergonha de não ser do Bloco.
Mas isso são pessoas que ainda não completaram o seu processo de
aprendizagem do que é ser socialista democrático. O tempo resolverá
isso. É possível no futuro um outro Governo do PS ou o actual ou o
PS na oposição fazer acordos com o PSD? Para quem acha que os
problemas nacionais residem na existência de uma direita política e
que afastar do poder a direita corresponde a instaurar no país as
condições para a felicidade universal, naturalmente que isso não
fará sentido. Para quem considere que existem problemas no país,
que são problemas históricos, que são grandes atrasos nacionais,
problemas difíceis de resolver e que exigem alianças à esquerda
contra a direita nuns casos e alianças com a direita contra a
esquerda noutros, já que a realidade é complexa e como aconteceu no
passado o PS terá de se entender novamente com a direita. O fenómeno
da radicalização não é só português. Como vê a radicalização
da política nas democracias europeias? O eleitorado está a dar-se
conta de algo que já tem alguns anos que é um empobrecimento das
alternativas políticas e que há um mainstream que
funciona como uma gaiola de ferro que exclui as escolhas e as pessoas
sentem que votando no centro-esquerda ou votando no centro-direita
não conseguem fazer a diferença. E isto tem muito que ver com as
condições da construção europeia e com o impacto, neste momento
histórico, da construção europeia nas democracias nacionais. Foi
um dos primeiros políticos portugueses a viver a mediatização
através de propostas sobre questões de direitos humanos, aquilo que
é visto por muitos como uma agenda radical. Para além da espuma dos
dias, o que ficou dessa experiência? Essa pergunta não vai ser
respondida satisfatoriamente, porque exigia que eu pensasse sobre ela
e não há tempo para o fazer. Mas o que posso dizer é que calhou eu
chegar à Assembleia da República numa altura em que o divórcio
entre a vida social e o universo político era de tal maneira
acentuado que questões como a da interrupção da gravidez ou dos
casais homossexuais eram ignorados, como se pudessem ser ignorados. E
para mim e para a minha geração eram questões que não podiam ser
ignoradas. Não corresponderam a heroísmo nenhum nem a coragem de
espécie nenhuma, corresponderam ao cumprimento da obrigação
sagrada do deputado de trazer para a esfera política e parlamentar
questões urgentes que exigiam resposta e reconhecimento e que
emergiam da vida social.
Mas isso foi olhado
como uma agenda radical.
Isso porque o
partido era excessivamente conservador e tinha um primeiro-ministro
com uma visão do país excessivamente conservadora e achava que o PS
ia criar um problema com o país real, como na altura se dizia, que
iam castigar, penalizar durante muito tempo o PS. Foi esse profundo
erro de avaliação que conduziu a um desamor de sectores sociais
importantes em relação ao PS e que esteve na origem social do Bloco
de Esquerda. Como é que um conjunto de grupúsculos de
extrema-esquerda que nunca tinham tido expressão parlamentar de
repente se convertem no Bloco de Esquerda? Houve uma parte
significativa da esquerda, sobretudo da esquerda urbana, que se
sentiu ferida pelo profundo conservadorismo da direcção do PS.
Por desconfiança?
Não era por
desconfiança nenhuma nos políticos. Era porque uma parte da
esquerda não se reconhecia no seu partido, uma parte da esquerda não
comunista não se reconhecia já no seu partido.
Aderiu a outra
proposta?
Não quero fazer
especulações no tempo que corre. Mas durante muito tempo o BE era
como um termómetro: quando o PS estava mal e febril, o BE subia como
o mercúrio. Era o indicativo do protesto, da insatisfação das
pessoas para com o seu grande partido, para com o partido que é a
grande instituição da esquerda democrática, que esteve no centro
de todas as transformações reformistas que entraram em vigor e que
contaram em Portugal e que é o PS.
Foi isso que
aconteceu nas últimas eleições legislativas?
Do meu ponto de
vista, sim. O regresso dos nacionalismos mostra como a utopia
federalista não passa de uma quimera? O regresso dos nacionalistas é
observável. Mas acho que verdadeiramente o fenómeno em presença é
de recrudescimento de propostas políticas de ruptura com o consenso
que não admite alternativas. A ideia de que as coisas estão longe
de serem perfeitas, as coisas em boa verdade estão até bastante
mal, mas ninguém responsável pode admitir que existam alternativas.
Responsavelmente, não há alternativas. É este cimento insuportável
que alguns associam ao centro-esquerda ou ao centro-direita, outros
associam ao mainstream europeu outros associam à interdependência
que vem da globalização, é este reconhecimento que temos de
aceitar o nosso destino e de que a política já não é capaz de
mudar o que quer que seja que gera uma reacção desesperada que
tende a privilegiar os extremos, sejam eles nacionalistas ou
populistas terceiro-mundistas como o caso do Podemos em Espanha.
E como é que isso
se combate?
Eu não tenho
soluções milagrosas. A única coisa que sugiro é uma política de
verdade. E esperança de que as pessoas adiram a um discurso de
verdade sobre as reais condições e sobre o que pode ser alcançado.
Se as pessoas preferirem a utopia, a aventura, comprometer aquilo que
alcançamos na nossa esforçada caminhada de quarenta anos de
democracia para alinharmos com aventuras demenciais como as
venezuelanas. E temos um país aqui ao nosso lado que é a Espanha,
com um partido profundamente populista, um populismo de esquerda que
é tão perigoso para as instituições democráticas e liberais como
o populismo de direita, se as pessoas preferirem a solução da
aventura e da irresponsabilidade, se acharem que as instituições
democráticas não prestam, que os políticos não prestam, se têm
um desamor profundo em relação ao regime, então o que se pode
fazer? Prefiro cair ao lado das pessoas que acho que têm razão do
que modernizarme tornando-me eu próprio um populista. Falando nessa
questão das euforias, como é que vê o referendo do Reino Unido
para a saída da União Europeia? É nessa perspectiva? Evidentemente
que é. E por que é? Porque se metade dos ingleses concebe a
possibilidade de sair da União é porque se revoltou contra esta
ideia de que, por estarmos na UE, não temos verdadeiramente
alternativas disponíveis. Ou seja, só lhes resta seguir a política
única que é a política de responsabilidade. There is no
alternative? Isso não é possível. As pessoas mais cedo ou mais
tarde vão rebelar-se contra esse discurso, que é um discurso,
aliás, desmentido pela história, de que não há alternativas. Acho
que é do interesse do Reino Unido e é do interesse da Europa que o
Reino Unido perceba. Mas não é só o Reino Unido. Toda a Europa
deve meditar profundamente sobre as razões deste desamor. Este
desamor é o reconhecimento da política única, do bloco de cimento
que nos caiu em cima e que nos privou das grandes escolhas e das
reais alternativas. Como é que é possível um país com quase mil
anos de história, como o nosso, cuja sobrevivência passou por
tantas vicissitudes, riscos e desafios, aceitar, como fazendo parte
do nosso dia-a-dia político, democrático, que o nosso Presidente,
como Egas Moniz, vá à Alemanha implorar que sejamos poupados a um
regime de sanções que, a ser aplicado, só demonstraria a inanidade
do actual sistema europeu? Que isto seja encarado com normalidade
para mim é uma profunda aberração. Voltando a essa questão da
falta de alternativas, até que ponto é que essa busca pode passar
por uma refundação da social-democracia na Europa de uma forma que
a resgate da contaminação neoliberal? Na moção que foi ao
congresso, a contaminação neoliberal aparece referida em termos
muito precisos: fala-se num vírus. É horrível esta expressão
vírus. A ideia de que o socialismo é uma substância pura, mas que
foi maculada, foi tocada por um vírus neoliberal e agora nós, na
nossa pureza do socialismo democrático, ficámos uma substância
pardacenta e menos pura. Isto não é próprio da mundividência de
um socialista. Um socialista não acha que ele próprio é uma
essência, é a expressão pura de um pensamento, susceptível de ser
abastardado por revisionistas e traidores. Isso é o PCP, não somos
nós. Não há cá vírus, não há bacilos. O socialismo democrático
é um sistema aberto de pensamento.
Como está hoje o
socialismo democrático?
Para responder a
essa questão é preciso responder a outra mais premente: como é que
está a Europa? Acho que essa é a grande questão. Temos de
espreitar as oportunidades que permitam uma mudança qualitativa na
política europeia. Temos de reconhecer os limites da nossa
capacidade de influir na política europeia e temos de, em cada
circunstância histórica, seguir a política que pragmaticamente
serve os interesses de Portugal e da Europa de acordo com a nossa
compreensão do que deve a integração europeia. Com muito
pragmatismo e tendo sempre esperança de que a oportunidade ocorra.
Sabemos o que o futuro nos reserva. Imagine-se que o Reino Unido
decide sair da Europa? A Europa está profundamente doente,
sobreviverá à saída do Reino Unido? E a própria ideia europeia,
as ambições da Europa? O que acontece à Europa sem o Reino Unido?
Será uma Europa desequilibrada, em que o peso da Alemanha passa de
grande a esmagador.
Alguém está a
discutir isso em Portugal?
Não. Dir-me-ão:
mas porque é que Portugal não tem esse discurso, não bate com o
sapato na mesa e diz “Tem de se mudar a união monetária?”. Isso
é realismo. Isso serve para o Bloco, não serve para o PS.
Como é que isso se
faz?
Com humildade, com
sentido de história e perceber.
O que é que isso
significa?
Significa que o PS
tem de, com pragmatismo, fazer o que serve o interesse de Portugal.
E neste momento isso
seria o quê?
Significa que, por
exemplo, em vez de especular sobre as vantagens de renegociar a
dívida, tem de avaliar se é função histórica do PS suscitar um
debate que neste momento está condenado a ser derrotado e prejudicar
o interesse nacional, independentemente da questão de saber se a
dívida é sustentável e compatível com o crescimento.
Discutir isso seria
prejudicial a Portugal?
Levá-lo às
instâncias comunitárias? Seria demência. Como vê as reuniões de
Costa com Renzi, Hollande, Tsipras? Muito bem, porque é preciso
dialogar e trocar pontos de vista, e que o PS exerça a sua
influência para que criem oportunidade para que as coisas mudem na
Europa e em Portugal. É que as pessoas que não têm
responsabilidade de governar não precisam de ter outra coisa muito
importante que é humildade. Não prometer o que não pode ser feito.
Não dizerem que vão fazer o que galvaniza as pessoas, mas é
contrário aos seus interesses. Mais vale ser malsucedido a defender
as pessoas e as suas vidas concretas até ao fim do que ser bem
sucedido a enganá-las a prometer-lhes paraísos que não estão
disponíveis.
Sem comentários:
Enviar um comentário