Manuel Carvalho
EDITORIAL
O sectarismo e o
desastre da Amazónia
Tenha Bolsonaro toda, muita ou apenas alguma responsabilidade pelo fogo, ele pensa como pensa, disse o que disse e aconteceu o que aconteceu.
23 de Agosto de
2019, 6:31
O sectarismo que
se vai instalando na oposição entre visões de direita e de esquerda está a
chegar a extremos tão perturbantes que é quase impossível ter uma discussão
séria sobre ameaças colectivas como a destruição da Amazónia – ou em muitas
outras causas comuns. Quando a NASA ou o Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazónia nos mostram o disparo alarmante da área roubada à floresta ou das
queimadas que lhe sucedem, logo os partizan de uma e de outra barricada se
eriçam para apagar esta evidência e desmontar os factos com teorias da
conspiração ou crendices infantis. Será assim tão difícil reconhecer que não,
que o problema da desmatação da Amazónia não começou com Jair Bolsonaro e que
sim, desde que Bolsonaro está no poder que a desmatação atingiu o ritmo mais
alto em muitos anos? Poderá haver um pouco de consenso no reconhecimento da
realidade para que depois cada um a possa interpretar de acordo com a sua visão
do mundo, a sua ideologia, religião, ou o que seja?
Estamos no
domínio do sectarismo típico das claques de futebol. Para esquerda intolerante
e radical, a tragédia da maior, mais importante e mais bela floresta do mundo é
nem mais nem menos que a prova dos horrores da direita representada por
Bolsonaro; para a direita enquistada e extremista, a devastação causada pelo
fogo é apenas uma invenção dos ecologistas radicais ou da esquerda ortodoxa,
porque a floresta sempre ardeu, está a arder nos países vizinhos e tudo não
passa de uma orquestração para minar o Presidente. O fogo apenas pode ser preto
ou branco, tem de servir uma causa e matar a causa do adversário. Se for
preciso mentir com fotografias falsas de incêndios ou de animais mortos por
atropelamento e não pelo fogo, como aconteceu repetidamente esta quinta-feira,
pois que assim seja.
Custa ver pessoas
de direita a não reconhecer as barbaridades de Bolsonaro e a sua
responsabilidade política pelo encorajamento que deu à aceleração da destruição
da Amazónia, como ver pessoas de esquerda a tolerarem o regime ditatorial de
Maduro. Lutar para que os democratas à esquerda e à direita não desistam da
racionalidade e não caiam nas barricadas do sectarismo e da intransigência
tornou-se um dos grandes desafios do nosso tempo. Tenha Bolsonaro toda, muita
ou apenas alguma responsabilidade pelo fogo, ele pensa como pensa, disse o que
disse e aconteceu o que aconteceu. Só reconhecendo esta evidência sem a
atribuir a uma invenção do “inimigo” será possível dar conta de que a Amazónia
é a reserva da biosfera da qual uns e outros, à esquerda ou à direita, dependem
para viver.
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