A
nova PPP: Parceria Presidente Primeiro-ministro
A
grande questão sobre a sua primeira pequena entrevista é esta: por
que aceita Marcelo desempenhar o papel de ventríloquo de António
Costa?
João Miguel Tavares
24 de Janeiro de
2017, 7:0
O problema da
entrevista de Marcelo Rebelo de Sousa à SIC é muito simples: se ele
tivesse trocado de cabeça com o primeiro-ministro, ninguém teria
dado pela diferença. António Costa poderia ter dito, sem retirar
uma vírgula, tudo aquilo que o Presidente da República disse sobre
o crescimento, sobre os bancos, sobre a dívida, sobre o défice,
sobre a inflação, sobre a TSU, sobre a estabilidade, sobre a
situação económica e sobre a situação política. Não houve uma
única palavra proferida por Marcelo que se estranhasse na boca de
António Costa, e até o único vestígio de crítica ao governo –
a insuficiência do crescimento – já foi admitido pelo
primeiro-ministro. Donde, a grande questão sobre a sua primeira
pequena entrevista é esta: por que aceita Marcelo desempenhar o
papel de ventríloquo de António Costa?
Será porque gosta
muito de Costa? Porque odeia Passos? Porque acha que é o melhor para
o país? Porque não quer chatices? Não tenho uma boa resposta –
sei apenas que esta osmose é absurda e perigosa. Uma coisa é o
Presidente da República desejar “estabilidade”. Até hoje, todos
os presidentes da República desejaram “estabilidade”. Outra
coisa, inteiramente diferente, é o palácio de Belém assinar uma
inédita PPP (Parceria Presidente Primeiro-ministro) com o palácio
de São Bento, nos seguintes termos: o segundo vende ao primeiro toda
a argumentação acerca do espectacular estado do país; o primeiro
compra essa versão e vende-a a todos os portugueses como se fosse
sua e, portanto, “neutra”. Mais. Esta PPP até já vem com o seu
credit default swap incluído, na figura do comentador e conselheiro
de Estado Marques Mendes, que tem vindo cada vez mais a desempenhar o
papel de avalista mediático do Presidente – e conspirador
ocasional.
Para o caso de
alguém ainda não ter reparado, Marques Mendes está para Marcelo
como Marcelo está para António Costa: são caixas de ressonância
uns dos outros. Com uma diferença. Enquanto Marcelo e Costa namoram
às claras, Marcelo e Mendes andam a namorar às escuras. Eu comecei
a desconfiar disso com as “descobertas” de Marques Mendes no caso
da Caixa Geral de Depósitos e fiquei absolutamente convicto com as
violentas acusações de “cata-vento” a Passos Coelho no caso da
TSU. A palavra traía a sua origem. Marques Mendes é o novo bff
(best friend forever) de Marcelo. As suas agendas estão demasiado
coladas para ser um mero acaso. Este domingo, Mendes cedeu o seu
tempo de comentário para a entrevista a Marcelo Rebelo de Sousa, e
veio mais tarde, à frente da lareira de casa, expor a interpretação
oficial das palavras do presidente, que depois passaram em loop nos
noticiários da SIC.
Chamem-me esquisito:
Marcelo como padrinho de Costa; Mendes como delfim de Marcelo, já em
aquecimento para as presidenciais de 2026; cartas escondidas na
manga; relações alimentadas de forma mais ou menos obscura e
teatralizada; nenhum deles a assumir com um mínimo de lucidez as
tremendas dificuldades do país e a complexidade da actual situação
governativa; chamem-me esquisito, de facto, mas não estou a gostar
nem um bocadinho de uma magistratura da confluência que em nome da
“estabilidade” afecta os contrapesos do regime, com
primeiro-ministro, Presidente e principal comentador da nação
unidos por um fio invisível enquanto Portugal vai resvalando para o
buraco. Esta Parceira Presidente Primeiro-ministro é como as outras
PPP: desnecessária, imprudente e caríssima para o país.
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