"Hoje,
há medo nas redacções. Ou alguém tem dúvidas?"
ADRIANO
NOBRE
14.01.2017
às 10h08
A
precariedade no jornalismo, a qualidade da informação na era do
imediatismo e o contra-senso de haver uma audiência cada vez maior e
que cada vez menos valoriza o trabalho dos jornalistas foram alguns
dos temas em debate no segundo dia do 4.º Congresso dos Jornalistas,
que decorre até domingo em Lisboa
A afirmação e a
pergunta que titulam este artigo foram proferidas pela presidente do
Sindicato dos Jornalistas. No fim de uma série de comunicações que
antecedeu o primeiro painel de debate do 4.º Congresso dos
Jornalistas, vários membros da direção do Sindicato subiram ao
palco para dar voz ao testemunho de 11 jornalistas que, por temerem
represálias, preferiram não assumir publicamente, perante os
colegas de profissão, os problemas que enfrentaram. "Hoje, há
medo nas redações. Ou alguém tem dúvidas?", concluiu Sofia
Branco.
Para trás ficava o
relato de quem cedeu a chantagens de chefes, de quem foi despedido
por ter um vínculo precário e não querer esconder-se de uma
inspeção da ACT na redação, de quem tem funções de chefia há
dez anos e é pago a recibos verdes, de quem se viu forçado a
desistir da profissão por não conseguir sobreviver com um ordenado
de 500 euros, de quem é estagiário anos e anos.
"Retalhos de
uma profissão cada vez menos livre e independente, que se resigna"
e que, acrescentou a presidente do Sindicato, faz cada vez menos o
que devia fazer: "serviço público, contribuir para uma opinião
esclarecida e informada ou escrutinar todos os poderes", por
exemplo.
A precariedade na
profissão é um dos sintomas mais evidentes da crise de um sector ao
qual já se colou, há anos, a imagem da "tempestade perfeita":
acentuada quebra de receitas publicitárias, mudanças irreversíveis
nos hábitos de consumo de informação, novos paradigmas de
distribuição de conteúdos e uma concorrência exacerbada pelas
audiências. E, no meio de tudo isto, o diagnóstico que a maioria
dos jornalistas faz à profissão indica-nos que ela já conheceu
melhores dias.
Como chegou o
jornalismo a este ponto? E será este um ponto de não retorno? Estas
foram duas das perguntas que percorreram parte substancial do
primeiro painel do congresso, que reuniu nove jornalistas de alguns
dos principais meios de comunicação nacionais. E logo no arranque
do primeiro painel, Alexandre Afonso, da Antena 1, colocou o foco
numa das (auto)críticas mais ouvidas durante a manhã: o imediatismo
que hoje dita regras na profissão.
"Estamos a
pensar muito pela cabeça dos outros e não pela nossa cabeça. Temos
de pensar em para quem trabalhamos e não em estar nos sítios só
porque os nossos concorrentes estão lá", exemplificou. João
Pedro Pereira, do Público, questionou outro exemplo clássico da lei
do mais rápido a dar o que todos darão. "Tenho sérias dúvidas
sobre estas guerras de 30 segundos para ver quem envia a notificação
da notícia primeiro".
Anabela Neves, da
SIC, partilhou as reflexões e concordou que o imediatismo do ciclo
informativo está a impedir que haja "tempo para pensar".
"As edições online de todos os meios pegam em notícias de
outros e replicam-nas sem sequer as confirmar. E a confirmação de
fontes deve fazer parte do nosso ADN", recordou, lamentando a
espiral de uma profissão "sem freio a fazer manchetes falsas
que são desmentidas minutos depois online".
Problemas que,
segundo o jornalista do Expresso José Pedro Castanheira - o único
elemento deste primeiro painel que tinha estado presente nos três
anteriores congressos -, poderiam ser pelo menos atenuados se o
código deontológico fosse cumprido. E atualizado, para colmatar uma
das "graves omissões" que diz perdurar desde 1993: "não
haver sanções para os jornalistas que não respeitem o código".
Acresce, segundo Castanheira, que o jornalismo tem mecanismos de
auto-regulação que "não passam de boas intenções", uma
entidade reguladora (ERC) "em que os jornalistas não se reveem
e que não é respeitada nas redações", "conselhos de
redação inexistentes" e "empresas que não são
rentáveis" entregues a empresários "que encaram os seus
órgãos de comunicação como instrumentos de poder".
Mas num painel que
também sublinhou, como defendeu o jornalista do Correio da Manhã
Carlos Rodrigues, a necessidade de o jornalismo ser "uma
atividade rentável" para que possa ter "como palavra chave
a independência, houve também um apelo do jornalista Nicolau
Santos, do Expresso, para que o congresso - e por conseguinte a
profissão - não se transformasse "num muro de lamentações".
Porque, constatou, "o jornalismo sempre foi resistência,
resiliência e luta contra as pressões".
A esse propósito,
de resto, Nicolau Santos deixou fortes críticas ao que considerou
ser a recente deriva do jornalismo económico para o papel de
"suporte da troika, dos banqueiros e do programa de ajustamento"
e pediu capacidade para "resistir às investidas que tem havido
contra o jornalismo". "Há sempre alternativa no jornalismo
e na vida", disse.
Uma das
alternativas, para o jornalista Carlos Rodrigues de Lima, do Diário
de Notícias, é fazer o jornalismo voltar à sua essência. Que
parece também prejudicada pela tendência para o "deslumbramento"
dos jornalistas. "Às vezes os jornalistas limitam-se a contar
as histórias do que se passa lá fora e parece que não aprendem
nada com isso. O que é que a Apple fez pelo telemóvel que não
possamos fazer pelos jornais?", exemplificou.
Depois de ironizar
com o potencial que os jornais têm para aproveitar as tendências
para o consumo de produtos vintage - "Haverá coisa mais vintage
do que ler jornais em papel?" - o jornalista do "DN"
lamentou que depois do tempo "em que se discutia o que era
notícia", hoje, nas redações, se privilegie "o que é
giro" e "o que indigna as redes sociais". "O
jornalismo precisa de ser rentável, mas a receita está na origem,
no jornalismo. Não vale a pena inventar. Se no meio da enxurrada de
informação não tivermos notícias ou reportagens diferenciadas,
vamos com a corrente. Ninguém pára, lê olha ou escuta".
NA DIRECÇÃO CERTA?
O painel seguinte
terá conseguido o feito de alcançar uma das maiores proporções de
sempre de directores de meios de comunicação por metro quadrado: 19
diretores de jornais, rádios e televisões. E quando todos se
alinharam no palco - para uma mesa redonda que, como sublinhou Sérgio
Figueiredo, da TVI, mais parecia "um pelotão de fuzilamento"
-, saltou à vista uma das situações mais criticadas da sessão: a
constatação de que em quase duas dezenas de diretores, apenas
existiam duas mulheres - Graça Franco, da "Renascença", e
Mafalda Anjos, da "Visão".
No seguimento do
painel anterior, também os diretores assumiram os vários problemas
e desafios que os meios de comunicação têm pela frente. "O
tempo das notícias acelerou. Se juntarmos a isso menos recursos
humanos e tecnológicos, percebemos que um dos grandes problemas é a
viabilidade dos projetos", apontou Arsénio Reis, da TSF. Também
por isso Paulo Baldaia, do "DN", desvalorizou as críticas
sobre o facto de os diretores serem cada vez mais chamados a tratar
de assuntos extra-editoriais e mais relacionados com a gestão das
empresas. Porque "sem resolver o problema financeiro não
resolvemos os restantes problemas dos media".
E nesse capítulo,
David Dinis, do "Público", admitiu que o declínio
salarial e das condições de trabalho nas redacções são "um
reflexo das condições do país". "Uma parte da minha
missão é ir resolvendo os problemas mais graves que tenho na
redação", disse, depois de defender que o jornalismo "não
é uma profissão para ganhar dinheiro mas para ser feliz".
No mesmo plano, o
diretor do Expresso, Pedro Santos Guerreiro, reconheceu que
atualmente nas redações portuguesas "não só os salários são
mais baixos, como há menos jornalistas". Um contexto propício
a um ambiente onde "o mais preocupante é a desmotivação".
"Todos quisemos ser jornalistas, não caímos aqui por acaso.
Alguns, como é o meu caso, por quererem mudar o mundo. Mas quando se
tem salários tão baixos perdemos a capacidade de sonhar e de estar
ao serviço dos leitores", defendeu.
O erro de oferecer o
que se produz
Entre os problemas
com que as redações convivem está a necessidade de os meios se
adaptarem à nova realidade tecnológica. Mas para Ricardo Costa, da
SIC, mais do que a tecnologia em si - "que sempre existiu e
existirá" e cuja evolução, desde o fax ao telemóvel, "sempre
condicionou o jornalismo" - , a verdadeira questão está na
"mudança profunda dos hábitos de consumo de informação"
e nos erros cometidos pelos media no início desta nova era. "A
comunicação social ficará para a história da economia como o
único sector que ofereceu de borla o que produz".
Uma decisão que
gerou um contra-senso difícil de resolver. "Temos as maiores
audiências de sempre, mas uma audiência que valoriza cada vez menos
o nosso trabalho", constata. "Não podemos parar o vento
com as mãos. Mudou o modo de consumo, o tempo e o preço. O desafio
é fazer bom jornalismo numa mudança de paradigma de consumo" e
em que "muito do que se faz não gera receita", conclui o
diretor da SIC.
Ainda no plano da
evolução tecnológica, David Dinis, do "Público",
enfatizou "a extraordinária oportunidade" que os meios
hoje têm para "conhecer muito melhor" os seus leitores. E,
de caminho, "desfazer mitos", através dos dados recebidos
pelas leituras online. "Como o mito de que as pessoas só querem
o clicbait. Não: as pessoas querem textos de análise, querem
enquadramento".
Tal como Arsénio
Reis, Graça Franco assumiu que um dos obstáculos que enfrenta
atualmente na direção da Renascença é "o problema do já".
"Temos de ter em minutos uma opinião definitiva sobre se é bom
ou mau. Mas às vezes é preciso dizer 'não sei'", disse,
depois de defender que "o grande desafio" de qualquer órgão
de comunicação "é ser relevante e credível". E se, como
argumentou o diretor da Antena 1, João Paulo Baltazar, o jornalismo
"só pode ser recuperado se nos questionarmos permanentemente
sobre o que fazemos", é preciso criar condições para que os
jornalistas "deixem de parecer todos os dias a cumprir a
agenda". "Temos de fazer menos, melhor e pensar mais",
sentenciou Baltazar.
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