A Amazónia arde e
a culpa é nossa
O planeta atingiu
o ponto em que é necessário atribuir culpas, lidar com consequências e parar de
normalizar actos criminosos contra a natureza. Culpemo-nos, portanto, desta
bola de neve que não derrete nem num cenário apocalíptico de aquecimento
global.
Janine da Silva
Bióloga, ecóloga
e aspirante a investigadora
21 de Agosto de
2019, 17:58
Há climas onde a
ocorrência de fogos é natural, mas não é por acaso que chamamos húmidas às
florestas tropicais. No seu estado natural, estas florestas raramente ardem. Já
tentaram acender a lareira com lenha molhada? Até aqui, não há espaço para
discussão nem tentativa de normalização do absurdo. A pergunta que resta é
simples: porque arde a Amazónia a este ritmo? A ignição somos invariavelmente
nós — humanos.
O alto número de
incêndios que se registam de momento na Amazónia brasileira não é normal, e muito
menos se deve exclusivamente à “época de queimadas por lá”. O planeta atingiu o
ponto em que é necessário atribuir culpas, lidar com consequências e parar de
normalizar actos criminosos contra a natureza. A Amazónia arde porque as secas
são mais frequentes e mais severas. A Amazónia arde porque a desflorestação
aumenta, trazendo com ela mais fontes de ignição, um maior “arco de
desflorestação” e uma alteração do clima regional. A Amazónia arde porque tudo
isto está a acontecer ao mesmo tempo, “aqui” e agora. As alterações climáticas
são culpa nossa, a desflorestação é culpa nossa, a mão criminosa é humana.
A redução das
emissões de carbono e da desflorestação é uma componente vital no combate às
alterações climáticas. Entretanto, os humanos cortam, fragmentam e degradam
áreas incomensuráveis de floresta que, por mero acaso, representa um dos
maiores reservatórios de carbono e fonte de oxigénio a nível planetário. Quando
mais se fala de emissões de carbono e perda de biodiversidade, em falta de
tempo para voltar atrás, são eleitos políticos ambientalmente ignorantes,
irresponsáveis e incompetentes. Culpemo-nos, portanto, desta bola de neve que
não derrete nem num cenário apocalíptico de aquecimento global.
“A Amazónia arde
porque as secas são mais frequentes e mais severa A Amazónia arde porque tudo
isto está a acontecer ao mesmo tempo, 'aqui' e agora. As alterações climáticas
são culpa nossa, a desflorestação é culpa nossa, a mão criminosa é humana.”
É o Brasil que
está a arder e o Brasil está muito longe. A Catedral de Notre-Dame também está
longe e ficámos todos comovidos com a perda de tal património. Fiquemos também
comovidos com a perda do património natural, com as mortes humanas e não
humanas que por lá acontecem a cada minuto e das quais ninguém fala. O problema
não é só deles que não respiram, ardem e morrem: é de todos nós.
Por cá, em ano de
eleições e enquanto podemos fazer alguma coisa, julgo que o mais importante
será eleger políticos ambientalmente conscientes e capazes. No cenário
climático que vivemos, com o escasso tempo que temos, é crucial que a
responsabilidade ambiental parta do governo e que este a devolva à população
que o elegeu. É urgente começar a traçar o caminho para uma economia circular
e, para isso, é urgente que sejamos representados por um maior número de
pessoas com formação na área do ambiente e que estas se sentem com os
economistas, gestores, juristas e engenheiros que por norma governam o nosso
país.
Estes “Neros” do
século XXI não estão a incendiar Roma — estão a roubar-nos o ar. A atmosfera
não tem fronteiras e todos respirámos o mesmo ar. A estes “Neros” que são
eleitos por todo o mundo, e a quem os elege, peço apenas 20% da vossa vida em
silêncio, sem respirar, como homenagem à Amazónia que agora morre. Amazónia
essa que nos dá, gratuitamente, 20% do oxigénio que respirámos.
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