António Barreto
OPINIÃO
O Partido
Socialista e o Estado
Depois de
devaneios com o espírito liberal, a sociedade civil, o mercado e a
social-democracia, o PS dá sinais de regresso a uma das suas origens, a mais
estatizante e jacobina.
25 de Agosto de
2019, 7:56
Por mérito
próprio e demérito dos seus adversários, é provável que o Partido Socialista
ganhe as próximas eleições. Faltam poucas semanas e não se vêem sinais
vencedores de outros partidos. Também é possível, mas não provável, que ganhe
as eleições com maioria absoluta. Haverá, talvez, nova solução de Governo, não
necessariamente a mesma que temos hoje.
O exame dos
programas eleitorais já foi exercício interessante. Eram programas para serem
lidos. Raras vezes para serem tomados a sério, mas eram peças de doutrina que
significavam alguma coisa. Hoje, a sua leitura é cada vez mais uma perda de
tempo. São enormes, mal escritos, têm de cobrir todas as áreas, prioridades,
eleitores, tribos e interesses. É, aliás, provável que sejam elaborados para
não serem lidos. Têm só de ser feitos. Mas, com mais de uma ou duas centenas de
páginas, não se destinam evidentemente a ser lidos. Nem por profissionais.
Vale a pena olhar
para o programa do PS, com 140 pesadas páginas. É o provável vencedor e a maior
parte dos outros ainda não está disponível. O programa é interessante porque
traduz o seu actual carácter. Não é programa de Governo, esse virá depois das
eleições. Muitos capítulos deverão ser ponderados, mas, globalmente, há algo a
salientar. O PS está a viver o seu momento mais estatal, dirigista e
centralizador de sempre. A sua viragem à esquerda, a fim de impedir o progresso
do Bloco e do PCP, fica aqui consagrada. O reforço do Estado está bem visível
neste programa.
O PS não se
propõe “libertar” energias, cidadãos, empresas, autarquias ou iniciativas. O PS
propõe-se enquadrar, comandar, dirigir, orientar e, numa palavra, fazer. O PS
não quer deixar fazer, não deseja que outros façam, quer fazer. E o que ele não
fizer, proíbe ou dificulta.
O programa erige
o Estado em salvador da sociedade. O Grande Leviatã está de regresso. Depois de
devaneios com o espírito liberal, a sociedade civil, o mercado e a
social-democracia, o PS dá sinais de regresso a uma das suas origens, a mais
estatizante e jacobina. Este programa confirma, acima de tudo, o papel do
Estado, o enquadramento pelo Estado, a iniciativa do Estado e a intromissão do
Estado na vida dos cidadãos.
Não, não vale a
pena recear o comunismo do PS, que não está no programa. Aliás, basta o Estado
português e os “fundos” da UE para substituírem, com vantagem, o comunismo
clássico. Já não são de recear os efeitos do actual Governo, isto é, o PC não
conseguiu converter o PS. Pelo seu lado, o Bloco comoveu os socialistas,
deu-lhes inspirações para a superstrutura, os comportamentos, as virtudes, a
ética, o sectarismo cultural e a correcção política, mas não parece ter
convencido nas áreas mais importantes do sistema político, da democracia
representativa e da economia de mercado. Pode, todavia, recear-se a deriva
autoritária do PS no que toca às regras de vida colectiva, a sociedade dirigida
pela virtude e o endeusamento do Estado.
Fazer, ordenar,
proibir, organizar, comandar: essas são as palavras do PS, esses são os temas!
Aqui, não se pensa em libertar, demolir muros, remover obstáculos, permitir… Só
se pensa em fazer, mobilizar, planificar… Deixar fazer é impensável. Permitir é
sinal de fraqueza.
Antigamente,
governava-se por campanhas. As de África ficaram na história. Na República e no
Estado Novo, prosseguiu-se e desenvolveu-se a tradição com as Campanhas de
Alfabetização e de Educação de Adultos, com a Campanha do Trigo ou da Vacinação
contra a Tuberculose. No início da democracia, a famigerada Campanha de
Dinamização Cultural foi a mais interessante de todas: a pretexto de
sensibilização democrática, lançou-se um dos empreendimentos mais totalitários
da história política portuguesa.
Com o fim das
campanhas, apareceram os planos. Mais intelectuais e aparentemente mais sérios.
Surgiram assim os Planos de Fomento. Logo a seguir à Revolução de 1974,
passou-se a um Plano de Desenvolvimento Económico e Social, seguido das
veleidades constitucionais das Grandes Opções do Plano e do Plano a longo
prazo. Agora, entrámos na fase das plataformas, dos programas e dos planos
nacionais, às dezenas. Planos para tudo e para todos. Para as artes, o regadio,
a literacia, a energia e os transportes.
Hoje,
verdadeiramente sofisticada é a noção de estratégia. Estratégia nacional para
isto ou para aquilo. Acompanhada de um ou vários observatórios. Estratégia
implica inteligência. Sugere esforço organizado. Exige mobilização e
sensibilização. Motivação e recursos. Neste programa, entre as já existentes e
as novas, agora propostas, há dezenas de estratégias nacionais, como, por exemplo:
de Mobilidade Activa, para a Igualdade e a Não-Discriminação, para a Inclusão
das Pessoas com Deficiência, de Combate à Pobreza, para a Integração dos
Sem-Abrigo, da Indústria 2030, para a Bioeconomia Sustentável 2030, para o Mar
20/30, para a Reutilização de Águas Residuais, de Educação Ambiental, para uma
Protecção Civil Preventiva, de Desenvolvimento Integrado das Regiões de
Fronteira, de Empreendedorismo e de Turismo 2030.
Sem esquecer,
evidentemente, os planos nacionais. São dezenas deles: Ferrovia 2020, de
Literacia Democrática, de Leitura, das Artes, Sectorial da Defesa Nacional para
a Igualdade, de Gestão Integrada de Fogos Rurais, de Segurança Rodoviária
2021/2030, Energia e Clima 2030, de Promoção de Biorrefinarias 2030, de Gestão
das Regiões Hidrográficas, de Gestão de Riscos de Seca, de Gestão de Riscos de
Inundação, de Ordenamento das Albufeiras de Águas Públicas, Poupança Floresta,
de Acção para a Economia Circular, de Acção Litoral XXI, de Situação do
Ordenamento do Espaço Marinho Nacional, de Aquacultura em Águas de Transição e
não ficamos por aqui. Ainda faltam os programas nacionais, os fundos, as bolsas
e as plataformas.
Para tudo isto, é
necessário ter instituições, leis orgânicas, funcionários, subcontratações,
ajustes directos, impostos e confiança política. Pode não ser totalitário, mas
este Estado é partidário, ineficiente, burocrático e autoritário. Não
desenvolve nem deixa desenvolver. Não cria riqueza nem deixa criar.
O Estado pode ser
uma das grandes criações da Humanidade. Mas também é capaz de ser, tal como o
fizeram os comunistas, os fascistas, os nazis, os corporativistas, os
revolucionários do Terror e outros, um dos maiores horrores da espécie humana.
No outro extremo, a ausência e a fraqueza de Estado, tal como querem os
neoliberais e os anarquistas, podem ser a raiz de outras formas de
totalitarismo e de selvajaria. Entre os dois modelos, o PS oscila.
Sociólogo
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