Os
turistas querem ver a cidade, não um parque temático ou um zoo"
O
arquitecto grego Stavros Stavrides acredita na necessidade de
reinventar a participação cidadã para que “as pessoas possam de
facto tomar decisões” sobre a cidade. A sua teoria sobre “Espaços
Urbanos Comuns” dá o mote para o debate desta terça-feira no
Teatro Maria Matos, em Lisboa.
MARGARIDA DAVID
CARDOSO 24 de Janeiro de 2017, 8:31
Quando o arquitecto
e activista Stavros Stavrides fala em “espaço comum” refere-se
aos espaços criados por quem os usa. “É onde pessoas diferentes
encontram espaço comum para habitarem”, distinto do espaço
público, que é “controlado por uma autoridade que dá a permissão
de uso, sob certas condições”, na óptica deste professor da
Escola de Arquitectura da Universidade de Atenas.
Stavrides, grego de
59 anos, acredita que é necessário reinventar a participação dos
cidadãos ao nível local, para que “as pessoas possam de facto
tomar decisões” sobre a cidade onde vivem. Defensor da intervenção
dos municípios no controlo do mercado imobiliário e apoiante dos
programas de renda acessível em bairros lavrados pelo turismo, o
arquitecto dá o mote, esta terça-feira, para o debate “Espaços
Urbanos Comuns”, no Teatro Maria Matos, em Lisboa.
O que falta aos
espaços públicos para serem espaços comuns?
Na nossa sociedade
tendemos a tornar-nos mais e mais divididos e exclusivos. De que
adianta ter uma praça com arquitectura bonita se está rodeada por
empresas turísticas e tudo o que existe ali serve apenas esse fim?
Uma praça assim deixa de ser inclusiva, deixa de ser comum, ainda
que seja pública. Por isso precisamos de espaços mais inclusivos,
onde diferentes comunidades se possam desenvolver. Claro que há
comunidades que querem algum espaço só para si, mas não devemos
construir enclaves ou guetos.
Podemos dizer que as
cidades com mais e melhores espaços comuns tendencialmente são mais
inclusivas?
Sim. A inclusão é
uma parte crucial na criação de espaços comuns. Tem-se notado que,
por causa da crise, muitas pessoas estão excluídas da protecção
do Estado — ficam sem abrigo, sem trabalho — e muitas vezes
excluídas para própria sociedade. Por isso, muitas pessoas
começaram a compartilhar, por uma questão de sobrevivência, o
espaço e outras coisas, como economias alternativas e redes de
educação alternativas. Acho que, neste momento da nossa história,
estamos perante um processo de emergência dos espaços criados pelas
pessoas na sua tentativa de sobreviverem colectivamente.
A ideia por detrás
dos espaços comuns é que são as pessoas, não os poderes
políticos, que decidem qual o uso a dar a estes locais. Esta é uma
oportunidade para repensar o espaço público?
Sim, não importa
quão democraticamente eleitos foram os autarcas, eles precisam
sempre de estar em contacto com as pessoas. Esta onda de democracia
directa, desde o Movimento dos Indignados ao Occupy Wall Street,
indicou que existe um défice de democracia nas nossas sociedades.
Precisamos de reinventar a democracia e os processos através dos
quais as pessoas possam de facto tomar decisões.
Como?
Por exemplo, tendo
assembleias de bairro, dando às pessoas direitos e encorajando-as a
dizer o que acham que deve ser feito no seu bairro. E dar-lhes a
oportunidade de trabalhar em soluções. Se não dermos a
possibilidade às pessoas para produzirem ideias e tomarem decisões,
a participação é só um álibi para os políticos fazerem aquilo
que queriam logo à partida.
Como várias cidades
europeias, Lisboa assiste a um processo de gentrificação -
esvaziamento de população local de espaços centrais tomados pelo
turismo. É possível reverter este processo?
Sim, se estas zonas
das cidades forem abertas para outros usos, não apenas para o
turismo. Quando se intervém num bairro, esta intervenção tem que
ser feita sem destruir a mistura de actividades e de pessoas que
existe neles. No momento em que crias uma espécie de montra para o
turismo, estás a esvaziar o local, a transformá-lo num espaço
apenas para consumo. E nem sequer é isso que os turistas mais
interessados querem: querem ver a cidade, não um parque temático ou
um zoo.
Quando vim a Lisboa
há dez ou doze anos, fiquei maravilhado quando visitei um bairro
muito perto do centro e senti que estava numa vila, onde essas
diferentes pessoas viviam em comunidade. Senti-me numa cidade
inclusiva.
Na prática, como se
pode reverter a gentrificação?
Tornando os bairros
acessíveis. É necessária intervenção do município, porque se
confiarmos a responsabilidade no mercado imobiliário estamos a
apoiar a exclusão e expulsão. Se deixarmos o Airbnb, por exemplo,
existir sem regras que o regulem, passamos a ter bairros sem vida. Só
dá para reverter o processo se houver lá pessoas a viver.
Temos que delimitar
áreas que não podem ser usadas para alojamento local, devem ser
dadas oportunidades para os jovens se fixarem nestes bairros e
incentivar a criação de postos de trabalho.
Não se trata só de
pedir aos autarcas para fazerem algo, mas também criar iniciativas
que forcem os autarcas a tomar decisões, que os forcem a aceitar a
participação, que mudem as perspectivas das autoridades locais e as
façam perceber que confiar no mercado é uma rua sem saída.
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