Flibusteiros à abordagem do Novo Banco
Até
hoje as propostas de Sérgio Monteiro para o banco têm sido todas
perigosas. Estas não o são menos – e têm de ser evitadas.
FRANCISCO LOUÇÃ
4 de Janeiro de
2017, 6:43
Parece que o Banco
de Portugal, ou Sérgio Monteiro, ou comentadores que transportam o
recado estariam decididos a tentar forçar a mão do Governo para a
impor a venda imediata do Novo Banco. Os felizes contemplados
poderiam ser a Lone Star ou, se um golpe de teatro ainda o
permitisse, o consórcio Apollo-Centerbridge, agora reforçado pelo
carinho da família Violas, que anda de candeias às avessas com o
BPI. Já hoje, não pode passar de quarta-feira, escreve-se também
em jornais económicos, sob a ameaça tremenda de os fundos
norte-americanos se zangarem.
Se bem conheço o
Governo e outros decisores nesta matéria, esta chantagem não tem
condições para triunfar e impor a entrega do Novo Banco como se não
houvesse alternativas consistentes. Até hoje as propostas de
Monteiro para o banco têm sido todas perigosas e estas não o são
menos.
A solução Monteiro
só tem uma virtude clarificadora, a anuência do PSD e CDS.
Monteiro, despachado por Passos Coelho para esta função e sempre
próximo de Maria Luís Albuquerque, tem cumprido o que dele se
esperava, generosamente pago para tanto. Embrulhou as contas do
banco, prospectou compradores, ofereceu condições e agora proclama
a solução que lhe sobrou.
Mas a solução é
má, por três razões. A primeira é que os potenciais compradores
são flibusteiros, ou aventureiros provados no mar alto da finança
mundial. O fundo texano Lone Star nasceu na crise dos anos 1990 e
lançou-se com o crash dos tigres asiáticos, comprando propriedade
imobiliária e empresas em dificuldades. O seu negócio é a dívida
e a destruição de empresas ou a sua venda a curto prazo. O fundo
Apollo, como o Centerbridge, gerem em conjunto o triplo dos valores,
mas seguem o mesmo caminho: juntar fundos de pensões ou outros
investidores para comprar dívida e conseguirem rentabilidades de
curto prazo. Esta Apollo foi fundada por Leon Black, o braço direito
de Michael Milken, o rei dos junk bonds, que veio a ser condenado à
prisão em 1989 por crimes vários. Se um governo entregasse o
terceiro banco do país em termos de activos líquidos a uma operação
financeira desta natureza, só se poderia queixar de si próprio.
A segunda razão que
assinala o perigo destes fundos é a sua forma de actuação, que
decorre da sua natureza, ou do investimento de curto prazo que deve
ser imediatamente ressarcido. Ao comprarem o Novo Banco, visto que
lhes pode ser difícil distribuir desde logo dividendos para
recuperarem o capital, estes fundos procurarão utilizar as garantias
do Estado e os créditos fiscais (e já lá estarão cinco mil
milhões), pedir novos empréstimos e retirar capitais do banco,
espremendo também os créditos em curso na economia nacional para
aumentarem as taxas de retorno. Em resumo, ameaçarão o banco,
atacarão os clientes, arriscarão os depositantes.
A terceira razão é
que este procedimento tem ainda um outro custo, o défice: o
imediato, a contabilidade das contra-garantias, e o mediato, a perda
fiscal ao longo dos anos. Se lhe dissessem que o Novo Banco foi
vendido nestas condições, poderia ter a certeza de que a sua
carteira fora arrombada, mas creio que o Governo não alinhará nesta
aventura.
A solução Monteiro
tem de ser evitada, tanto mais que há alternativas a este caríssimo
ultimato quarta-feirista. Primeiro, é melhor fazer as contas do Novo
Banco com rigor. Segundo, o banco não pode continuar a viver
arrastado para o fundo pelas operações não bancárias do tempo
passado e deve livrar-se delas. Terceiro, deve ser mantido como
entidade separada e não incluída na CGD, mas deve integrar a banca
pública para uma recapitalização ponderada ao longo do tempo e
para uma gestão do crédito que estimule a economia. Sobre os
detalhes desse plano voltarei a escrever em breve.
A
hora da Caixa: oito perguntas que precisam de resposta
António
Domingues vai à Assembleia, já livre para dizer o que aconteceu.
Não sabemos o que está disposto a dizer, mas é a hora de lhe pedir
estas oito respostas.
DAVID DINIS
4 de Janeiro de
2017, 6:29
1. António
Domingues colocou, ou não, como pré-condição a não entrega de
declarações no TC? Por escrito? Escreveram-se páginas e páginas
de jornais sobre esta dúvida - e desta quarta-feira não podem
sobrar dúvidas: Domingues deixou ou não claro que queria a sua
administração isenta de apresentar declarações de património? E
deixou-as registadas por escrito?
2. (Em caso
afirmativo), a quem o pediu - e quem sabia disso? Questão
subsequente: se Domingues pediu, pediu a quem essa condição? Ao
secretário de Estado, ao ministro, ao chefe de Governo? Quem sabia,
se é que havia condição para saber.
3. A Caixa esteve em
risco de bail-in? Domingues pôs todas as cartas numa forte
recapitalização, mas nunca falou sobre as contas que encontrou na
Caixa. O banco público esteve em risco de uma reestruturação
imposta por Bruxelas, com perdas associadas a clientes e
investidores?
4. Quantas
imparidades ficaram registadas já? O que é que isso nos diz sobre a
qualidade dos empréstimos da CGD? As notícias publicadas apontam
para o registo de três mil milhões de crédito malparado no banco
público. O número está certo? Até que ponto era necessário
tanto? E isso quer dizer que a CGD esteve a dar empréstimos sem
garantias suficientes?
5. O plano de
recapitalização está plenamente garantido? Já há ok de Bruxelas
e Frankfurt para a primeira parte da operação (que pode totalizar
5,7 mil milhões de euros). Mas que condições foram impostas pelo
supervisor para que as próximas se colocassem? E a emissão de
títulos para privados? Que garantias de sucesso pode ter?
6. Quantos balcões
fecham com o plano de reestruturação? Domingues e o seu Conselho de
Administração já aprovaram os próximos passos. E sabe-se que
passam pelo menos por redução de pessoal (via aposentações) e
fecho de balcões e serviços. Vamos saber quantos e quais?
7. Quais foram os
motivos da sua demissão? Domingues saiu, ao que se sabe, pela falta
de apoio político. Talvez pela entrega de declarações no TC - que
chegou a fazer, pedindo sigilo. Mas falta ouvi-lo. Em concreto, foi
porquê? E disse-o quando ao Governo?
8. E porque não
ficou mais uns dias, até que a nova gestão fosse aprovada? Foi a
última das polémicas: só a dois dias do fim do prazo o Governo lhe
pediu que ficasse até que Paulo Macedo o substituísse. Domingues e
Governo desentenderam-se sobre o motivo e a culpa pela saída
imediata. Afinal, o que aconteceu?
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