Um contentor para
arrendar por 600 euros em Lisboa? Câmara decreta a sua “remoção imediata”
Anúncio a
contentores “T0” a arrendar por 600 euros na zona de Marvila gerou indignação
nas redes sociais. O anunciante defende a oferta como ambientalmente sustentável.
A câmara de Lisboa afirma que os “apartamentos” são ilegais.
Filipa Almeida
Mendes 13 de Agosto de 2019, 20:19
Seiscentos euros
mensais era o valor a pagar por um dos seis “apartamentos” T0, inseridos em
contentores, que se encontravam para arrendar no número 167D da Rua de Vale
Formoso de Cima, na freguesia de Marvila, em Lisboa. O anúncio a estas
habitações, que foi publicado originalmente em Julho na plataforma online de
classificados OLX (e depois replicada noutros sites de imobiliário), mostrava
um espaço para arrendar com 12 metros quadrados, onde cabia um beliche para
duas pessoas, uma cómoda e uma casa de banho (sem porta a separar do quarto)
com um duche, uma sanita e um pequeno lavatório. O valor da renda seria de 600€
— o equivalente a 50€ por metro quadrado (se considerarmos apenas este espaço
interior de 12 metros quadrados). Note-se que, segundo dados do Instituto
Nacional de Estatística (INE) referentes ao segundo semestre de 2018, o valor
mediano das rendas de alojamento no município de Lisboa fixava-se em 11,16
euros por metro quadrado.
No OLX, a legenda
do anúncio sublinhava que estes “apartamentos são ecocontentores recuperados e
isolados”, com uma lotação de duas pessoas cada (com a opção de cama de casal
ou beliche). Além destes espaços, o anúncio garantia a existência de “400
metros de áreas comuns”, incluindo uma “zona de preparação de refeições e uma
sala comunitária”.
“São dois contentores com três unidades cada
um. Neste momento já não há nada disponível, já estão todos reservados”,
começou por explicar ao PÚBLICO o anunciante João Mendonça, acrescentando que
os espaços seriam ocupados a partir de Setembro.
Seriam, mas já
não vão ser ocupados. Esta terça-feira, e em resposta ao PÚBLICO, o gabinete do
presidente da câmara de Lisboa, Fernando Medina, afirmou que o terreno em causa
é privado mas “as estruturas são ilegais por não terem sido precedidas do
respectivo licenciamento nos serviços de urbanismo da CML, estando em causa
condições de habitabilidade e de segurança/acesso ao local”, tendo já sido “determinada
a intimação à remoção imediata dos contentores, demolição da rede de
infra-estruturas e a imediata cessação de utilização com abertura de processo
de contra-ordenação”. A autarquia tomará ainda “as devidas medidas em caso de
incumprimento do determinado”.
Até à ordem de
remoção, o anúncio a estes contentores tinha-se tornado num foco de
controvérsia nas redes sociais, com críticas ao valor cobrado por um T0 e a um
aparente sintoma da escalada das rendas em Lisboa. Ao PÚBLICO, João Mendonça
defende a renda anunciada e o conceito comercializado: “Os econtainers são
contentores reciclados que são transformados em casas de classe energética
muito elevada porque são atérmicas. Têm uma classe energética muito mais alta
do que qualquer tipo de casa convencional e existem milhares em toda a Europa,
nomeadamente no Norte da Europa por causa das condições meteorológicas”.
O anunciante
explicou ainda que o projecto é da responsabilidade de uma empresa holandesa,
que terá unidades semelhantes noutros países europeus (incluindo cerca de 800
em Espanha) e terrenos em vista noutras zona de Portugal, e que visa “utilizar
materiais 100% recicláveis” nestes contentores transformados em alojamentos.
Uma solução
“sustentável” contra o “provincianismo português"
“É uma solução
100% sustentável comparado com uma habitação. Não tem fundações, não interfere
com o sítio onde é colocado, não há movimentação de terras, não há degradação
de solos”, defendeu João Mendonça.
O anunciante
garantia ainda que, por se tratarem de espaços teoricamente amovíveis, estariam
dispensados de licenciamento da câmara municipal, o que não se veio a
confirmar: “Não são construções fixas, ou seja, é como estacionar uma
autocaravana dentro do seu quintal”. Os contentores “já vêm construídos e são
colocados num espaço” e, para os proprietários dos terrenos, podem tornar-se
numa fonte de receita, já que a empresa holandesa pagará uma renda ao dono do
espaço.
Questionado sobre
o valor da renda a cobrar aos inquilinos, como os 600 euros pedidos no caso dos
contentores de Marvila, João Mendonça justifica que “o preço tem tudo incluído”
— água, luz, Internet, limpeza e segurança. “É utilizado essencialmente por pessoas
que estão por períodos curtos, eventualmente no centro da cidade, e são mais
económicos do que um quarto de hotel”, sublinha. Os arrendatários teriam ainda
acesso a uma “zona de 400 metros com serviços de cozinha, lavandaria e sala de
estar” – sendo que estas áreas partilhadas localizam-se num edifício adjacente
aos contentores – e uma assistência por parte dos funcionários disponível 24
horas por dia. “O único que não está incluído são as refeições”, conclui.
Segundo João
Mendonça, os contentores já estariam todos reservados, tendo sido “alugados por
mês”, maioritariamente por estrangeiros. Quanto à indignação que o anúncio
suscitou nas redes sociais, o anunciante justifica com “o provincianismo
habitual português” e refere que os espaços foram rapidamente reservados por
clientes holandeses, franceses e um dinamarquês “que optam por este tipo de
solução”.
O regresso à
“Lisboa das barracas"?
Para o Bloco de
Esquerda, através do gabinete do vereador Manuel Grilo, “o aparecimento dos
‘contentores’ como soluções de habitação é um reflexo grave da precariedade
extrema do direito constitucional que falta cumprir”.
“Este parece um
regresso modernizado às soluções precárias, à Lisboa das barracas que tantos
conheceram e cujo fim foi uma conquista civilizacional. O Estado tem de tomar o
exemplo do investimento público que o Bloco impôs no acordo para governar
Lisboa e assumir a sua responsabilidade na habitação pública”, afirma a
vereação bloquista numa resposta enviada ao PÚBLICO.
tp.ocilbup@sednem.apilif
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