Paulo Dentinho
AINDA
PRECISAMOS DE JORNALISTAS?
13 Jan, 2017, 20:06
Paulo Dentinho
Os jornalistas estão
reunidos em congresso, um tempo de reflexão sobre a profissão,
sobre o lugar onde estamos, como estamos, sobre o lugar para onde
queremos ir ou, talvez melhor, para onde podemos ir. Porque o
exercício da nossa profissão muda a cada salto tecnológico.
Há três décadas,
uma equipa de reportagem em televisão era composta por cinco
pessoas: motorista, assistente de imagem, operador de imagem,
operador de som e jornalista. Hoje, há já quem faça tudo. E ainda
edite as reportagens.
O mundo mudou, o
jornalismo mudou com ele. Uns órgãos de comunicação social
acabaram, outros surgiram. Há mais jornalistas. Mas há menos
emprego. E há mais ex-jornalistas a trabalhar em agências de
comunicação.
Quase me atrevo a
admitir que são mais do que aqueles que estão nas redações. E não
nos enganemos, as agências de comunicação prestam um grande
trabalho. Para os seus clientes. Sobretudo quanto conseguem
introduzir as suas informações no fluxo noticioso. Antigamente
havia um nome para isto: chamava-se propaganda. Agora usa-se o termo
mais pomposo de "comunicação".
A multiplicidade de
redes e plataformas onde a notícia se pode encontrar é outro
instrumento extraordinário a potenciar a divulgação da notícia.
Mas também há muito mais gente a delas dar conta. Sem filtros ou
intermediários. Até porque, muitas vezes, são cidadãos que
conseguem estar onde o jornalista não conseguiu estar.
Basta lembrar as
imagens do quotidiano em Raqqa, por exemplo, filmadas
clandestinamente por uma corajosa mulher escondida pelo seu
obrigatório nikab, e a repercussão mundial que teve. Até mesmo no
chamado mainstream media.
Mas há também as
informações falsas e não verificadas neste mundo da pós-verdade,
propaladas com igual velocidade e pretensa veracidade. Sim, a
tecnologia é extraordinária nas múltiplas capacidades que permite
ao mundo da comunicação. Só que no jornalismo, como em todas as
outras áreas do mundo do trabalho, a tecnologia vai correspondendo,
quase sempre, a menos postos de trabalho.
Há dias, uma
reportagem dos nossos camaradas da France 2 ilustrava este mundo onde
a robótica e a inteligência artificial são maravilha. Um empregado
de uma fábrica de cadeiras para escritório dizia que fazia o
trabalho de sete pessoas.
Coloquemos em
perspetiva: se a empresa tiver cem trabalhadores significa que há
seiscentos lugares que deixaram de ser necessários. E ontem mesmo,
no debate do centro esquerda francês, o assunto mais notório foi a
proposta para se introduzir um salário universal. Sendo que na
Finlândia já estão na fase experimental dessa ideia. Porque já
perceberam que o mundo da robótica e da inteligência artificial
altera todos os paradigmas.
Ou seja, o mundo vai
continuar a mudar inexoravelmente. Com a tecnologia a tornar cada vez
menos necessário o trabalho humano. Para todos. Sejam jornalistas,
trabalhadores rurais, empregados fabris, médicos, enfermeiros - o
que se quiser.
Qual o lugar do
jornalista nesse mundo? Não faço a mínima ideia. Mas gostava de
perceber que profissões poderão sobreviver aos brutais saltos
tecnológicos que se avizinham. Em todo o caso, a haver jornalismo,
ele será diferente, muito diferente.
Apesar de tudo,
tenho a certeza que nunca lhe poderá faltar, como hoje, a
credibilidade que chega com o rigor, a isenção, a imparcialidade, o
fascínio da descoberta e a curiosidade.
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