Ameaças
O PS está a
perder gradualmente a sua tradição liberal, a sua veia tolerante e a sua marca
democrática que parecia inamovível.
António Barreto
18 de Agosto de
2019, 7:53
Desde 1975 que
não se assistia a ameaças tão contundentes à liberdade de expressão, aos
direitos de informação, associação e à greve.
Ter uma opinião
sobre os imigrantes, as minorias, a integração racial, o multiculturalismo, o
racismo e temas afins é hoje uma actividade perigosa! Se as opiniões não forem
o que está consagrado pela aliança do Governo, podem ser motivo de
processo-crime, hipótese que se traduz em verdadeira intimidação. Anuncia-se já
uma revisão das leis que regulam “os discursos de ódio”, designação
perigosíssima, próxima de outras utilizadas pelos regimes fascistas, nazis e
comunistas!
Reunir em
Portugal movimentos e partidos políticos de direita ou de extrema-direita,
provavelmente de conotação fascista, eventualmente de crenças racistas, pode
ser actividade de risco e incorrer em intimidação, agressão pura e proibição
legal.
Exprimir opiniões
contrárias a certas instituições sagradas, como sejam os clubes de futebol, é
uma actividade perigosa, propícia a acabar nos tribunais. Também aqui, não se
sabe ainda o que estes decidirão, mas a carga de intimidação está preparada.
Desenvolver actividades
sindicais que não sejam do agrado do Governo e da sua aliança, pode levar a
situações muito delicadas, como tem acontecido com as greves dos camionistas
não conformados com os estabelecidos.
Uma greve
conduziu, com rapidez inédita, a uma requisição civil atrevida, acompanhada da
mobilização imediata das polícias e das Forças Armadas, em gesto muito
ameaçador. O Governo pôs-se a jeito para aproveitar o vento e virar a seu favor
os receios de uma perturbação gigantesca da vida quotidiana. Mas a verdade é
que o desvario de um sindicato não justifica nem desculpa os desmandos do
Governo.
O PS está a
mudar. Perigosamente. Está a ceder às esquerdas radicais, antidemocráticas ou
totalitárias. As mais profundas convicções democráticas e liberais que marcaram
o carácter do PS estão a sofrer uma erosão manifesta, causada pelo apetite de
poder e pela influência ideológica do Bloco.
A democracia é o
regime de todos, incluindo dos antidemocratas. A democracia defende-se com o
bom Governo, o reconhecimento dos cidadãos, a identificação com os valores do
regime e a atenção prestada pelos dirigentes às necessidades do seu povo! A
democracia não se defende com propaganda, muito menos com proibições de
pensamento e de opiniões. A Justiça e a democracia castigam acções, não
intenções. São punidos os gestos e as obras, não as opiniões. Os crimes são
actos, não discursos.
A democracia é o
regime de toda a gente, incluindo racistas e xenófobos. Todas as idades, raças,
géneros, opções e condições cabem dentro da democracia, nenhuma pode ser
expulsa. Ninguém é criminoso ou pode ser proibido pela sua opinião. Mesmo os
insultos são permitidos. Se forem calúnias, deverão ser tratados como actos,
não como opiniões.
A democracia
admite a diversidade e a diferença. O conflito e a polémica. A democracia não
permite que se castigue quem é diferente. Mas não admite que as diferenças
cheguem à violência, à eliminação dos outros, à tortura, à mutilação, à
segregação violenta e a todas as formas que implicam infracção à lei, comportamentos
ilícitos e violação de direitos dos outros. A democracia admite o preconceito,
a estupidez e a presunção racial, desde que sejam opiniões. Traduzidos em
actos, a violência sobre minorias, a segregação, a tortura sob qualquer forma,
a expulsão de local público, a mutilação e o mercado de seres humanos são
merecedoras de punição. A democracia admite todas as formas de ambição e de
utopia, sejam a revolução social, a restauração nacionalista, o apostolado
cristão, o proselitismo muçulmano e a pregação de qualquer outra forma de
convencimento, desde que não se traduzam em actos violentos e atentatórios dos
direitos de outros.
A democracia é um
corpo simples de princípios e de convenções que pode coexistir com várias
ideologias e filosofias políticas. A democracia não proíbe opiniões. Nem
religiões ou crenças. Nem credos nacionais. Nem aspiração revolucionária. Mesmo
sabendo que o nacionalismo pode violentar, que a revolução mata, que a religião
pode torturar e que as utopias podem coagir: enquanto forem opiniões, a
democracia não pode proibir.
A liberdade de
expressão parece ser actualmente o valor mais ameaçado. Estranhamente, há em
Portugal quem se queira notabilizar nesse esforço de condicionamento. Os
socialistas, as esquerdas e certas minorias étnicas ou religiosas revelam
reflexos perigosos de intolerância, como se a intolerância dos outros e a do
passado justificassem a deles. E rapidamente recorrem à tentativa de
condicionar a liberdade de expressão.
Convencido de que
o seu ADN é um salvo-conduto para a democracia, o PS português está a perder
qualidades. Dá sinais de aceitar que existem limites severos à liberdade de
expressão, de que as Forças Armadas podem intervir em conflitos laborais e de
que os tribunais são bons substitutos para a arbitragem e a negociação. Em
questões como a segregação racial, o racismo, a desigualdade étnica e social, o
assédio sexual e a violência doméstica, os socialistas estão a considerar crime
o que muitas vezes é mera afirmação ou opinião.
Por sua própria
iniciativa, porque julgam que a autoridade dá frutos eleitorais, porque cedem
às influências do PCP e do Bloco, os socialistas estão a mudar de pele. Estão a
deixar de entender que a democracia é de todos, mesmo dos antidemocratas. Que a
tolerância é de todos, mesmo dos que o são pouco. Estão a torcer o direito à
greve e a comprimir a liberdade de expressão. Estão a chamar as Forças Armadas
para se envolverem em lutas sociais.
Estamos a viver
tempos difíceis para a democracia e para as liberdades, designadamente a
liberdade de expressão. O PS está a perder gradualmente a sua tradição liberal,
a sua veia tolerante e a sua marca democrática que parecia inamovível. O PS
está a deixar que as suas pulsões escondidas, jacobinas, de intervenção
estatal, de condicionamento da livre expressão e de intolerância apareçam à
superfície e se transformem em método de acção. A liberdade, em Portugal, não
depende só dos socialistas, mas está por eles muito marcada. Se faltar o seu
contributo republicano, democrático e liberal, poderemos ter de viver tempos
cinzentos que julgávamos ultrapassados por muitos anos. Num país, como o nosso,
em que a direita liberal é tão escassa e volúvel, a esquerda democrática é
essencial. Mas, se é a primeira a não respeitar as suas boas tradições, então
temos um problema!
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