Ana Telma Rocha
sente-se “invisível”. A história da portuguesa que interrompeu o directo da Sky
News
Ana Telma Rocha é
a portuguesa que interrompeu o directo da Sky News para falar “apaixonadamente”
sobre o “Brexit”. “Não aguentei mais, tive de sair à rua e falar”, diz a
imigrante, cujo processo de pedido de residência permanente está a ser
acompanhado pelo Estado português.
Sofia Neves 30 de
Agosto de 2019, 21:19
Telma Rocha chegou a casa, já tarde, na
quarta-feira, 28 de Agosto, e escutou a voz da colega de casa, carregada de
sotaque britânico, a pedir-lhe para “não ligar a televisão” ou iria “ter um
ataque cardíaco”. Mesmo depois do pedido “dramático”, ou não fosse a amiga
actriz, Ana decidiu ouvir os jornalistas a relatar o que se tinha passado
durante o dia: Boris Johnson pedira à Rainha Isabel II uma suspensão do
Parlamento britânico durante cinco semanas — e a monarca aceitara.
Horas depois, um
vídeo da portuguesa correu a Internet, passou pelos meios de comunicação
britânicos e espalhou-se pelos portugueses. Ana Telma Rocha, de 42 anos, foi a
imigrante que interrompeu uma entrevista em directo da Sky News, um canal de
televisão britânico, para falar “apaixonadamente” sobre o processo do “Brexit”.
Durante um protesto no centro de Londres, sem se identificar, a mulher
portuguesa cortou a palavra a uma jovem inglesa que estava a ser entrevistada
para dizer que dera “a sua juventude” ao Reino Unido e que não achava correcta
a forma como os cidadãos da União Europeia estavam a ser tratados. “Não
aguentei mais, tive de sair à rua e falar porque as pessoas em Portugal não
estão a perceber o que se está aqui a passar. A imagem que se transmite é que
está tudo calmo. Falei por quem está em situações piores [do que a minha]”,
conta Ana Telma, ao telefone com o P3.
A portuguesa
chegou ali, não àquele lugar em concreto, mas ao país que na altura a acolheu,
há coisa de 20 anos. Quis seguir as pisadas do pai, actor toda a vida — é filha
de António Rocha, o “Rocha” de Duarte & Companhia. Chegou a fazer audições
para o Conservatório Nacional de Teatro, ainda em Portugal, mas depois a sua
vida deu “uma volta de 180 graus” e decidiu ir à procura de outra coisa, “fora
de Lisboa”.
Com um destino,
mas ainda sem propósito, chegou ao Reino Unido quase de mãos a abanar. Ali,
voltou ao teatro, fez formações na área, lavou pratos, serviu às mesas, foi
funcionária de escritório e segurança em vários eventos. Casou com um cidadão
britânico e teve dois filhos, apesar de nenhum dos três viver consigo em
Inglaterra. Fundou ainda a sua companhia de teatro independente — que já soprou
12 velas — e que actua principalmente em festivais porque “os bilhetes são
mais baratos” e Ana Telma “quer que o povo vá ao teatro”.
Depois de “32
empregos diferentes”, decidiu que a profissão de técnica de saúde para pessoas
com deficiência motora, conjugada “sempre” com o teatro, lhe enchia as medidas,
e assim se mantém desde há 16 anos para cá. Até que, por volta de 2016, a
sombra do “Brexit” começou a pairar no país e, diz Ana Telma, alcança,
sobretudo, quem não nasceu no Reino Unido.
Um impasse no
processo
“Assim que os
resultados foram conhecidos, o país mudou”, conta Ana. “As pessoas começaram a
ser racistas, violentas, xenófobas. Não percebo o que aconteceu, de um momento
para o outro deixei de poder falar ao telemóvel no autocarro, passei a ter
vergonha de dizer o meu nome numa peça de teatro porque é português, como se eu
fosse uma mancha, [mas] eu não sou uma mancha.”
Até ao “Brexit”,
nunca sentira necessidade de pedir o estatuto de residente permanente. Nos
últimos meses, decidiu regularizar a sua situação, mas entretanto o processo
entrou num impasse: uma das informações necessárias para terminar o pedido não
estava correcta e os serviços britânicos afirmam que a imigrante terá de
começar tudo de novo, o que a preocupa, uma vez que a data marcada para a saída
do Reino Unido da União Europeia está “perto”. A entidade empregadora de Ana
Telma tinha-lhe enviado um link por e-mail para que pudesse iniciar o pedido do
estatuto de residente permanente, mas a cidadã portuguesa afirma que da
primeira vez que tentou não conseguiu completar o processo. Ainda ligou para os
serviços britânicos, mas conta que teve “pouca sorte com o funcionário que a
atendeu”.
“A empresa quer
que as pessoas preencham isto o mais cedo possível para regularizar a nossa
situação cá, mas nós trabalhamos 63 horas semanais e não podemos deixar o
paciente porque ele pode deixar de respirar, pode cair. Além disso, estamos
constantemente ligados a um sistema que nos diz os sinais vitais de cada
cliente, daí que seja muito difícil estar a preencher as coisas correctamente.
Provavelmente eu não o fiz bem”, confessa a imigrante portuguesa. Mesmo
admitindo que o erro foi seu, Ana Telma queixa-se da dificuldade do processo e
do quão errado é o conceito de pedir um estatuto de residente. “As pessoas já
estão aqui a trabalhar há muito e já deviam poder ficar só mostrando a sua
identificação e mais alguns dados”, considera.
Tem acompanhado
as reacções e os comentários ao seu testemunho. “Em Inglaterra, o que se tem
gerado e o que vocês estão a ler é bonito. As pessoas ficaram contentes por eu
ter falado porque até agora ninguém pôde expressar-se, mas as coisas chegaram a
um ponto irreversível e foi por isso que eu falei. Não foi só para os
portugueses, foi para todos os que estão na mesma situação”, conta Ana Telma,
referindo-se principalmente àqueles “que nunca descontaram”, que “sempre
enviaram dinheiro para a família” ou que têm “contratos irregulares de
trabalho” e que agora ficaram desprotegidos e perante um futuro incerto.
Mas nem toda a
gente viu com bons olhos o desabafo ao canal britânico. A portuguesa já recebeu
mensagens insultuosas e que continham ameaças, e foi isso que a fez refugiar-se
durante alguns dias na Escócia. “O que me preocupa é estado das coisas, o
estado da sociedade da qual uma pessoa fez parte durante 20 anos e do nada é
apagada, é invisível, é-lhe dito: “see you later”.
A empresa de Ana
Telma funciona em sistema rotativo, daí que a portuguesa se tenha que deslocar
frequentemente para outras cidades, zonas do país ou mesmo para o estrangeiro,
pernoitando nas casas dos pacientes que cuida. Este método de rotação piorou
muito devido à recente saída de muitos funcionários nascidos maioritariamente
fora do Reino Unido. “Além dos britânicos não quererem fazer estes trabalhos,
não há pessoas suficientes para os fazer”, explica, sublinhando que não tem
planos para voltar a Portugal de vez.
Estado português
já a contactou
Contactada pelo
P3, fonte do gabinete de José Luís Carneiro garante que Ana Telma Rocha já
conversou com o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e que será
ajudada a reiniciar o seu processo: “O que ela nos transmitiu é que teve um
problema na emissão do número de segurança social por parte dos serviços
britânicos, informação que é um dos sinais comprovativos de permanência no
Reino Unido, além de outras como contratos de trabalho e de arrendamento ou
outros dados fiscais, tudo o que possa dizer que esse cidadão vive e trabalha
no Reino Unido há x anos.”
A mesma fonte
acrescenta também que Ana Telma não possui um passaporte português válido,
facto que não a impede de se candidatar ao estatuto, uma vez que o pedido
permite a utilização de um cartão de cidadão português. Garantiu ainda que a
cônsul portuguesa em Londres já entrou em contacto com a portuguesa. “Mesmo que
não haja acordo, os pedidos podem ser feitos até fim de Dezembro de 2020.
Ninguém vai ser expulso no dia 1 de Novembro”, sublinhou.
Já José Luís
Carneiro garantiu esta sexta-feira à Lusa que os portugueses residentes no
Reino Unido “podem estar tranquilos”, apontando que entende “a ansiedade dos
cidadãos” face ao “Brexit”, mas “o Estado português está preparado”. O
secretário de Estado também frisou que os consulados de Londres e Manchester
foram reforçados em meios humanos, infra-estruturas tecnológicas e meios
informáticos, bem como alargados os horários. E contou que a linha “Brexit”, que
começou a funcionar a 1 de Abril, apoiou mais de 30 mil cidadãos portugueses no
Reino Unido que pediram esclarecimentos.
Ana Telma
confirma que foi contactada pelo Estado português e acredita que o seu processo
ficará resolvido em breve. Mesmo acreditando que um pedaço de papel não vai
resolver a situação que se vive no país, não pretende sair para outra que tem
ainda menos para lhe oferecer. “Eu já me sinto inglesa, I love England, adoro
chá inglês e tostas com feijão, faço piadas de acordo com o humor britânico”,
conta de forma animada. “Já tenho muitos projectos na cidade e não vou desistir
até que as coisas tenham a continuação que eu tanto desejei. Acima de tudo, não
vou abandonar o meu trabalho porque aquilo que eu tenho em termos de carreira
em Portugal é zero.”
O que devem saber
os cidadãos portugueses?
Para conseguir a
nacionalidade britânica, os cidadãos europeus precisam desde 2015 de apresentar
a prova de residência permanente no Reino Unido, procedimento que aumentou
significativamente nos últimos dois anos.
O estatuto de
residente permanente (settled status) é atribuído àqueles com cinco anos
consecutivos a viver no Reino Unido, enquanto os que estão há menos de cinco
anos no país terão um título provisório (pre-settled status) até completarem o
tempo necessário. Este não é um direito automático, mas tem de ser solicitado e
concedido pelas autoridades britânicas, sendo o procedimento, gratuito e feito
exclusivamente através da internet.
No caso de saída
sem acordo do Reino Unido da União Europeia, as candidaturas ao “settlement
scheme” podem ser apresentadas até 31 de Dezembro de 2020, enquanto no caso de
saída com acordo a candidatura pode ser efectuada até 30 de Junho de 2021.
Os cidadãos que
pretendam iniciar o processo podem encontrar estas e outras informações na
página do Governo britânico.
Portuguese
Brexit woman: Being hit and nearly run over made me risk arrest to protest
Brexit
Saturday,
August 31st, 2019 2:30pm
Ana Telma
Rocha became an instant social media sensation when she interrupted a Sky News
report
Here, she
explains what compelled her to hijack an interview.
I arrived
in London in 1999, to pursue my dream of becoming an actress.
I made the
journey because I had been inspired by seeing Steven Berkoff on TV.
I quickly
fell in love with the bright lights and the different English accents of London
and the fantastic British comedy.
I got work
looking after children and cleaning dishes all day to pay for night acting
classes.
I totally
sounded like Manuel from Fawlty Towers, but I was of course in my 20s, with
loads of endless spirit and energy.
Then I
found care work and I was changed forever. I learned how to ensure that all
humans should have dignity, no matter what stage of life they were at. I was
taught this by English folk, the kindest and most selfless people I ever met.
They also
tested me for dyslexia after suspecting I had it. I scored really high, but
they gave me tools I needed so I could flourish.
In 2004, I
teamed up with several others to form an all-female theatre company, Get Over
It Productions, and five years later I moved to Yorkshire were I met my English
husband, with whom I have two boys.
By that
point, I had stopped sounding like Manuel and soon developed a Yorkshire
accent.
I'm so
proud of it. I love Yorkshire. I made friends for life there too. My neighbours
were incredible.
At the
beginning, it was very tough. I was very different and my accent put people
off. But I persisted, asking them to teach me about the Yorkshire dialect and
culture and they taught me how to make meat and tatty pie.
I loved
Bridlington, I was crazy about Whitby and became a steam train spotter. But my
enthusiasm for where I was living was all about to come crashing down.
As Nigel
Farage's voice became louder, things started to change.
Before, I
would have comments on the bus, but that was about it.
Then, after
23 June 2016, everything would be different; the comments became threats.
A month
later someone tried to run me over on a crossing with my small son.
They
stopped a few meters ahead just to yell: "Go home, you foreigner
scum."
My husband
was called a traitor at work and Jo Cox had been murdered. I was terrified.
I took my
family to safety, to London, and went back to work in a care company.
I never
discussed politics, and tried to run from the subject as much as possible.
But it just
became worse and worse. I was scared that I would be sent somewhere to work
that was not safe.
One day, a
guy thumped me but I didn't even report it because I was so worried about what
would happen.
I just kept
going - my kids needed money. I would work here, work there, do anything to
drown out the noise of people like Nigel Farage, do all I could to keep going.
Until, last
week, I came home from work and the news was on. Boris Johnson was going to
prorogue parliament and the Queen said "yes".
My head
started to spin, I started to breathe deeply. I had to say something. I left
home and headed to Westminster. I needed to tell the 48% "I'm going, get
up and do something. I don't care if I'm arrested".
I left the
bus swearing. I could not stop. At one point I thought I was going to get
arrested but a policeman calmed me down and talked me out of doing something
that would have landed me in trouble. This English policeman was kind, and
firm, and did his job in the middle of all this anger.
"Get a
grip," I said to myself. I went for a walk. I saw a Sky News reporter, and
again, I was overcome with the need to speak out.
Now I am
the Portuguese Brexit woman.
Sky News
© Sky News 2019
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