"A paz depende de nós", diz Guterres
O
ex-primeiro-ministro português começa neste domingo o mandato como
secretário-geral da ONU.
Francisca Gorjão
Henriques
FRANCISCA GORJÃO
HENRIQUES 1 de Janeiro de 2017, 6:50
António Guterres
pretende que 2017 seja “um ano de paz”. Na primeira mensagem
oficial como secretário-geral das Nações Unidas – este domingo
será o seu primeiro dia em funções – Guterres diz que “há,
sobretudo, uma pergunta” que o assalta: “Como ajudar os milhões
de seres humanos vítimas de conflitos e que sofrem enormemente em
guerras que parecem não ter fim?”
O antigo
primeiro-ministro português foi eleito a 5 de Outubro para “a
tarefa mais impossível do mundo”, como descreveu há décadas o
primeiro a ocupar o cargo, o norueguês Trygve Lie (secretário-geral
entre 1946 e 1952). A 12 de Dezembro, Guterres prestava juramento e
discursava perante a Assembleia Geral da ONU a favor do progresso de
medidas contra o aquecimento global e das reformas na instituição
(seja em matéria de orçamento ou de tolerância zero para crimes
sexuais das tropas de manutenção de paz).
ONU, a organização
que nem sempre une as nações
Agora, na sua
mensagem de arranque de um mandato de cinco anos, Guterres chama a
atenção para a “mais letal violência” de que são vítimas as
“populações civis em vários pontos do globo”. “Mulheres,
crianças e homens são mortos ou feridos, vendo-se forçados a
abandonar os seus lares, tudo perdendo. Até mesmo hospitais e
comboios humanitários são atingidos sem contemplação.” E
continua: “Nestas guerras não há vencedores; todos perdem.
Gastam-se biliões de dólares na destruição de sociedades e
economias, alimentando ciclos de desconfiança e medo que podem
perpetuar-se por gerações. Vastas regiões do planeta estão
inteiramente desestabilizadas e um novo fenómeno de terrorismo
global ameaça-nos a todos.”
O ano que se agora
inicia deve ser “o ano em que todos – cidadãos, governos,
dirigentes – procurem superar as suas diferenças”, através do
“diálogo e do respeito independentemente das divergências
políticas”, “por via de um cessar-fogo num campo de batalha ou
mediante entendimentos conseguidos à mesa de negociações para
obter soluções políticas”, defende. E termina: “A dignidade e
a esperança, o progresso e a prosperidade – enfim tudo o que
valorizamos como família humana – depende da paz. Mas a paz
depende de nós.”
Em Abril, no início
da sua candidatura à liderança da ONU, Guterres teve de escrever um
documento delineando a sua “visão” para o futuro, uma espécie
de programa de governo (o processo de eleição, que terminou com 13
votos favoráveis e duas abstenções dos membros do Conselho de
Segurança, foi descrito como o mais transparente de sempre). Nesse
documento, a “prevenção” e a “diplomacia da paz” eram já
um dos pontos fundamentais. Este trabalho irá exigir “uma
diplomacia mais poderosa, mais activa, mais agressiva e mais
presente”, como resumiu ao PÚBLICO um diplomata em Nova Iorque, no
início de Dezembro.
Quando em 2007 tomou
posse, o seu antecessor, Ban Ki-moon, tinha pela frente “os
demónios nucleares do Irão e da Coreia do Norte, uma ferida
sangrenta no Darfur, uma violência interminável no Médio Oriente,
o prisma de desastres ambientais, a escalada do terrorismo, a
proliferação de armas de destruição maciça, a epidemia da sida”,
enumerava então a revista Economist. Agora, António Guterres não
terá a vida mais facilitada e junta-se à lista uma realidade que
acompanhou bem de perto enquanto Alto Comissário da ONU para os
Refugiados: a maior crise de deslocados desde a II Guerra Mundial,
provocada pela guerra na Síria.
Aos desafios vem
juntar-se a eleição de Donald Trump para Presidente dos EUA, o país
que isoladamente mais contribui para o financiamento da ONU. Crítico
das Nações Unidas, não seria surpreendente se Trump reduzisse as
verbas, e minimizasse o quanto possível a instituição. Caberá a
Guterres – um homem “com carisma” e “sem medo de nomear os
adversários nos seus discursos, mesmo que eles estejam em Washington
ou em Moscovo”, escreveu o Washington Post depois da eleição –
convencer Trump de que tem mais a ganhar se trabalhar com as Nações
Unidas.
Sem comentários:
Enviar um comentário