quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Lojas históricas, fãs histéricas (!! ? ? !! )


No dia das declarações reveladoras de Nuno Carvalho sócio de Zé Diogo Quintela, seu primo e financiador da Padaria "Portuguesa", um fenómeno Globalizador do conceito da padaria vale a pena reflectir sobre o seguinte:
A propósito do direito à existência baseado exclusivamente no darwinismo social e numa ideia do empreendorismo selectivo e predador que exclui história, identidade,autenticidade, memória, anos e anos de vivência, enfim tudo aquilo que constitui uma Cidade, um Povo, um País, uma Nação … vale a pena revisitar este vergonhoso e fedorento texto por José Diogo Quintela que no seu pretendido humor só revela arrogância alienada e “superior” desprezo distanciado.
OVOODOCORVO




JOSÉ DIOGO QUINTELA
Lojas históricas, fãs histéricas
Se estas lojas fecham, perde-se uma das maiores características portuguesas: a economia subsidiada pelo Estado.
Por José Diogo Quintela|09.04.16

Em Lisboa há três tipos de lojas: as recentes, as antigas e as com história. As recentes são recentes, as antigas são antigas e as com história são falidas. A diferença entre uma loja antiga e uma com história é que a loja antiga vende produtos a clientes; a loja com história, não. Uma é parte activa da economia da cidade, a outra é património imaterial. Literalmente: não tem material que atraia clientes. Mas aguenta-se porque é "histórica" no sentido em que, historicamente em Portugal, todos desejam viver a expensas do Estado, que vai manter as rendas baixas. Às custas dos proprietários. A loja com história não tem clientes, tem fãs. Que, como se lembram de ter lá ido em criança, decretam que deve permanecer aberta. Na Baixa é costume ouvir: "Ai, que loja tão apetitosa! Vinha cá com a minha avó. Tem algum produto útil a preço acessível?" "Não. Mas tenho história." "Dê-me então 1,3 kg de história, por favor." Para conservar a memória deste tipo de serviço, a Câmara de Lisboa vai recongelar as rendas destas lojas. A CML quer preservar a personalidade própria das lojas falidas da Baixa. (Ao mesmo tempo que, com regulamentos que obrigam os toldos e esplanadas a serem todos iguais, não deixa que lojas que tentam ter lucro tenham personalidade própria). O objectivo é impedir que Lisboa fique igual a outras cidades que atraem turistas, descaracterizando-a. Se estas lojas fecham, perde-se uma das maiores características portuguesas: a economia subsidiada pelo Estado. Lisboa não pode ter as mesmas lojas de Londres, Paris e NY. Quem quer produtos de lojas que há em Paris ou NY dirija-se a Paris ou NY, que é o que fazem os lisboetas que gostam dos produtos que há em Paris e NY, desde que não haja em Lisboa. São Arnaldos Matos do gosto, educadores da classe consumidora. Se a loja tem brasões dourados, é kitsch e aldrabice histórica; se tem cadeiras desirmanadas e mobília manca, é kitsch irónico e vintage. Atenção, estes lisboetas não são contra o turismo. São contra certo tipo de turismo. Sim, os turistas gastam cá dinheiro (no ano passado, em transacções com multibanco, foram 4929 milhões), mas não são os turistas ideais. Se há um turista ideal, é isso mesmo: idealmente, um turista. Único. A gastar os mesmos 4929 milhões. Em Pasta Medicinal Couto. Comprada durante a semana, para não maçar os lisboetas que vão Sábado ao Chiado comer brunch, a refeição predilecta de quem não consegue decidir se gosta mais de pequeno-almoço ou de almoço, mas consegue decidir que tipo de lojas as outras pessoas devem frequentar. (Brunch, mas não no Pap’açorda. O Pap’açorda era um restaurante com história, mas traiu a causa ao mudar de sítio para continuar a ter sucesso comercial. A CML devia obrigá-lo a ficar onde estava, a embelezar o roteiro saudosista.)

A mercearia/taberna da esquina Chamávamos-lhe "Sr. Pedro", pois o dono era o Sr. Pedro. Era uma tradicional mercearia/taberna, com o tradicional livro de fiado, a tradicional aldrabice no livro de fiado, os tradicionais víveres a granel, as tradicionais barricas de vinho, os tradicionais ébrios, o tradicional etc. Fechou há uns 25 anos. A causa foi o tradicional falecimento do merceeiro/taberneiro, pela tradicional velhice. Hoje é uma clínica de análises, frequentada pelos antigos ébrios, actuais idosos com maleitas de ébrios. O que é pena. Gostaria de passar por lá, não para comprar nada, que hoje há o Pingo Doce, mas para sentir a mesma nostalgia que sinto quando ouço a música do Dartacão. Tenho pena que há 25 anos não houvesse o Comité das Lojas com História, para embalsamar o Sr. Pedro e mantê-lo à porta da mercearia, como quando eu era menino.

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