May
precisa de Trump para negociar com a Europa. A questão é saber a
que preço
Para
May é uma vista de alto risco que hoje faz à Sala Oval. Sem a
“relação especial” com os Estados Unidos, que ela quer renovar,
o Reino Unido pode ficar sozinho em matéria de livre comércio, mas
também de segurança.
Teresa de Sousa
TERESA DE SOUSA 27
de Janeiro de 2017, 7:50
Theresa May, a
primeira líder estrangeira a ser recebida por Donald Trump na Sala
Oval, sabe até que ponto esta visita é fundamental na sua
estratégia para o "Brexit". Sair da Europa sem garantir um
acordo privilegiado com a América no comércio e na segurança
deixaria as Ilhas Britânicas à deriva, no meio (geopolítico) do
Atlântico. Precisa urgentemente de um amplo acordo de comércio com
os Estados Unidos, que esteja pronto a entrar em vigor no dia em que
perder o Mercado Interno. E sabe também que a NATO é vital para um
país que vai deixar de poder interferir na política europeia de
defesa, no momento em que perder o seu lugar no Conselho Europeu.
Para ela, recuperar a “relação especial” forjada desde a II
Guerra entre os dois países é o contraponto necessário à dispensa
da Europa e a melhor alavanca para conseguir um bom acordo com os
seus parceiros da União Europeia.
Nem uma coisa nem
outra rimam com a política do novo Presidente em matéria de
comércio livre e de Aliança Atlântica. Mas também é verdade que
o Presidente já disse que quer fazer de May a sua “Maggie”,
invocando a parceria entre Ronald Reagan e Margaret Thatcher nos anos
80 do século passado, que “revolucionou” o mundo. Trump foi e
continua a ser um defensor entusiástico do "Brexit",
cortando radicalmente com a política americana nos últimos 70 anos.
Fez da Alemanha o seu “adversário” principal, como deixou
claríssimo na entrevista que deu ao Times e ao Bild. O seu grande
amigo britânico chama-se Nigel Farage, o anterior líder
nacionalista do UKIP, que foi a “alma” do "Brexit".
Mostrou desde o primeiro dia que fala a sério quando fala de
proteccionismo, anulando a Parceria Transpacífica de Comércio (TTP)
negociada pelo seu antecessor com 11 países da Ásia e do Pacífico.
Vai rever o NAFTA (acordo de comércio livre com o Canadá e o
México, de 1994), deixando o México, para além do muro, numa
situação muito difícil. May é tudo menos proteccionista e a
aspiração de manter um papel “global” para o seu país depois
da saída da União passa também pela abertura da sua economia ao
mundo.
Abrir uma excepção?
Os sinais vindos da
Casa Branca indicam, todavia, que Trump pode abrir uma excepção. A
questão é saber qual o preço que o Reino Unido pagará por ela.
Trump falou de um acordo “rápido”. O seu conselheiro para o
Comércio, Anthony Scaramucci, disse em Davos que poderia ser
finalizado em seis a doze meses. Será, dizem fontes da Casa Branca,
um acordo ambicioso que pode “esmagar” ou mesmo anular as tarifas
alfandegárias entre os dois países em todos os sectores em que já
haja trocas comerciais. Do lado de cá do Atlântico, as previsões
são menos optimistas. Alguns analistas advertem para que o “estado
de necessidade” em que May se encontra não é a melhor receita
para uma negociação que será dura, permitindo aos Estados Unidos
conseguir o máximo de concessões. Adam Posen, presidente do
Petterson Institute of International Economics, chama a atenção, no
Guardian, para outro lado da questão: “Seria necessária uma
relação com os EUA muito mais ampla e profunda para compensar o
declínio do comércio com a Europa.” “Em última análise, será
sempre uma negociação muito dura”, acrescenta o antigo comissário
europeu do Comércio, Peter Mandelson, lembrando a máxima preferida
de Trump: “America way or no way”. Theresa May sabe que vai ter
de engolir alguns “sapos”. A garantia de um acordo de comércio
livre entre os dois países é, porventura, a sua arma mais forte nas
negociações muito difíceis com a União Europeia. Ficar sem o
Mercado Único e sem o mercado americano seria, para ela, uma
tremenda derrota.
Que NATO?
Falta a questão da
segurança, o outro dossier fundamental para Theresa May. Teve o
cuidado de falar com o secretário-geral da NATO, Jen Soltemberg,
antes de partir para os EUA, para levar a Trump alguma coisa de
concreto. São significativas as declarações do seu gabinete sobre
o resultado da conversa. “Ambos concordam que a NATO tem de evoluir
no sentido de enfrentar as ameaças actuais, nomeadamente o
terrorismo e a ciberguerra”. Trump já disse que a NATO só lhe
interessa se for capaz de combater o terrorismo, deixando de fora a
pedra angular da aliança: a defesa colectiva. May deixa cair uma
referência à Rússia, que os europeus vêem hoje como uma ameaça
séria à sua segurança, para a qual a NATO deve estar preparada.
O Reino Unido está
presente no reforço militar da Aliança nos países mais expostos a
qualquer aventura de Moscovo: os Bálticos e a Polónia. Obama
reforçou igualmente o número de tropas americana nesses países. O
que vai fazer Trump, ninguém sabe ainda, mas a sua amizade com Putin
faz temer o pior. A primeira-ministra argumentará que a NATO
continua a ser fundamental para a segurança transatlântica e levará
consigo os 2% do PIB que o seu país gasta com a defesa, sendo um dos
poucos que cumpre a meta estabelecida pela organização para todos
os seus membros. Trump insiste em que os aliados europeus têm de
pagar muito mais se quiserem garantir a sua segurança. O maior
receio é que não seja apenas uma questão de preço. May, também
aqui, pode ficar isolada. Em Berlim ou Paris a palavra de ordem é
reforçar a capacidade militar europeia em face da mudança
verificada em Washington. Até hoje, Londres foi decisiva para vetar
qualquer tentativa (mais teórica do que prática) de pôr de pé uma
defesa europeia autónoma, alegando que enfraqueceria a NATO. O
"Brexit" vai tirar-lhe esse poder. Se perder o aliado
americano fica mais uma vez isolada.
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